Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Lei da Ficha Limpa em julgamento





Às vésperas do julgamento do Supremo Tribunal
Federal (STF) sobre o recurso de Jader Barbalho, senador eleito pelo Pará
(PMDB), contra a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), baseada na Lei da
Ficha Limpa, de cassar a sua candidatura, o Observatório da Imprensa
exibido ao vivo pela TV Brasil (26/10) discutiu o papel da mídia na mobilização
para a definição do destino dos cerca de oito milhões de votos depositados em
candidatos fichas-sujas ou com pendências na Justiça. Em 2001, Barbalho
renunciou ao mandato de senador para escapar de uma possível cassação por


desvio
de dinheiro e fraude. Nesta eleição, alcançou 1,8 milhão de votos.

Após o empate ocorrido no julgamento do então candidato Joaquim Roriz
(PSC-DF) para o governo do Distrito Federal, ainda no primeiro turno, a próxima
votação do Supremo pode ser a solução para a discussão em torno da validade da
Lei da Ficha Limpa para as eleições de 2010. Aprovada pelo Congresso Nacional em
junho deste ano, a lei foi encaminhada por um movimento da sociedade civil que
conseguiu mais de 1 milhão de assinaturas. Para o TSE, a lei é aplicável às
eleições deste ano.


Antes do debate no estúdio, na coluna ‘A mídia na semana’, Alberto Dines
comentou a criação de conselhos para fiscalizar e monitorar a mídia. A
iniciativa está sendo debatida no Ceará, no Piauí, na Bahia e em Alagoas e já
foi classificada como inconstitucional pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Para Dines, a discussão sobre a regulação dos meios de comunicação precisa ser
colocada em pauta sem demagogia. ‘O pior é que esta iniciativa vai reforçar a
resistência à reativação do Conselho de Comunicação Social ligado ao Senado,
este sim, fórum legítimo para acionar e levar adiante o debate. Se queremos
modernizar e desconcentrar o sistema midiático brasileiro, basta uma única
providência: cumprir a Constituição’, afirmou.


Um novo paradigma


Ainda antes do debate no estúdio, em editorial, Dines disse que a decisão
sobre a validade da Lei da Ficha Limpa para esta eleição pode mudar ‘drástica e
imediatamente’ os padrões políticos do país. ‘O Supremo prometeu que a questão
da ficha limpa seria resolvida antes do segundo turno. É imperioso que a
promessa seja cumprida integralmente porque um pleito que compreende a sucessão
presidencial não pode realizar-se sub judice. Não merecemos este
constrangimento’, criticou.


Para participar do debate, Dines recebeu no estúdio de Brasília o advogado
Walter Costa Porto e o jornalista Sylvio Costa. Professor de Direito
Constitucional e de Direito Eleitoral da Universidade de Brasília (UnB), Walter
Porto foi ministro do TSE e é autor de O Voto no Brasil, Dicionário do
Voto
e A Mentirosa Urna, entre outros livros. Sylvio Costa criou e
dirige o site Congresso em Foco, é mestre em Comunicações pela Universidade de
Westminster, Londres, trabalhou como repórter, editor e coordenador de
reportagem em diversos veículos, como Folha de S.Paulo, IstoÉ e
Correio Braziliense. No Rio de Janeiro, o convidado foi o procurador de
Justiça Antonio Carlos Biscaia. Membro do Ministério Público do Estado do Rio de
Janeiro, Biscaia foi procurador geral de Justiça por três mandatos, exerceu as
funções de secretário nacional de Justiça do Ministério da Justiça e deputado
federal.


A reportagem exibida pelo Observatório entrevistou o senador Pedro
Simon (PMDB-RS). Para o parlamentar, se o Supremo rejeitar a validade da Lei da
Ficha Limpa para as eleições de 2010 será ‘uma paulada na sociedade’. O senador
defendeu que a aprovação da lei pode dar início ao fim da impunidade na política
brasileira: ‘Um fulano está aí há 30, 40 anos, tem um processo, dois processos,
dez processos, vinte condenações, mas nenhuma definitiva porque coloca um
advogado, recorre, recorre, [o crime] prescreve e acaba. De repente, este
cidadão, não mais do que de repente, não assume por causa da Ficha Limpa. O que
a sociedade vai dizer? Opa, mudou! Agora, a coisa é diferente’.


