Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Moacir Japiassu

‘Janistraquis deixou para esta semana a divulgação da nota enviada por nosso considerado Cacá Amadei em 11/3, com o saudável objetivo de garantir maior visibilidade à notícia que este colaborador, mais esperto que estrategista da Al Qaeda, lobrigou entre o material distribuído pela vetusta Agência Estado:

Almodóvar polemiza com retrato de colégio católico

Barcelona – O novo filme do cineasta Pedro Almodóvar certamente será alvo de protestos e promete provocar muita polêmica. Em plena forma, o diretor narra uma história que tem como ponto de partida as relações homossexuais entre estudantes de um colégio católico e o assédio desses meninos por parte de padres.

Intitulado La Mala Educación (‘A má educação’, em tradução livre), o 15º longa-metragem do diretor espanhol foi apresentado à imprensa pela primeira vez na manhã desta quinta-feira (11/3), no cinema Coliseum, em Barcelona. A coletiva de imprensa com o diretor, no entanto, foi suspensa devido ao ataque terrorista em Barcelona.’

Cacá percebeu que estava completamente por fora do noticiário: ‘ATAQUE EM BARCELONA?!?!?! TAMBÉM?!?!?! A AGÊNCIA ESTADO DEU UM FURO E NINGUÉM PERCEBEU… AFINAL, QUEM MAIS NOTICIOU O ATENTADO EM BARCELONA?’

Fenômeno!!!!!

Maurício Caleiro, leitor desses que pegam no pé e chamam a Folha de Falha de S. Paulo, envia uns dados que leu no jornal a respeito do ‘próximo Waldomiro’, como ele diz:

‘Economista formado pela PUC do Rio de Janeiro, o atual assessor especial da Casa Civil Marcelo Sereno, 45, construiu a sua base política no movimento sindical. Nos anos 60 e 70, militou na Libelu (Liberdade e Luta), tendência trotskista que foi integrada ao PT nos anos 80.’

O leitor fez as contas e concluiu: ‘Começou cedo o rapaz, não? Aos 10 anos, no máximo, já tava libeluzando por aí!’

É verdade, Caleiro, o Sereno é um fenômeno, porém meu secretário alerta para um fato interessante: ‘Cada vez mais a política se recheia de pessoas já idosas, porém com a mentalidade de meninos de 10 anos; deve ser o Efeito Martha Suplicy…’.

Retificando…

Abaixo do título Santos exige que Fifa corrija erro em site oficial, posto no ar pelo IG, o considerado leitor Tomaz Teixeira conferiu o seguinte texto:

ZURIQUE – O Santos entrou em contato com o departamento de comunicação do site oficial da Fifa. A diretoria alvinegra exige que um erro cometido pela entidade seja corrigido.

A Fifa errou ao ilustrar a camisa do Peixe com as cores verde e branca no seu site. Na verdade, tal camisa é do Santos Laguna, do México, ‘um erro grave, pois confundir o time mexicano com o bicampeão Mundial e bicampeão da Libertadores é inadmissível.’

Tomaz lia e concordava com tudo, até aparecer esta frase assustadora: ‘O Santos espera que o erro seja ratificado, caso contrário voltará a reclamar.’

O leitor quedou-se mais perplexo do que no dia em que o Santos foi goleado pelo Paulista de Jundiaí: ‘O quê??!?! O clube quer que a Fifa ratifique o erro? Que eu saiba, ratificar significa confirmar; não seria, quem sabe, talvez, quiçá, retificar?’

Olha, Tomaz, Janistraquis analisou o problema do ponto de vista da lingüistica moderna e acha que há grande possibilidade de que o Santos queira mesmo uma retificação. Todavia, ainda vai consultar outros mestres da morfologia e da sintaxe.

Xô, Século 21!

O boa-praça Maurício Khalil, de Osasco (SP), leu num site que nos chegou sem a identificação da fonte este título assaz comemorativo:

Spielberg comemora 10 anos de A Lista de Schindler

Steven Spielberg se reuniu com sobreviventes do Holocausto nos estúdios da Universal, nesta quarta, para comemorar os dez anos do filme A Lista de Schindler, que lhe rendeu o Oscar de melhor diretor em 1999.

