Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Luiz Queiroz

‘O governo federal gastou no ano passado R$ 563,6 milhões com publicidade e propaganda nos meios de comunicação, cerca de R$ 79,7 milhões a menos que o volume utilizado no governo Fernando Henrique Cardoso em 2002.

Na estatística divulgada ontem pela Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica (Secom), a TV foi o veículo que mais recebeu recursos (R$ 344,2 milhões), seguido das revistas (64,3 milhões), jornais (R$ 58 milhões) e rádios (R$ 52,6 milhões).

Embora pregue total transparência no setor e queira tornar esta prática periódica a partir de agora, o governo não divulgará o ranking das empresas de comunicação que mais recebem recursos em publicidade e propaganda oficial. Sem esclarecer exatamente o porquê, o chefe da Secom, ministro Luiz Gushiken, afirmou que, caso divulgasse este ranking, o governo poderia comprometer a negociação de preços que vem realizando junto a cada empresa de comunicação, nos contratos feitos para campanhas governamentais.

Ainda sem ser elucidativo, Gushiken justificou que nestas negociações as empresas acabam revelando dados estratégicos e o governo poderia quebrar esse sigilo. Ressaltou a importância dessas negociações, pelo fato de terem produzido uma significativa redução nos preços do mercado.

– A coisa corria de forma muito frouxa aqui – disse.

Os dados fornecidos no site da Secom (www.planalto.gov.br/secom) podem ser acessados por qualquer cidadão. Gushiken explicou que os técnicos da secretaria estudam agora a periodicidade da divulgação, que deverá tornar-se semestral. A mídia internet tem se tornado importante para a publicidade oficial. No ano passado, o governo gastou R$ 8,1 milhões, cerca de R$ 71 mil a menos que o gasto registrado em 2002.

Os dados da Secom não incluem a publicidade legal nem os gastos com a produção e os patrocínios.

O Ministério da Saúde foi o órgão que mais gastou no ano passado com publicidade (R$ 48,6 milhões), o que se justifica, segundo o ministro, pelas inúmeras campanhas que costuma realizar ao longo do ano. Já o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão ocupou a segunda posição, com R$ 14 milhões. O Ministério do Trabalho gastou R$ 8,7 milhões e o da Educação, R$ 5,6 milhões. O Banco Central também realizou campanhas e utilizou R$ 6,3 milhões, enquanto o BNDES desembolsou R$ 167 mil.

O Ministério da Previdência, apesar de ter tido em 2002 um ano de intensa batalha política para aprovar no Congresso determinados cortes em sua estrutura, utilizou poucos recursos, apenas R$ 3,6 milhões para convencimento da população da necessidade de mudanças.’



O Globo Online

‘Leia o discurso de Lula no Dia dos Jornalistas’, copyright O Globo Online, 7/04/04

‘Além de defender o que chamou de uma relação leal do jornalista com o governo, em encontro com representantes da Confederação Nacional dos Jornalistas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aconselhou nesta quarta-feira, Dia do Jornalista, que categoria lute unida por suas reivindicações, afirmando que a divisão em vários sindicatos enfraquece os jornalistas. Disse também que a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) precisa voltar a ter a força que teve no passado e afirmou que isso só depende dos jornalistas.

– Depende muito de vocês, não depende do governo, não depende dos donos dos jornais, depende, única e exclusivamente, de vocês acreditarem que são uma categoria. E uma categoria não presunçosa porque começaram a quebrar o jornalista no Brasil quando se pensou que era possível o gráfico ter um sindicato, o funcionário ter outra coisa, os motoristas terem outra coisa. Ou seja, como é um processo em cadeia, onde um depende do outro, eu confesso a vocês que nunca entendi porque houve essa separação. Eu, quero dizer a vocês, que fico torcendo para que o movimento sindical, sobretudo o movimento sindical dos jornalistas, possa recuperar, no menor tempo possível, o prestígio e a representatividade que já teve neste país – discursou.

Eis a íntegra do discurso:

‘Roberto, eu não sei se você e os companheiros e companheiras da imprensa estão percebendo, eu não sabia que era a primeira vez que um presidente da República os recebia. Mas se você olhar nesta Mesa aqui, você vai perceber que com exceção do André – que não foi dirigente sindical -, do Ricardo Kotscho ao Gushiken, todos foram dirigentes sindicais. O Ricardo Kotscho foi, inclusive, da Fenaj, no tempo em que a Fenaj e que o movimento sindical dos jornalistas estavam em processo de ascensão.

