Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Mentiras lá e cá

Esta semana, Paulo Henrique Amorim fez, no seu website, uma profunda reflexão sobre a atuação da mídia brazuca:

‘As matérias não são analisadas pela sua consistência ou não, mas pela capacidade ou não de manter a turma unida em torno de uma mesma versão – seja falsa ou verdadeira, pouca importa’ (ver aqui).

A reflexão é válida tanto aqui quanto em Israel.

Esta semana descobri que em 2008 a Universidade de Tel Aviv citou novamente meu nome num relatório de atividades antissemitas no Brasil. Diz o texto:

‘Following the intervention of B´nai B´rith and Decradi, an electronic journal that compared Moses to Hitler and judaism to nazism, created by the São Paulo lawyer Fabio de Oliveira Ribeiro, was ordered removed by judge Wilson Lima da Silva in September 2008’ (ver aqui).

Tradução:

‘Seguindo a intervenção de B´nai B´rith e Decradi, um diário eletrônico que comparou o Moisés a Hitler e o judaísmo ao nazismo, criado pelo advogado Fábio de Oliveira Ribeiro, de São Paulo, foi removido por ordem do juiz Wilson da de Lima o Silva em 2008 de setembro.’

Cerceadora de liberdade de expressão

Sou o autor do texto referido, mas nunca fui intimado por uma decisão judicial mandando retirar o mesmo da internet. Na verdade, o referido juiz Wilson Lima da Silva apenas e tão somente julgou improcedente a ação de indenização por dano moral que ajuizei contra a B´nai B´rith Brasil. Abaixo a sentença na integra:

‘Vistos. Fábio de Oliveira Ribeiro ajuizou ação indenizatória cumulada com obrigação de fazer contra Associação Beneficente e Cultural B´nai B´rith do Brasil, dizendo, em resumo, que é editor da revista eletrônica intitulada `Revista Criação´, hospedada na página da internet no endereço www.revistacriação.hpg.com.br, onde publica diversos textos literários e políticos. Porém, no dia 27 de janeiro de 2005, ao tentar acessá-la foi surpreendido por sua retirada do ar por ordem do Grupo de Repressão e Análise dos Delitos de Intolerância – Gradi, a pedido da requerida, sob argumento de incitação à prática de crime já que o site compara o judaísmo ao nazismo. Assim, tachado de racista e preconceituoso, o que não é verdade, teve sua imagem e honra denegridas. Daí, pela ofensa, pede uma reparação pecuniária, e ainda que a ré seja compelida à retratação nos jornais que divulgaram a matéria ofensiva, sob pena de multa. Efetivada a citação (fls. 119), a ré contestou, via da qual alega incompetência do juízo, pois sua sede fica na capital paulista; ilegitimidade para figurar no pólo passivo, eis que não foi quem retirou do ar a página eletrônica do autor; apenas o representou, direito que lhe é assegurado, em razão da divulgação de texto ofensivo à comunidade e religião judaica, sobretudo por comparar Moisés a Hitler; com isso, desrevestida de excesso sua conduta, notadamente cerceadora de liberdade de expressão e/ou depreciativa de imagem, responsabilidade alguma lhe deve carrear (fls. 143/154). Sobre a contestação falou a parte contrária (fls. 170/173).