Khalil relata seu sincero espanto:

Assim que li a notícia, logo imaginei: caramba, já faz 10 anos que passou A Lista de Schindler! E olha que eu ainda me lembro bem da Whoopi Goldberg fazendo graça e trocadilho com o ‘Oscar Schindler’.

Mas depois li a notícia direito, peguei minha calculadora científica (que até hoje não sei como usar), contei nos dedos e matei a pau: ora, foram só cinco anos. Cinco anos!

Essas coisas acontecem, considerado Khalil, e Janistraquis acha que, na verdade, não ocorreu propriamente um erro do misterioso site: ‘Acontece, considerado, que tem muita gente doida para o século terminar logo, entre os quais esse redator e o pessoal do PT…’.

Dinheiro falso

O implacável Roldão Simas Filho, diretor de nossa sucursal em Brasília, não dá refresco nem ao bb.com.você, no qual leu, abaixo do título VIDA DE COLECIONADOR:

Só de réis, são cerca de 150 notas diferentes, sendo a mais antiga a cédula de 500 réis com a efígie de Dom Pedro II.

E mais adiante: Uma vez troquei um carro que acabara de comprar por duas cédulas de réis com carimbo de cruzeiro, que procurava há (havia) anos.

Nunca houve cédulas de réis e sim de mil réis. Escreveram também que a câmera Leica era de fabricação soviética, quando é de conhecimento geral que é alemã’, esclarece Roldão, que chegou à seguinte conclusão: ‘Os autores do texto devem ser relativamente jovens e, evidentemente, não são colecionadores.’

Jornal para ricos

Deu no festejado site do UOL:

Site do JC fecha conteúdo para assinantes

O conteúdo do site do Jornal do Commercio agora é exclusivo para assinante. A mudança foi implementada nesta quarta-feira, com a estréia do novo portal JC OnLine.

Para ler as matérias diárias e as reportagens especiais publicadas no jornal, acessar sua complementação multimídia, produzida pelo JC OnLine, ou fazer pesquisas em edições anteriores, o internauta tem agora duas opções: fazer uma assinatura da versão digital do JC, pagando uma taxa de R$ 5 ao mês, ou do jornal ‘offline’, adquirindo assim passe livre para navegar no site da publicação.

Janistraquis, que como todos sabem é pernambucano de Arcoverde e adora o Jornal do Commercio, lamentou: ‘Considerado, sacanagem! Por que a gente que vive no meio do mato não pode ler de graça nosso jornal preferido?

Agora, o privilégio da leitura online contempla somente os assinantes que vivem nos EUA, Europa, Ásia, Oceania…’.

Paredão

Ao contrário do que espalham os inimigos, nosso Celsinho Neto, diretor da sucursal desta coluna no Ceará, gosta de mulher, mata a cobra e mostra o pau:

‘Considerado Janistraquis, veja o que foi publicado na Playboy online sobre a argentina que participou do Big Brother Brasil, a, segundo o Zé

Simão, ANTAnela: ‘A gata brilha no reality show da Rede Globo, mas foi aqui, nas páginas de Playboy, que Antonela dispontou para o sucesso.’

Dispontou? Ora, deviam dar de presente ao redator um exemplar da revista, juntamente com um bom dicionário; ou ele aprende ou vai logo pro paredão.’

Nota dez

O melhor texto da semana é da lavra do peso-pesado do jornalismo brasileiro, nosso considerado Carlinhos Brickmann, em sua coluna Caixotins (http://www.teste.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=267FDS001):

Português…

Atenção: ‘jovial’ não tem nada a ver com idade. Significa ‘alegre’; ‘engraçado’. ‘Jovem’ é outra coisa.

A propósito, alguém ‘o’ ajuda. Alguém ‘lhe’ ajuda pode ser usado em linguagem regional (é tipicamente nordestino). Mas, aí, é preciso ter um pouco de sotaque. Sem sotaque, deixa de ser regionalismo e passar a ser erro.

Gente, o que se erra em regência de verbos! Um bom dicionário de regência ajuda muito (os manuais de Redação, se o pessoal que comete esses erros os lesse, também ajudariam).

Segundo um jornal, a Polícia jogou ‘gás lacrimejante’ nos manifestantes. Seria o gás tão chorão como a notícia nos informa, ou estaria o jornal se referindo a gás lacrimogêneo?

