Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

Justificativas para novo adiamento não convencem MPF

Quarta-feira, dia 8 de janeiro de 2008, 21h20. O procurador Marcus Vinícius Macedo, do Ministério Público Federal do Acre, acessa o site do Ministério da Justiça e lê que foi adiado o prazo (que venceria no dia seguinte) para as emissoras de televisão se adequarem aos diferentes fusos horários do país. Elas, as emissoras, ganharam mais 90 dias para cumprir o atrelamento entre faixa etária e horário de veiculação previsto na portaria 1.220/07, que consolidou as novas regras da Classificação Indicativa dos programas de TV.

‘Fiquei surpreso e decepcionado. A Portaria é resultado de um longo e amplo processo de diálogo do Ministério da Justiça com a sociedade civil e as comunidades, em audiências públicas e reuniões. Sua publicação – que já é diferente da proposta original, fazendo uma série de concessões às emissoras – e este adiamento não condizem com este rico processo’, avalia Macedo.

Inicialmente programado para terminar no dia 9 de janeiro (6 meses depois da publicação da portaria, em julho do ano passado), o prazo para as emissoras adequarem a programação aos fusos foi prorrogado pelo MJ por meio de portaria publicada pelo Diário Oficial da União. O adiamento foi fruto de um pedido da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão – Abert, segundo o próprio secretário nacional de Justiça, Romeu Tuma Jr., que informou a Macedo e outros representantes do Ministério Público e de organizações da sociedade civil em reunião realizada na última segunda-feira, 21, em Brasília.

No próprio dia 9 de janeiro, o ministro da Justiça Tarso Genro, em nota à imprensa, afirmou que a decisão do MJ foi uma ‘resposta aos pedidos de parlamentares e de entidades representativas das emissoras das regiões com fuso horário diferente ao de Brasília, que alegam dificuldades financeiras na aquisição de equipamentos e contratação de mão-de-obra para fazer as modificações técnicas necessárias ao cumprimento do fuso horário’. ‘Preferimos tomar uma atitude prudente do que correr o risco de causar desestruturação às emissoras regionais, o que poderia ser confundido com algum tipo de censura ao direito à informação’ disse o ministro.

‘Dificuldades técnicas’

Os parlamentares a que o ministro se referiu são os que assinam uma carta enviada ao diretor do Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação da Secretaria Nacional de Justiça – Dejus, em que – atendendo a solicitação das entidades que representam as empresas de televisão nos estados do Amazonas, Rondônia, Pará e Mato Grosso – solicitam ao Ministério da Justiça ‘uma solução que atenda os objetivos da Portaria, sem prejuízo do modelo da TV comercial do Brasil que adota a hora de Brasília para a veiculação, em nível nacional, de programas via satélite evitando que, nesses estados, as empresas sejam obrigadas a gravar os programas para exibi-los nos horários locais’.

A presidente da Comissão da Amazônia, deputada Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), que lidera as assinaturas da carta, incrementou a justificativa dos radiodifusores em entrevista à Agência Câmara, onde afirmou que as emissoras da região, por motivos técnicos, teriam que alterar toda a grade de programação e enfrentariam problemas com a audiência devido a concorrência com as parabólicas e as tevês a cabo. ‘Além disso, seria um retrocesso, uma vez que a população da região, que tradicionalmente acompanha a programação da televisão aberta, teria que assistir a uma programação gravada’, explicou.

Em nota no dia em que o prazo foi adiado, a Abert elogiou a prorrogação e reafirmou que o Ministério da Justiça ‘compreendeu que as emissoras ainda encontram muitas dificuldades técnicas e operacionais para cumprirem a determinação de exibir a programação respeitando os diferentes horários do país’.

Dificuldades técnicas invisíveis

O argumento das emissoras, reiterado pelos parlamentares, é de que existem dificuldades técnicas para cumprir a portaria. Entretanto, desde a publicação das novas regras em julho de 2006, as emissoras não divulgam quais seriam estas supostas dificuldades. O próprio Ministério da Justiça, que oficialmente aceitou o argumento das redes, afirma que a adaptação da programação em caso de incompatibilidade com a Classificação Indicativa é perfeitamente possível. Segundo o diretor-adjunto do Departamento de Justiça, Classificação, Qualificação e Títulos do MJ, Davi Pires, há três alternativas para o ajuste da programação. ‘Uma diferença de horário poderia ser viável, não transmitindo [a programação] ao vivo para todas as emissoras filiadas. Se não for isso, talvez, retardando a programação. Assim, as emissoras teriam que gravar. E uma terceira possibilidade seria que a programação fosse adequada para um adolescente de 12 anos [que não teria] problemas para assistir à novela, por exemplo’.

Para o procurador do MPF Marcus Vinícius Macedo, o argumento (das dificuldades técnicas e financeiras das emissoras) também não procede. ‘Esta justificativa nunca nos foi apresentada. Aqui no Acre, por exemplo, não existe isso. As emissoras investiram em adaptação das programações e estavam prontas para cumprir o prazo quando a portaria entrasse em plena vigência, no dia 9. Além disso, notícias nacionais dão conta de que as emissoras SBT, Band e Record estavam também prontas, só a Globo não’, diz. ‘Não esperávamos que houvesse tamanho lobby da Abert para reverter a entrada em vigor da portaria. Ficamos muito decepcionados’, completa.

Compromisso reafirmado?

‘O Ministério da Justiça nos convocou para reafirmar o compromisso com o prazo de 90 dias dado às emissoras para que elas se adaptem às regras’, informa Guilherme Canela, da Agência de Notícias dos Direitos da Infância – Andi, presente na reunião com o secretário nacional de Justiça Tuma Jr. ‘A partir de agora, precisamos afirmar a importância de que as informações sobre o processo sejam públicas e que as emissoras tenham seus esforços de cumprimento das regras monitorados ao longo deste período de 90 dias, para que não corramos o risco de, nas vésperas do prazo, no dia 7 de abril, nos depararmos novamente com um pedido de adiamento’, afirma Canela.

Em entrevista à Agência Brasil, na última sexta-feira, 18, Tuma Jr. mandou um recado para as emissoras. ‘Faço um apelo para as emissoras. Elas têm de ter responsabilidade social. Existem alguns programas que, efetivamente, não podem passar no horário em que passam’.

Macedo alerta que ‘o compromisso de Tuma Jr. é verbal’, e que ‘depois do que aconteceu no dia 8, a relação com o Ministério [da Justiça] ficou arranhada’. Segundo ele, o Ministério Público e a Andi estão pensando em formas de monitorar as ações das emissoras nos próximos 90 dias para ver se estão realizando esforços para se adequar à portaria. ‘Ainda não temos uma proposta concreta, mas sabemos que precisamos encontrar um meio de fiscalizar’, diz.

A procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Ela Wiecko, reafirmou que o Ministério Público foi surpreendido pela prorrogação do prazo. Depois de ouvir as explicações do secretário Tuma Jr. na reunião em Brasília, ela disse que vai se reunir com procuradores de todos os estados da região Norte que têm diferença de fuso horário com Brasília, para decidir qual posição o Ministério Público vai adotar.

Os estados onde o horário é diferente em relação ao de Brasília são Acre, Amazonas, Roraima, Rondônia, parte do Pará, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Por causa dos diferentes fusos horários do país, uma novela considerada inadequada para menores de 14 anos – que não deveria ser exibida antes das 21h – é transmitida às 19h no Acre. Com o horário de verão, essa mesma novela vai ao ar às 18h. [Com informações da Agência Brasil e Agência Câmara]

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Do Observatório do Direito à Comunicação