‘Eu, quero dizer a vocês, que fico torcendo para que o movimento sindical, sobretudo, o movimento sindical dos jornalistas, possa recuperar, no menor tempo possível, o prestígio e a representatividade que já teve neste país.

‘A maioria que está aqui, ou não viveu aquele momento ou era muito criança, mas o movimento sindical dos jornalistas passou um período muito tenebroso quando, em 1975, ressurgiu a partir da eleição do Audalio Dantas para presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. Muito mais do que a eleição de Audalio Dantas era o surgimento da quebra de um monopólio de quase 19 anos de conservadores dentro do Sindicato. E aquilo foi um alento extraordinário, porque depois veio uma enxurrada de vitórias de companheiros que eram considerados de esquerda, progressistas, avançados, modernos, no movimento do Sindicato dos Jornalistas. Até que nós tivemos a honra de participar de um processo eleitoral que culminou com a eleição do Castelinho como presidente do Sindicato dos Jornalistas de Brasília e, depois, fomos para Alagoas, com Freitas Neto, que morreu num acidente de avião. Aí fomos para Pernambuco e para o Rio de Janeiro eleger o Caó.

‘Tudo isso era uma novidade excepcional na categoria dos jornalistas, até que veio 1979. Eu acho que, naquele momento, as circunstâncias políticas fizeram com que o movimento sindical sofresse um retrocesso muito grande, sobretudo o movimento sindical ligado à área de jornalismo. Por quê? Porque naquele momento os empresários provaram que era possível fazer jornal sem os jornalistas, ou seja, eu me lembro que eu fui com os jornalistas fazer piquete no Estadão e encontrei os piqueteiros lendo jornal. Eu dizia: ‘não é possível que você esteja de greve, fazendo piquete, e lendo a notícia do jornal em que você trabalha’.

‘Eu acho que a partir dali os jornalistas foram enfraquecidos, psicologicamente, por causa de uma guerra fratricida, interna. E eu acho que o Davi foi uma vítima daquele processo, porque não se discutiu, politicamente, o momento correto de mudar a linha da greve. Eu sei que nós terminamos e, de lá para cá, tivemos um retrocesso, eu diria, muito grande. Deus queira que vocês estejam, nesse momento, recuperando esse prestígio, porque eu vivi um momento em que alguns, companheiros sindicalistas, em vários estados, me ligavam dizendo que não conseguiam montar uma chapa porque não tinha jornalista querendo fazer parte da chapa do sindicato. Ou seja, quando vivemos uma situação dessas, nós chegamos a duas conclusões: primeiro, que não basta ter um curso superior para ter consciência política, ou seja, muitas vezes você tem um curso superior e desaprende muita coisa na política.

‘E, segundo, é que os donos dos jornais trabalharam de forma muito forte, de forma muito viva para tentar quebrar a espinha dorsal do jornalismo, ou seja, primeiro com um processo de contratação de jornalistas fora das regras pré-estabelecidas, terceirizados, como pequena empresa. E aí todo mundo sabe que acontece com algumas categorias o que acontece muito com jogador de futebol. Ou seja, imaginem vocês se os jogadores famosos, que fossem para a seleção, resolvessem organizar a categoria dos jogadores para reivindicar os seus direitos. Acontece que, quando as pessoas ficam famosas cada uma vai pensando na sua sobrevivência pessoal e o coletivo vai ficando no segundo plano. A Fenaj tem um papel extraordinário.

‘Eu acho que o que vocês estão reivindicando é possível de ser feito, vocês sabem que vão tomar muito ‘cacete’, eu não tenho nenhuma preocupação de dizer para vocês que eu acho simpática a idéia de criar um Conselho. É preciso fiscalizar melhor a formação dos nossos jovens porque o jornalista trabalha com uma coisa muito poderosa que é a caneta e um espaço no jornal. E o que nós, efetivamente, desejamos, enquanto brasileiros, não enquanto presidente da República, mas enquanto seres humanos, é que ao abrirmos o jornal e lermos uma notícia, ela seja a mais pura verdade conseguida por aquele jornalista, e não apenas a intenção do profissional, do dono do jornal ou coisa parecida.

‘Isso não é bom para quem lê, não é bom para vocês que escrevem, não é bom para o jornal, porque este vai perdendo credibilidade. Eu acho que uma instituição que possa orientar eticamente, profissionalmente e culturalmente, é extremamente importante. É uma coisa que será boa para o futuro da imprensa no Brasil.