Errei, sim!

‘DUPLA FALTA (Da série A Copa Inesquecível) – O Estadão, ao analisar a performance dos craques de Parreira: ‘Bebeto: Enquanto esteve em campo se esforçou, tentando se deslocar pelas duas pontas’. ‘Romário: Foi o melhor do time enquanto esteve em campo.’

Meu secretário implicou: ‘Considerado, é absolutamente impossível tentar se deslocar pelas duas pontas ou ser o melhor do time sem estar em campo!’. Procede.’ (julho de 1994)’



JORNALISMO & ESTUDANTES

Zuenir Ventura


‘E isso de ser jornalista?’, copyright No Mínimo (http://nominimo.ibest.com.br), 23/03/04


‘Uma vez chamei de ‘Samba do diálogo doido’ as entrevistas que alguns estudantes fazem com a gente. São conversas sem pé nem cabeça, em que não se sabe o que irrita mais, se o despreparo do entrevistador ou a falta de orientação por parte do professor. Chegam sabendo por alto quem você é ou o que faz e tendo apenas uma vaga idéia do assunto sobre o qual devem perguntar. Não são todos assim, evidentemente; há alunos excelentes que entrevistam melhor do que muitos profissionais.


Nestas últimas semanas, porém, com a aproximação do 40o aniversário do golpe militar, intensificou-se o assédio a mim e, pelo que sei, a vários colegas, de jovens atrás de informações sobre a ditadura militar. Há casos em que a confusão e o desconhecimento são de dar pena ou fazer rir. Entre os despreparados, há pelo menos duas categorias: a dos humildes, que pedem desculpas pelo que não sabem e acabam despertando a nossa paciência. E a dos ignorantes espertos e cheios de si, dos quais aí vai uma amostra.


– Como é que era aquela época?


Achei que depois dessa viria outra do gênero: ‘Como é que é essa coisa de ser jornalista?’. Com o tempo aprendi a dar respostas igualmente vagas ou desconcertantes: ‘Ah, depende’. Ou então: ‘É como essa coisa de ser estudante de jornalismo’. Quando o jovem começou assim a entrevista, eu estava de mau humor. Resolvi então gozá-lo, respondendo mais ou menos assim:


– Era uma época parecida com a atual, só que muito diferente. Como todas, aliás, variando conforme o ponto de vista.


Não queria dizer absolutamente nada, e eu esperava que ele replicasse com um ‘como assim?’, ou ‘explica melhor’. Nada. Ele se deu por satisfeito, o que aumentou minha irritação.


– O senhor escreveu um livro sobre o período, não é?


– Sobre que período?


– Sobre o período em que aconteceu tudo aquilo.


– Tudo aquilo o quê?


– Toda aquela confusão.


– Escrevi um livro sobre 1968.


– Ah, sim: ‘O ano que não aconteceu’.


– Não. ‘O ano que não terminou’.


Você pensa que ele se encabulou? Nem aí.


– É verdade. Fale um pouco sobre ele.


– Você não leu?


– Com esses trabalhos todos para fazer, ainda não tive tempo.


– Mas o livro foi lançado há mais de 15 anos.


– É verdade.


O que mais me irritava era que ele não dava o braço a torcer. Tinha sempre um ‘é verdade’, como se minha palavra dependesse do crivo dele. Era como se o que eu dizia só tivesse validade quando ele endossava: ‘é verdade’.


– E você não teve tempo de ler?


– Não, mas faz um resumo para os nossos leitores.


Aí tive que rir. Era tão folgado que ficava engraçado. Além do resumo, ele queria imprimir mais realismo à entrevista e falava como se milhares de leitores, ‘os nossos leitores’, fossem ler este emocionante diálogo. Foi quando me dei conta do seguinte:


– Escuta aqui: se a pesquisa é sobre 64, o que 68 tem a ver com isso?


– É que eu quero fazer um trabalho abrangente. Sou assim: quando escolho um tema vou fundo, quero saber tudo.


Vi que ele era imbatível, não tinha jeito. Um grande debochado, só podia ser. Desisti de tentar gozá-lo, já que eu estava perdendo todas, e propus:


– Vamos nos concentrar em 64.