Parte de um processo


Claudio Weber Abramo, diretor-executivo da ONG Transparência Brasil, avaliou
que o STF se colocou como ‘o grande eleitor’ nesta disputa. ‘A Lei da Ficha
Limpa é um elemento importante no saneamento da política, mas não é o único.
Esta legislação pretende barrar a candidatura de determinados indivíduos; agora,
é evidente que o saneamento geral da política brasileira não vai se dar por uma
lei, nem a reforma política vai resolver este problema. Isto é uma questão que
tem a ver com determinantes mais amplos e profundos que agem sobre a política.
Um deles, por exemplo, é o fato de que o Legislativo brasileiro é basicamente
irrelevante’. De acordo com Abramo, uma vez que o Legislativo não legisla nem
fiscaliza a atuação do Poder Executivo, perde a função.


No debate no estúdio, Dines perguntou as expectativas do ex-ministro Costa
Porto em torno do julgamento. O magistrado acredita que o Supremo não teria
colocado o processo em pauta para repetir o empate ocorrido na votação do
ex-governador Roriz. Desta vez, deve haver mutação de voto ou uma saída que leve
a um consenso em torno da questão. Para Costa Porto, a polêmica em torno da Lei
da Ficha Limpa está relacionada ao artigo 16 da Constituição Federal. O texto
assegura que a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de
sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua
vigência. O ex-ministro criticou o ‘mau costume’ brasileiro de se fazer leis às
vésperas das eleições, verificado desde 1945. ‘O Supremo não falou na
constitucionalidade da lei, mas sobre a aplicabilidade dela’, sublinhou.


O procurador Antonio Carlos Biscaia defende que a mudança no processo das
inelegibilidades seja aplicada já nesta eleição e ponderou que é preciso
conscientizar o eleitor: ‘Mais importante do que isso é o eleitorado. O
principal fiscal da ficha limpa deveriam ser os eleitores na hora de votar. Como
alguns condenados em segundo grau recebem em uma eleição para deputado 600 mil
votos?’. Biscaia ressaltou que o Poder Legislativo deixou de ser o representante
do povo. Para o procurador, o eleitor, de maneira geral, ‘não se preocupa’ com a
Câmara dos Deputados e as Assembléias estaduais, que ficam relegadas a um plano
secundário no processo eleitoral. Parte dos eleitores deixa para escolher seus
candidatos a deputado e vereador na semana do pleito. Esta conjuntura, na visão
do procurador, é gerada pelo abuso de poder econômico e político e pelo fato de
a Justiça Eleitoral não dispor de instrumentos para coibir práticas abusivas
como a boca de urna.


A sociedade em compasso de espera


Para Sylvio Costa, é difícil estabelecer um prognóstico e antecipar o
posicionamento de ministros na votação prevista para quarta-feira (27/10). A
expectativa do site Congresso em Foco é de que o Supremo decida pela
aplicabilidade imediata da Lei da Ficha Limpa, ‘um desejo claro’ da sociedade.
‘É um passo muito importante que a gente pode dar para tirar aquelas pessoas que
têm pendências criminais do processo político. A Lei da Ficha Limpa tem que ser
entendida não como uma punição contra o político, mas como um critério novo que
se estabelece, um novo pré-requisito. Para participar das eleições, você tem que
atender a alguns critérios que são rígidos’, disse. O jornalista destacou que a
validação da lei pode contribuir para o começo de um processo de limpeza da cena
política brasileira.


Caso a lei não seja validada, na opinião de Costa Porto, a sociedade ficará
angustiada e decepcionada. Por outro lado, o ex-ministro ponderou que é preciso
refletir sobre como ‘se vota mal’ no Brasil. ‘Eu gostaria que não fosse
necessária uma lei como esta, que cada um olhasse a vida pregressa do candidato,
que cada um votasse bem’, disse. Costa Porto considera grave que o sistema
proporcional brasileiro seja pouco compreensível para o cidadão comum. Esta
complexidade leva a uma aleatoriedade do voto: ‘Vota-se em um ficha-suja e ele
arrasta três, quatro, cinco pessoas’, explicou. O ideal é que o eleitor
brasileiro fosse consciente e olhasse com a atenção a lista dos partidos para
não acabar beneficiando candidatos com a ficha suja.