‘Obviamente, alguns irão dizer sempre que isso é intromissão na autonomia, na independência, que estão querendo fazer ingerência. É só pegar os jornalistas de hoje, você vê que é tudo um bando de meninos e meninas muito jovens, ou seja, que eu acho que uma instituição dessa poderia contribuir para fortalecê-los enquanto profissionais. Eles saberiam que teriam um lugar para fazer a sua terapia, com as frustrações de quem sai de manhã para fazer uma matéria, trabalha que nem um condenado, escreve, passa a noite acordado, briga com gente, xinga o presidente, é xingado pelo presidente (o presidente nunca xinga) ou seja, vai para casa ou para a redação, escreve um texto, se mata para escrever esse texto, colocando ali os seus anos de escolaridade, a sua formação política-ideológica e, no dia seguinte, quando lê o jornal, aquilo que escreveu não está lá. Não tem nada mais dolorido do que isso, ou seja, é uma espécie de parir todo santo dia um filho que não aparece com a cara que as pessoas querem.

‘Alguns, obviamente, vão dizer que isso é intromissão, que isso é ingerência, que isso é uma série de coisas, mas eu acho extremamente importante, porque vai dando seriedade ao comportamento profissional de uma das categorias que, inegavelmente, faz jus ao nome de quarto poder. De forma que, nós vamos trabalhar com carinho, não sei qual é o critério que o Ricardo vai usar, mas eu acho que era preciso criar uma Comissão para se começar a discutir, para enviar ao Congresso Nacional uma coisa mais ou menos consensual entre líderes, para não transformar uma proposta de categoria numa briga secular, sem fim, com pressão. Eu acho isso extremamente importante.

‘Por último, quero dizer para vocês que eu estarei torcendo enquanto presidente, mas, sobretudo, independentemente de ser presidente, para que a categoria volte a ter a pujança que já teve, que volte a ter a força e a representatividade que já teve, porque isso é bom. Isso é bom, sobretudo, porque você tem a universidade jogando uma enxurrada de meninas e meninos todo santo dia na praça para trabalhar. Emprego está cada vez mais difícil, cada vez mais seletivo, cada vez mais proibitivo e, muitas vezes, o jovem não tem sequer forças para levantar a cabeça e falar: essa pauta não é boa, tem outro assunto mais importante no pedaço.

‘Eu acho que isso não condiz com a grandeza da função do jornalismo, pela sua importância de bem informar a sociedade brasileira. Eu, se fosse o Ricardo Kotscho, no final da minha fala, aqui, teria providenciado um bolo, e a gente cortaria esse bolo em homenagem ao dia, porque hoje é o Dia do Jornalismo, é o Dia Mundial da Saúde e é aniversário da Dona Marisa Letícia da Silva. ‘Você vê que é um dia tri importante ou quadri importante.

‘Jornalista: É aniversário do meu filho também.

‘Presidente: Teu filho também. Então já é penta importante esse dia de hoje.

‘Então, eu quero dar os parabéns a você e lhes dizer que, enquanto profissionais, nos estados ou aqui em Brasília, muitas vezes vocês fazem queixas de que o governo não conversa, de que o governo não quer discutir. Eu falo sempre o seguinte: um presidente da República tem que tomar muito cuidado com cada palavra que fala, porque cada palavra tem uma dimensão, às vezes mais exagerada do que a gente pensa que tem. Mas tem gente que gosta de carregar na importância das coisas que a gente fala.

‘Nós temos mais dois anos e pouco de mandato e se a gente puder, vai deixar algo que sirva de lição para alguém: é a gente tentar, a partir dessa convivência, a partir dessa relação, estreitar, no que for possível, a relação do Estado com os meios de comunicação, com os profissionais da imprensa, para que haja uma espécie de relação leal. Quando eu digo leal, é a relação em que, em nenhum momento, o governo deve pedir para um jornalista falar bem dele e, em nenhum momento, um jornalista deve falar mal simplesmente porque quer falar mal. Ou seja, se nós todos estivermos em busca da verdade e apenas a verdade nos interessar, todos seremos mais amigos, todos viveremos num país mais tranqüilo e todos nós estaremos contribuindo para que a democracia seja definitivamente verdadeira no nosso país.

‘Por isso, meus parabéns aos jornalistas brasileiros pelo seu dia. Parabéns aos nossos companheiros da Fenaj e, particularmente, aos companheiros dirigentes sindicais dos estados. Podem saber que vocês tem um companheiro aqui, na Presidência, que estará torcendo para que consigam ser as entidades mais representativas daquilo que vocês fazem.

