Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Kassab veta criminalização de homofobismo

No dia 31 de janeiro, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, vetou na íntegra o Projeto de Lei nº 440/ 01, elaborado pelo vereador Ítalo Cardoso e com algumas alterações introduzidas no ano passado por Carlos Gianazzi (PSOL-SP) e pelo vereador do PSDB-SP Netinho. No final do ano passado, o projeto foi aprovado pela Câmara e aguardava o veto ou a sanção do prefeito. Kassab, entretanto, se mostrou insensível aos ataques constantes que os gays, lésbicas, transexuais e bissexuais têm sofrido na Alameda Itu, especificamente na região do Bar do Bocage, na Vila Madalena e na região da Praça da República. Porém, a omissão e falta de sensibilidade para com a realidade em que vivemos não parte apenas do governo municipal de São Paulo; a mídia impressa e televisa, com seus programas focados em temas da capital, também se omitiram – nem uma nota sequer. Preferiu priorizar mais uma vez o óbvio e o superficial: reinício do ano letivo, IPTU à vista, gasto com materiais escolares, como economizar na compra dos mesmos, enfim, nada de novo e a mesma pasmaceira noticiosa dos teles e cadernos voltados para a cidade dos jornalões em papel.

Quando o prefeito teve um ataque de nervos com um cidadão que manifestou insatisfação com algumas de suas atitudes – ele se mostrou implacável e o colocou pra fora: ‘Sai daqui, vagabundo’, e logo depois endossou: ‘Vou fazer isso quantas vezes for necessário’ –, a mídia toda cobriu este triste ato do representante da maior capital da América do Sul. Bom seria se tivesse tomado mesma atitude para com este veto, que visa a coibir e conscientizar os cidadãos desta capital, para que casos como o do ano 2000, quando o adestrador de cachorros Edson Neris foi espancado até a morte, ou quando jovens foram espancados e até esfaqueados na região do Bar do Bocage, ou mais recentemente o cabeleireiro Sergio Pessoa, que foi espancado na Praça da República e depois da agressão teve que retirar um rim, pois tanto chute levou que seu rim ficou dilacerado. Será que fatos como estes não importam à mídia, ou ao prefeito? Todos esses casos foram agressões homofóbicas, de desrespeito à orientação sexual, e ainda assim Kassab veta o projeto na íntegra, num descaso total para com a realidade e as pessoas, que são obrigadas a viver com medo. Pior ainda é a mídia, tão voraz na crítica ao governo e tão omissa quanto a esta realidade vergonhosa. Pior, só no Irã, onde homossexuais são enforcados.

Aura machista/homofóbica

Ainda no que tange à mídia, é interessante reparar e analisar com olhos críticos e de telespectador cotidiano: recentemente, a TV Globo veiculou, e ainda veicula, um informe sobre a responsabilidade dos pais no que se refere ao conteúdo que as crianças/filhos assistem e têm acesso, que ainda acrescenta que ‘cidadania, a gente vê por aqui’. Mas, como é bom saber que ainda há pessoas responsáveis e sensíveis quanto à produção feita na televisão, esta semana começou a ser exibida uma vinheta no canal MTV onde é claro o contraponto à vinheta feita pelo canal dos Marinhos. Neste informe, o canal diz que além da responsabilidade dos pais sobre o que seus filhos assistem, acima de tudo esta problemática se inicia com os produtores que decidem o que será exibido. Na mosca! Eis onde quero chegar: se não tivemos cobertura alguma sobre o veto a um projeto extremamente urgente e eficaz para com a sociedade – a criminalização de qualquer ato preconceituoso ligado à orientação sexual – é porque a mídia, ou grande parte dela, não se interessa por esse tema, e sim, quando há mortes, lágrimas e ibope.

No veto ao projeto, o prefeito diz que o Brasil é signatário da Declaração de Direitos Humanos e que, quem se sentir agredido, deve procurar instâncias para denunciar. Ora, todos sabemos que isso não acontece; direitos humanos e individuais não são respeitados e nosso país carrega consigo uma aura machista/homofóbica muito forte. Se a mídia e o poder executivo não se empenharem na discussão, conscientização e punição, pouco vai mudar e ainda leremos, só assim pra ser noticiado, casos de espancamentos e assassinatos de homossexuais.

Justificação de veto

Eis a íntegra, a justificação de veto do prefeito Gilberto Kassab:

RAZÕES DE VETO

Projeto de Lei nº 440/01

OF ATL nº 11, de 31 de janeiro de 2007

Ref.: Ofício SGP-23 nº 0065/2007

Senhor Presidente

Reporto-me ao ofício referenciado, por meio do qual Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara na sessão de 21 de dezembro de 2006, relativa ao Projeto de Lei nº 440/01, de autoria do Vereador Ítalo Cardoso, que pune toda e qualquer forma de discriminação por orientação sexual.

O texto aprovado determina a punição de todas as formas de discriminação, prática de violência ou manifestação que atente contra a orientação sexual da pessoa homossexual, bissexual, travesti ou transexual. Estabelece os conceitos de ‘orientação sexual’, definindo-o como um ‘direito’, bem como o de ‘discriminação sexual’. Indica um amplo rol de condutas vedadas, às quais comina sanções de natureza civil ou penal, puníveis ‘alternativa ou cumulativamente’ com advertência, multas, suspensões e cassações de alvarás e proibição de contratar com a administração. Como sujeitos passivos das punições indica todo e qualquer cidadão, inclusive os detentores de função pública – civil e militar – e toda organização social ou empresa, com ou sem fins lucrativos, de caráter privado ou público, instaladas no Município de São Paulo.

Não obstante os meritórios propósitos de que se reveste a medida vinda à sanção, que visa erradicar a discriminação no Município, noto que o projeto aprovado, à evidência, desborda da competência municipal prevista no artigo 30 da Constituição Federal, por tratar de matéria concernente aos direitos e garantias individuais, já amparados por ampla legislação federal, tanto de natureza civil, administrativa e trabalhista, quanto de natureza penal, de sorte que me vejo compelido a apor veto total à propositura, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público.

Preliminarmente, deve-se considerar que o Brasil é signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada na Assembléia Geral da ONU em 10 de dezembro de 1948, cujos artigos 1º e 2º estabelecem que ‘todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade’ e também que ‘todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação…’

Para dar efetividade a tal desiderato, o Brasil instituiu diversos instrumentos processuais protetores dos direitos humanos, como esclarece Pinto Ferreira, in verbis ‘no campo da jurisdição constitucional das liberdades, além dos remédios constitucionais do habeas corpus e do mandado de segurança, houve a inovação de vários institutos – como o mandado de injunção, habeas data, mandado de segurança coletivo –, consagrando um sistema normativo de tutela jurisdicional coletiva para permitir a legitimidade dos sindicatos e das entidades associativas em geral, e expressou com dignidade constitucional a ação popular e a ação civil pública, criando o Juizado de Pequenas Causas’ (‘Os Instrumentos Processuais Protetores dos Direitos Humanos’ in Estudos de Direito Constitucional em homenagem a José Afonso da Silva, vários autores, coordenada por Eros Roberto Grau e Sérgio Sérvulo da Cunha, Malheiros, 2003). Além disso, por óbvio, cabem ações individuais de reparação por danos morais a pessoas que se sentirem atingidas em seus direitos individuais. [Gabinete do Prefeito, Gilberto Kassab]

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Jornalista, São Paulo, SP