– Como o senhor quiser. Pra mim tanto faz. Pode começar.


Ele não só estava mandando no jogo como agora me dava ordens e permitia que, nesse duelo, eu escolhesse as armas: ‘Como o senhor quiser’. Penso na crônica que escrevi há oito anos e percebo que nada mudou: parece o mesmo aluno de então, com as mesmas perguntas, a mesma cara de pau. Será que o outro virou coleguinha? E este de agora, será que vai conseguir o diploma? Respondo qualquer coisa e fico à espera da indefectível pergunta, que costuma ser ou a primeira ou a última. Ela vem.


– Agora vamos falar um pouco do senhor: como é que começou?


Vou à forra. Já tenho a resposta pronta.


– Estou quase indo embora e você vem me perguntar como comecei?


Ele diz ‘é verdade’, me manda um abraço e, antes de desligar, ameaça: ‘Quando o trabalho estiver pronto, envio uma cópia para o senhor. Qual é o seu endereço?’ Não devia confessar, porque isso não se faz, mas dei o endereço errado.’



LÍNGUA PORTUGUESA
Deonísio da Silva

‘A língua no alfaiate’, copyright Jornal do Brasil, 22/03/04

‘Sinônimos e antônimos abandonaram nossos políticos. Deixaram as luzes da ribalta na companhia de seus antigos paletós e jaquetões. Os assessores lhes providenciam camisas, gravatas, abotoaduras e ternos elegantes, além de barbeiros e até massagistas. Mas e da língua portuguesa, quem cuida?

As mulheres vão ao cabeleireiro, tratam do rosto e das mãos, especialmente das unhas, escolhem uma roupa compatível com a ocasião e gastam horas diante do espelho antes de sair de casa. Mas não cuidam apenas da aparência. Estão falando com mais elegância do que os homens nas funções públicas. É só comparar.

Para os homens, tais cuidados são mais singelos, a não ser em ocasiões específicas, como antes de dar uma entrevista ao distinto público da televisão, mas de todo modo também para eles a aparência é importante.

Da mãe gentil, a amada, rica, bela e por vezes esquecida língua portuguesa, porém, poucos são os que cuidam. Por desconhecerem a ferramenta de trabalho, na modalidade da norma culta, muitos políticos, especialmente parlamentares, utilizam-se de um prosaico e simplório não, anteposto à palavra, para indicar o seu contrário. Assim, ouvimos e lemos ‘não-aprovação’ de tal projeto, ‘não-continuidade’ disso e daquilo, providência ‘não-compatível’ e comportamento ‘não-ético’, entre outras.

Tendo abolido ou pelo menos alterado para pior a regência de muitos verbos – de uns tempos para cá deram em acrescentar um desnecessário ‘sobre’, logo depois dos verbos comentar e discutir -, figuras públicas infestaram nossa língua de construções estranhas, desjeitosas e, o que é pior, confusas.

Não bastassem os horrendos ‘a nível de’, ‘vou estar encaminhando’, um errante ‘onde’ e ‘penso de que’, de repente um inusitado ‘não’ é sacado como curinga. É como se nossa língua, pródiga em tantas variações estilísticas, tivesse perdido sua notória riqueza vocabular e sintática. Sem contar que as mais complexas carências vêm sendo reunidas sob uma insólita rubrica: agora tudo é fome.

A exceção fica por conta do Programa Fome de Livro, da Fundação Biblioteca Nacional. Neste caso, é fome, de verdade. Já existe, aliás, em nossa língua, uma metáfora sintomática do processo canibalesco que envolve leitor e autor, presente na expressão que usa o verbo devorar como sinônimo de ler. O signatário, porém, prefere que degustem suas colunas e livros. Devorar é engolir de uma vez só, ler rapidamente. Ler é um prazer. E a perfeição dispensa o tormento da pressa.

Vamos aos exemplos do fatídico ‘não’ e examinemos alternativas mais elegantes, coerentes com as estruturas de nossa língua. Se um projeto não foi aprovado, foi reprovado, rejeitado. Não houve aprovação? Ora, então houve o seu contrário, a reprovação. O parlamentar era contra a continuidade? Logo, era favorável à interrupção, à suspensão. A providência não era compatível? Então, era incompatível, inconciliável. O comportamento não é ético? Logo, é antiético.