Recurso da decisão

Conciliação sem êxito (fls. 187). Relatados. Decido. O processo comporta julgamento no estado em que se encontra (art. 330, I, do C.P.C.). A exceção de incompetência, rebatida pelo autor sua forma de argüição, no que está certo (art. 307 e ss), fica prejudicada. Ainda que não, nota-se que a comarca do ajuizamento e aquela para a qual se declina a competência (capital paulista) são contíguas. Daí, infere-se que a ré não teria nenhuma dificuldade no acompanhamento do processo, incluindo o exercício da larga defesa. E sua legitimidade para figurar no pólo passivo deve ser reconhecida, pois foi a seu pedido que a revista eletrônica do autor saiu do ar. No mais, o autor, intitulando-se advogado, bacharel em letras, escritor, devia saber ao sugerir, desenvolver e divulgar a equação judaísmo = nazismo / Moisés = Hitler que estava sujeito à reação. De onde vinha, de quem, e sua dimensão, isso era incógnita. É que o antissemitismo não é exclusivo da Alemanha de Hitler, e nem existe daí para cá. Focando-se nela, sabe-se que Hitler, à frente do nazismo, perseguiu e exterminou judeus e mais judeus. Diversas são as interpretações sobre suas razões, entre elas a de que isso se deu por acaso e, desse acaso nasceu a política de perseguição/extermínio. Política demagógica para conquistar as massas, que não só levou à matança de judeus, mas também à sua redução a uma segregada subclasse sem direitos. Nos campos de extermínio, por exemplo, assassinava-se por mero ódio, pouco importando o que a vítima fez ou deixou de fazer. Portanto, explicável a reação da requerida, sobretudo pelos seus laços com a questão judaica, e assim o fez sem ir além do que a equação supradita sugeria, daí, sua conduta não carregando carga ou potencial ofensivo nenhuma reparação lhe deve carrear. Postas as coisas dessa maneira, julgo improcedente a ação. Condeno o vencido ao pagamento das custas e despesas processuais, corrigidas do desembolso, mais honorários advocatícios de 20% calculados sobre o valor da causa, atualizado do seu ajuizamento. P.R.I.C. Osasco, 10 de setembro de 2008. Wilson Lima da Silva, juiz de Direito.’

Mesmo uma leitura desatenta da sentença leva à conclusão de que, ao contrário do mencionado pela Universidade de Tel Aviv, o juiz não mandou retirar o texto da internet a requerimento da B´nai B´rith Brasil. Meus advogados recorreram desta decisão e o pedido de indenização ainda não foi julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Rebaixar-se a padrões rasteiros

Aliás, nunca é demais mencionar que o próprio TJESP manteve a sentença que rejeitou o processamento do processo criminal iniciado contra mim a pedido da a B´nai B´rith Brasil. Através do Acórdão registrado sob nº 01724729, a 12ª Câmara do 6º Grupo da Seção Criminal do TJESP negou provimento ao recurso da Promotoria, sob o fundamento de que:

‘… o recorrido limitou-se a enumerar como ocorre em inúmeros artigos na imprensa, o modo de agir adotado pelo governo do Estado de Israel na condução do conflito armado com o povo palestino, seria semelhante a atuação do governo alemão-nazista durante a Segunda Guerra.

Verifica-se, ainda, que as demais comparações mencionadas na denúncia, nada têm com o fato relacionado a uma discriminação de raça, ao contrário, faz uma crítica, talvez inadequada, que pode ser considerada despropositada para quem sabe do holocausto, mas não com conotação racista. Exemplo: judaísmo = nazismo = povo eleito por Deus = raça superior, não se incitou a discriminação. Na ótica do articulista, procurou igualdades superiores, usadas pelos governos como justificativas para ações bélicas, se verdadeiras ou ao, há que se discutir, mas não são racistas ou discriminatórias.’

Um pouco adiante, o desembargador Paulo Antonio Rossi, autor do voto vencedor, assegura que:

‘…embora o recorrido não seja uma pessoa que se veja com simpatia, face suas opiniões, tem direito a elas, não atribuiu ao povo judeu ações, e sim, ao Estado de Israel e a personagens a ele ligado e mesmo assim, sem conotação discriminatória ou preconceituosa…’

De tudo que foi exposto, podemos concluir que a informação que consta do relatório publicado pela Universidade de Tel Aviv é imprecisa (para não falar claramente mentirosa). Não só não ocorreu qualquer decisão judicial determinando a retirada do texto da internet, como a Justiça brasileira rejeitou a alegação de que tenha sido cometido crime de antissemitismo ou racismo.

É realmente lamentável ver uma importante instituição educacional israelense rebaixar-se aos padrões rasteiros da mídia brasileira. Que fazer? A mim, compete apenas e tão somente provar que a versão publicada não corresponde aos fatos.

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Advogado, Osasco, SP