‘Nossa querida ABI precisa voltar também a ter a força que já teve, a função que já teve. E aí depende muito de vocês, não depende do governo, não depende dos donos dos jornais, depende, única e exclusivamente, de vocês acreditarem que são uma categoria. E uma categoria não presunçosa, porque começaram a quebrar o jornalista no Brasil quando se pensou que era possível o gráfico ter um sindicato, o funcionário ter outra coisa, os motoristas terem outra coisa. Ou seja, como é um processo em cadeia, onde um depende do outro, eu confesso a vocês que nunca entendi porque houve essa separação. ‘Então, eu acho que vocês têm a tarefa de fazer com que a categoria que vocês representam volte a ser uma categoria levada em conta no cenário sindical do nosso país.

‘Muito obrigado e parabéns!’’

O Globo

‘Gushiken critica imprensa’, copyright O Globo, 8/04/04

‘O encontro entre representantes da Federação Nacional dos Jornalistas e de sindicatos de jornalistas do país com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nesta quarta-feira (07/04), foi marcado por um mal-estar, provocado pelo chefe da Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica, Luiz Gushiken. Para ele, a imprensa tem preferência pelo lado contraditório dos fatos. ‘Penso que a exploração do contraditório muitas vezes pode fomentar discórdias e conflitos de egos, quando, na verdade, são apenas disputas de idéias, o que é normal num processo de debate’. Gushiken completou dizendo que ‘o povo tem necessidade de saber dos empreendimentos positivos’. A reunião marcou o Dia Nacional do Jornalista.

Gushiken classificou o papel da imprensa como ‘janela para o mundo’ e cobrou dos jornalistas a divulgação de uma agenda positiva do governo. ‘Um critério também é o critério da agenda positiva. O cidadão precisa ver o lado positivo das coisas. Leitores, telespectadores e ouvintes estão ansiosos para saber aquilo que germina em termos de coisas boas’.

Para amenizar o clima, Lula enfatizou que o importante é falar a verdade, e não falar bem ou mal do governo. ‘É a gente tentar, a partir dessa convivência, dessa relação, estreitar, no que for possível, a relação com os meios de comunicação, com os profissionais da imprensa, para que haja uma espécie de relação leal. Quando digo leal é a relação em que, em nenhum momento, o governo deve pedir para um jornalista falar bem dele e, em nenhum momento, um jornalista deve falar mal simplesmente porque quer falar mal’.

O presidente também comentou as críticas de que o governo pouco se comunica. ‘Tem gente que gosta de carregar na importância das coisas que a gente fala. Desejamos que, ao abrirmos o jornal e lermos uma notícia, ela seja a mais pura verdade conseguida por aquele jornalista e não apenas a intenção do profissional, do dono do jornal ou coisa parecida’.

Lula recordou as greves dos jornalistas em 1979 e fez duras críticas à atuação de empresas jornalísticas naquela época. ‘Naquele momento, os empresários provaram que era possível fazer jornal sem jornalista. Lembro-me que fui com os jornalistas fazer piquete no Estadão (O Estado de S. Paulo) e encontrei os piqueteiros lendo jornal. Eu dizia: ‘Não é possível que você esteja de greve, fazendo piquete e lendo o jornal em que trabalha’.

Para o presidente, naquela época os donos de jornais fizeram de tudo para ‘quebrar a espinha dorsal do jornalismo’. ‘Primeiro, com um processo de contratação de jornalistas fora das regras preestabelecidas, terceirizados, como pequena empresa’.

A Secom acabou divulgando nota nesta quarta em que afirma que Gushiken não quis se intrometer no trabalho da mídia. A assessoria argumentou que o ministro quis dizer que os leitores estão cansados de notícias negativas e que por isso o secretário defendeu a adoção de uma agenda positiva da sociedade, e não só do governo.’

Jornal do Brasil

‘Lição de Imprensa’, editorial, copyright Jornal do Brasil, 9/04/04

‘Os militares vitoriosos em 1964, a caminho da ditadura sem disfarces, tratavam de livrar-se dos derradeiros constrangimentos – causados pela lembrança de que a derrubada de João Goulart se apoiara na defesa do regime democrático – quando o presidente Costa e Silva manteve diálogo muito revelador com a condessa Pereira Carneiro, então no comando do Jornal do Brasil. ‘Seu jornal tem sido muito crítico com o governo’, queixou-se. ‘São críticas construtivas’, retrucou educadamente a condessa. O general dispensou-se de rodeios e foi à tréplica. ‘Não gostamos nem de críticas construtivas. Gostamos mesmo é de elogios’.