Existem complicações com os antônimos, mas em outras áreas. O contrário de pão ázimo não é pão doce. É pão com fermento. O ‘a’ inicial, à semelhança de outros prefixos como ‘in’, ‘i’, ‘des’, ‘de’ e ‘re’ em tantos antônimos, indica ausência. No caso, de fermento, que em grego é ‘zyme’. O mesmo ‘a’ que indica negação está presente em ‘assimétrico’ (sem simetria), ‘asséptico’ (sem germes) , ‘anônimo’ (sem nome), ‘afônico’ (sem voz) e ‘amorfo’ (sem forma), entre tantos outros.

Em 1990 o então ministro Rogério Magri trouxe o antônimo ‘imexível’ para nossa língua. As críticas foram muitas, mas ele acertou em cheio. Feio seria dizer ‘não-mexível’. Seus erros foram outros, como o de declarar que sua cachorra era um ser humano como qualquer outro.



José Paulo Lanyi


"Assim não dá", copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 18/03/04


"Alguém aí se lembra da febre do ‘a nível de’? Tempos atrás, a cada frase, duas tinham que ser ‘a nível de [alguma coisa]’. Lembro-me de uma reportagem de buraco que fiz para a TV Bandeirantes, há uns dez anos. O técnico da prefeitura declamou um ‘a nível de bueiro’ em suas considerações urbanas.


‘A nível de’ servia para tudo e para todas as situações: ‘a nível de reerguimento da economia’, ‘a nível de entupimento do ouvido’, ‘a nível de liqüidificador usado’, difícil era encontrar jornalista ou entrevistado que não andasse escorado nessa muleta. A reação dos gramáticos e da minoria do bom senso acabou por solapar a onipresença da expressão. Uns sugeriram, em troca, à luz da chamada norma culta, a substituta ‘em nível de’, que pode até ser correta, mas, no campo do estilo, é a Messalina travestida de vestal.


Outra praga da mesma época: o ‘enquanto’ como sinônimo de ‘como’ ou, até mesmo, de ‘a nível de’. Líamos e ouvíamos muito, sobretudo entre os acadêmicos e intelectualóides: ‘Eu, enquanto professora, tenho responsabilidades extraclasse’. Ou: ‘Enquanto redação, todos devem colaborar com o diretor’.


A lista dos modismos que levam a imprecisões ou absurdos renova-se ao sabor das ‘descobertas’ da mídia. Hoje a vedete, ao menos em São Paulo, é o outrora discreto ‘assim’. Não há um dia em que não se ouça a palavra, se não deslocada de sua função adverbial, aplicada com tal exagero que nos faça concluir: sem o ‘assim’, seguido de uma pausa, nada mais se explica na face da Terra. Sem nenhuma necessidade, prepara-se o pensamento de forma elíptica. O que se quer dizer é algo como ‘É assim’, ou ‘Funciona assim’, ou ‘Deveria ser assim’.


Exemplos: alguém pergunta com quantas pessoas você mora. ‘Assim: lá em casa, eu moro com os meus pais. Eles viajam muito. Então, eu costumo ficar sozinha’; ‘Eu uso protetor solar fator 8. Assim: eu tenho que me cuidar, comprar um protetor com fator maior, mas acabo usando esse mesmo’; ‘Nós vamos entrevistar o vereador Salatiel Cajuzinho. Assim: se ele tiver mesmo a informação que nós queremos’ (note: ‘assim’ como sinônimo de ‘mas’, em ‘mas só se ele’); em uma entrevista de emprego: ‘Todos aqui têm bom currículo. Assim: o perfil ideal do nosso candidato é o do poliglota…’ (como uma ressalva).


Há também o popularíssimo ‘mas, assim’: ‘Vamos fechar o contrato. Mas, assim: primeiro temos de checar todas as cláusulas’. Ou seja, o ‘mas’, sozinho, não se sustenta. Obrigatório agora é ‘mas’ + ‘assim’ + pausa + explicação.


Senhoras, senhores e crianças: meus ouvidos não agüentam mais. É assim (agora, bem aplicado) na redação (contínuos, repórteres, editores-chefes, etc.), no rádio, na televisão, no ponto de ônibus, em qualquer lugar que se conheça ou não.


