Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Mídia contentou-se com declarações, esqueceu de investigar

Um ‘furo’ como há muito não se via: a divulgação das principais conclusões do Inquérito Policial Militar sobre a colisão do Boeing da Gol com o Legacy, pela jornalista Eliane Cantanhêde (Folha de S.Paulo, terça, 2/10), além do teor explosivo contém uma denúncia retrospectiva ao desempenho da mídia nas semanas que se seguiram à tragédia.


Na ânsia de encontrar culpados sem perder tempo com investigações, a grande imprensa contentou-se em reproduzir as declarações do então ministro da Defesa, Waldir Pires, que assumiu a tarefa de descolar o governo de qualquer responsabilidade, jogando-a em cima dos pilotos norte-americanos do Legacy. Convém lembrar que o desastre ocorreu na véspera do primeiro turno das presidenciais e os ataques do ministro começaram em seguida, antes do segundo turno.


A imprensa fez o jogo do ministro: minimizou as responsabilidades do controle do tráfego aéreo (isto é, do governo) e enrustiu a informação sobre o abalo emocional de controladores envolvidos no acidente, alguns dos quais solicitantes de licença médica para internarem-se em clínicas.


A imprensa foi engabelada, apesar das advertências deste Observatório A primeira jornalista a levantar a lebre foi justamente Eliane Cantanhêde, da Folha, e os demais jornalões preferiram centrar o noticiário em outros aspectos do acidente.


Apuração negligente


É preciso deixar claro que a politização da tragédia não foi orquestrada exclusivamente pelo então titular da Defesa. Waldir Pires teve a decidida colaboração dos jornalistas que inventaram o ‘complô da mídia contra o governo’, o que funcionou como cortina de fumaça e desviou as atenções/emoções para o debate sobre a publicação das fotos da dinheirama apreendida pela PF para pagar a divulgação do Relatório Vedoin.


As conclusões do IPM sobre a tragédia da Gol não inocentam os pilotos do Legacy, seus erros são evidentes, mas poderiam ter sido corrigidos pelo controle do tráfego aéreo.


Um ano depois, é importante confirmar a negligência da mídia, que optou pelo conforto do ‘jornalismo declaratório’ esquecida do comezinho dever de checar acusações dos entrevistados.