É elogio que os governantes querem. Todos eles. Diferem na reação às críticas, que jamais consideram construtivas. Alguns criticados não precisam recorrer a tranqüilizantes para conter a irritação. Os integrantes dessa linhagem costumam optar pelo silêncio. Quando vão à réplica, evitam exageros no tom. Muitos não conseguem esconder o aborrecimento, a indignação ou a ira. Uns e outros, de qualquer forma, convivem penosamente com quaisquer reparos feitos pela imprensa. Gostam de notícias favoráveis. Querem mesmo é elogio.

Era assim no país sombrio dos generais. Assim é no Brasil democrático que elegeu o presidente Lula. Há quase 40 anos, militares diziam o que pensavam com a franqueza que beira a grosseria. Agora, recomenda-se expor a mesma inclinação autocrática com mais refinamento. Convém enfeitar o discurso com elegias à liberdade de imprensa e loas ao direito de opinar sem censura.

Na quarta-feira, numa cerimônia supostamente organizada para festejar o Dia dos Jornalistas, Costa e Silva e seus similares provavelmente interromperiam com berros de ‘apoiado!’ a discurseira do ministro Luiz Gushiken, chefe da Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica, a Secom. Ao lado do presidente Lula, diante da platéia formada por representantes de entidades jornalísticas e profissionais a serviço do Planalto, Gushiken discorreu sobre ‘nossa querida comunicação’.

Como Lula diria, no discurso seguinte, que redatores espertos modificam o texto dos repórteres para substituir a verdade pelo que interessa ao dono do jornal, segue-se sem retoques nem correções gramaticais ou ortográficas um trecho exemplar da fala de Gushiken: ‘A imprensa opera com o raciocínio que é explorar o contraditório. E eu penso que a exploração do contraditório, muitas vezes, pode fomentar discórdia, fomentar conflitos de egos, quando, na verdade, são apenas disputas de idéias que são normais no processo de debate.’

Tradução: não se deve noticiar briga entre ministros, como a protagonizada recentemente por Roberto Rodrigues, da Agricultura, e Guido Mantega, do Planejamento. Rodrigues mandou Mantega para lugares impublicáveis, mas depois o chamou de ‘bom companheiro’.

Gushiken acha que a imprensa deveria ter omitido o assunto ou comunicado ao público apenas o comovente capítulo da reconciliação.

– No estágio brasileiro, um critério importante é o da agenda positiva -, argumenta. ‘O povo brasileiro precisa ver um lado positivo das coisas’. Ele aprendeu isso tudo ao ler o que é ‘informação jornalisticamente trabalhada’. Gushiken viu a luz. Novamente sem retoques: ‘Quando ouvi essa palavra, me agarrei nela, porque acho que este é o melhor conceito que você pode ver entre o fenômeno e o cidadão que observa o fenômeno, mediado pela imprensa, porque, se a informação tem vários olhares, o melhor olhar é a informação jornalisticamente trabalhada’. Tanto palavrório poderia ser resumido numa frase: ‘Falem bem do governo’.

Terminada a apresentação do ministro – confusa na forma, inteligível no conteúdo – entrou em cena o chefe. Segundo assessores, o presidente pretendia abrandar o inquietante recado de Gushiken. Terminou por piorá-lo, sobretudo quando tentou ensinar aos ‘companheiros jornalistas’ como estabelecer uma ‘relação leal’ entre os donos do poder e os profissionais dos meios de comunicação.

– Em nenhum momento, o governo deve pedir para um jornalista falar bem dele e, em nenhum momento, um jornalista deve falar mal simplesmente porque quer falar mal – explicou Lula. ‘Se todos estivermos em busca da verdade, todos seremos mais amigos, todos viveremos num país mais tranqüilo’.

Como chegar a esse mundo cordial? Ele apontara o caminho depois de ter incorporado, por alguns minutos, o líder metalúrgico dos anos 70, nostálgico de sindicatos agressivos e loucos por uma greve. Releia-se o trecho seguinte, transcrito sem revisão: ‘O que efetivamente desejamos, enquanto brasileiros, não enquanto presidente da República, mas enquanto seres humanos, é que ao abrirmos o jornal e lermos uma notícia, ela seja a mais pura verdade conseguida por aquele jornalista, e não apenas a intenção do profissional, do dono do jornal ou coisa parecida’.

Tradução: também Lula está querendo só elogio. Ele certamente melhoraria o próprio perfil, e o do seu governo, se compreendesse que um jornal só pode e deve ser sempre leal à defesa da liberdade de imprensa e a seus leitores.’