No que nos interessa, como profissionais, temos aí algo mais do que uma discussão sobre o bom emprego das palavras – o que já seria suficiente, embora muitos se esqueçam de que a língua é uma ferramenta jornalística essencial: a submissão aos modismos revela um espírito distraído e influenciável (a conclusão dos otimistas); mal preparado (a dos pessimistas); ou, alternando-se ou não, as duas coisas (a dos realistas).


Não nos confundamos, não se trata de refutar o enriquecimento do cotidiano dinâmico da língua. O realce é outro: nós não prestamos atenção no que dizemos; ou desconhecemos a sintaxe; ou não temos noção de estilo. Mais do que o erro em si (que considero natural, por refletir a condição humana), chama-me a atenção a incapacidade de reagir: alguém fala uma bobagem, outros acham bonito e repetem a bobagem. Quando (não) nos damos conta, todo mundo está falando a bobagem.


Ora, que outros profissionais o façam, sem jamais refletir, admite-se; no entanto, temos jornalistas, escritores, professores que se permitem passar por bobinhos passivos. Foi-se o tempo em que nos orgulhávamos de formar opinião; tornamo-nos um repositório da ignorância geral. Mas, assim: ainda dá para melhorar."




TURFE & JORNALSIMO
Cyro Queiroz Fiuza

‘Jornalista de turfe, profissional em extinção’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 17/03/04

‘Poucas especializações parecem caminhar, como temos observado nos últimos anos, para um fim tão drástico quanto a do jornalista de turfe. Na verdade, seria um exagero afirmar que a função já está extinta nas redações, mas o fim parece próximo. Como profissional que atuou durante exatos 20 anos na área – de 1979 a 1999, começando muito antes de me formar na Cásper Líbero, em 1985 -, vejo com imensa tristeza tal fato, e ouso aqui apontar prováveis culpados.

Nós, repórteres e editores, nos acomodamos com o passar dos anos e não discutimos a modernização da especialização. ‘Apostamos’ que o interesse maior do leitor seria apenas o de jogar nos cavalos, enquanto pautas interessantes mofavam nas gavetas, escondendo matérias que mostrariam as corridas e os hipódromos como centros de entretenimento e lazer e a importância da indústria do cavalo como atividade agropecuária geradora de empregos.

Os Jockeys Clubs, sobretudo, também se acomodaram. Dispondo de grandes espaços nos jornais, com a publicação quase que diária de imensos quadros com o programa dos páreos, os dirigentes do turfe achavam que tinham uma espécie de direito adquirido, pois o turfe só perdia em espaço para o futebol. Contavam ainda, no caso específico de São Paulo, que o interesse de alguns membros da família Mesquita pela criação de cavalos de corrida serviria como garantia eterna para manutenção dos espaços no Estadão. Com o tempo, tais dirigentes passaram até a subestimar os profissionais, chegando ao ponto de fechar a sala de imprensa do hipódromo (hoje, sobram salas vazias no hipódromo de Cidade Jardim…). Nunca se deram conta das transformações que ocorreram na mídia, com o crescimento do automobilismo, vôlei e tênis, e o surgimento dos chamados esportes radicais como o surfe, que foram tomando espaço e conquistando patrocínios.

Quando comecei, redações como a do Estadão tinham quatro jornalistas e funcionavam com total autonomia. O Jornal da Tarde tinha outros três profissionais, Diário Popular e Gazeta Esportiva dois cada, Folha de S. Paulo, Folha da Tarde e Notícias Populares, um cada. Somando-se as revistas de apostas e de criação de cavalos, mais duas rádios que transmitiam as corridas ao vivo – uma delas a Eldorado -, chegava-se a um universo de 40 jornalistas em plena atividade só em São Paulo. No Rio de Janeiro, O Globo e Jornal do Brasil dispunham de excelentes páginas de turfe, assim como o Zero Hora de Porto Alegre e o Jornal do Comercio de Recife, entre muitos outros jornais.