Dines levantou a questão da apatia da imprensa em relação ao julgamento do
STF. Para o jornalista, a mídia parece ‘resignada’. Antonio Carlos Biscaia
avalia que esta postura não beneficia o desejo da sociedade, que é a aplicação
imediata da lei. Quando a lei foi encaminhada ao Congresso Nacional, a opinião
geral dos parlamentares era a de que o projeto não teria chance de ser aprovado.
‘Foi a mobilização da mídia naquela oportunidade e da sociedade como um todo que
acabaram levando à aprovação. É importante que isto prossiga’. Para Biscaia, é
importante que haja uma definição do Supremo na quarta-feira (27), mesmo que
seja contrária à aplicabilidade da lei. A pior das alternativas, na visão do
procurador, seria aguardar o preenchimento da cadeira que está vaga na Corte –
com a aposentadoria do ministro Eros Grau – para a decisão final.


A importância da vida pregressa


‘Hoje a pessoa, para tomar posse de cargo público, tem que apresentar
certidão negativa. Se ela tem um problema com a Justiça, não pode assumir. Um
sujeito para ser gari municipal não pode tomar posse se tem uma pendência
judicial. Então, é muito estranho que um parlamentar, ou que o chefe o
Executivo, possa ser empossado pesando sobre ele suspeitas. Ele que resolva
primeiro os problemas na Justiça e depois vá se candidatar para representar a
população’, disse Sylvio Costa. Ele concorda que é necessário que a população
examine com mais cuidado os candidatos ao Legislativo, mas ponderou que isto é
parte de um processo. Nas últimas décadas, na avaliação do jornalista, os
brasileiros superaram barreiras tidas como intransponíveis, como a ditadura
militar, a inflação e a concentração de renda. Agora, a grande questão nacional
é a corrupção.


***


Eleição sob judice


Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na
TV nº 569, exibido em 26/10/2010
 


Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.


No próximo domingo [31/10] cerca de 135 milhões de eleitores de todo o Brasil
escolherão o próximo presidente da República. Mas amanhã [quarta, 27], em
Brasília, na Praça dos Três Poderes, um colegiado de dez votos apenas poderá
iniciar um processo renovador capaz de mudar drástica e imediatamente os nossos
padrões políticos.


Os dez ministros do Supremo Tribunal Federal vão julgar o caso do ex-deputado
Jader Barbalho que, em 2001, para não ser cassado, renunciou ao seu mandato. Nas
últimas eleições, Barbalho candidatou-se ao Senado, obteve quase dois milhões de
votos, mas teve suspenso o registro da sua candidatura pelo Tribunal Superior
Eleitoral com base na Lei da Ficha Limpa.


Nossa Suprema Corte não vai decidir apenas o futuro do político paraense, vai
reafirmar a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa e a sua imediata validade.
Ou não. E junto decide-se o destino de cerca de oito milhões de votos que
sufragaram cerca de duzentas candidaturas embargadas pela Lei da Ficha Limpa e
aguardam a definição do Judiciário.


O Supremo prometeu que a questão da ficha limpa seria resolvida antes do
segundo turno. É imperioso que a promessa seja cumprida integralmente porque um
pleito que compreende a sucessão presidencial não pode realizar-se sub
judice
. Não merecemos este constrangimento.


***


A mídia na semana


** O debate sobre a regulação dos meios de comunicação precisa começar e
precisa ser levado a sério. Sem demagogia. A iniciativa da Assembléia
Legislativa do Ceará de criar um Conselho de Comunicação ligado ao Executivo não
serve. O mesmo se aplica aos três outros estados que pretendem adotar o mesmo
modelito autoritário. O Judiciário vai reprová-lo sem dificuldade. E o pior é
que esta iniciativa vai reforçar a resistência à reativação do Conselho de
Comunicação Social, ligado ao Senado. Este, sim, é fórum legítimo para acionar e
levar adiante o debate. Se queremos modernizar e desconcentrar o sistema
midiático brasileiro, basta uma única providência – cumprir a Constituição. Está
tudo previsto: basta respeitá-la.