Posso lembrar também de alguns jornalistas e radialistas, como Vicente Chieregatti, que atuou até os anos 70 e também exerceu o cargo de diretor da Polícia Científica de São Paulo. Ou Jorge Escosteguy, com quem fiz dupla em publicações especializadas de criação de cavalos puro-sangue inglês de corridas. ‘Scot’ dividia sua paixão por cavalos, como bom gaúcho que era, com o exercício de altas funções em revistas e emissoras de tevê, vindo a falecer em 1996 como superintendente de comunicações da Fiesp.

Já o Edimilson Cardial criou a gerência de comunicação e marketing do Jockey Club de São Paulo em meados da década de 80, sendo a primeira e última vez que a imprensa especializada contou com um suporte profissional organizado. Com sua saída do Jockey, a gerência virou mero cabide de empregos, onde o que menos importava era o trabalho jornalístico. Edimilson abriu a Editora Segmento, hoje em plena atividade, fez algumas publicações especializadas de turfe mas também capitulou, vencido pelo amadorismo dos dirigentes do setor. Não poderia deixar de citar George Duque Estrada – hoje na Carta Capital – que trabalhou em algumas das principais publicações do País sem nunca se afastar do turfe. Quem já chegou aos 40, como eu, há de lembrar das famosas ‘linhas duque’, que inovaram a diagramação das revistas brasileiras nos anos 60/70. Teve outro gaúcho, o Nestor Cavalcante de Magalhães, que durante 40 anos foi procurador do Haras do Arado, de Breno Caldas. No Correio da Manhã e na Folha da Tarde, da família Caldas, foi o responsável pelo turfe e pela agropecuária.

Citaria ainda Marcondes Neto, com quem trabalhei na editoria de esportes do Diário Popular. Ao contrário de outros que mencionei, Marcondes era ligado full time ao turfe, e foi um dos melhores indicadores de ‘barbadas’ na editorias pelas quais passou. Por fim, uma citação ao meu pai, Cyro Fiuza, hoje aposentado, que atuou no turfe do Estadão até atingir a compulsória aos 70 anos (algo impensável de acontecer nas redações de hoje…); e ao Carlos Caiaffa Borba, professor, jornalista e pequeno produtor rural em Concórdia (SC), com quem comecei a trabalhar em 1979, na revista Turf & Fomento.

Resgatar esse capital intelectual é algo impossível. Mas para não ficar apenas em reminiscências, vale apontar alguns fatos mais recentes, que poderiam de alguma forma ajudar a revitalizar a mídia especializada e o interesse dos jornais. Aliás, é curioso notar a situação do turfe hoje. Ao mesmo tempo em que os quatro principais Jockeys Clubs (São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul) atravessam a mais grave crise financeira da história, o destino e o governo do PT… encarregaram-se de dar uma mãozinha com o fechamento dos bingos, que tiraram boa parte do público dos hipódromos na última década.

Outra ajuda providencial poderia ter vindo do filme Seabiscuit, um dos indicados para o Oscar deste ano, que ficou menos de um mês em cartaz mas sem dúvida levou bom público aos cinemas. Aí o problema foi (pela enésima vez…) a falta de marketing por parte dos Jockeys Clubs. Não serão Seabiscuit, Telefônica Open Air ou Fashion Week (que já foi realizado nos salões do Jockey Club de São Paulo), que vão alavancar o espetáculo do turfe se os seus próprios dirigentes não se aperceberem da importância de valorizar o marketing e a comunicação. Sem um trabalho forte nesse sentido, nem o cancelamento das loterias oficiais da Caixa Econômica Federal encheria novamente os hipódromos!…

Em meio a pior crise de sua história, o turfe brasileiro ensaia uma ainda tímida recuperação. No Rio de Janeiro, a eleição para presidente do Jockey Club movimenta os cariocas. Em São Paulo, onde a situação financeira é ainda pior, alguns empresários articulam um movimento para salvar o clube e as corridas, procurando mostrar a importância do clube como local de entretenimento e da criação do cavalo de corridas como atividade geradora de empregos nos hipódromos e em centenas de haras espalhados por todo o País. Se esse trabalho não for feito com competência e urgência, em pouco tempo não haverá mais turfe, tampouco notícias, para os jornalistas especializados divulgarem. (*) Gerente de contas da Item Comunicação, tendo passagens pela Gazeta Mercantil, Diário Popular, Editora Segmento e Jockey Club de São Paulo.’