Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Na dúvida, culpado

Muito bem notado pelo leitor do Observatório Eduardo Moraes o sensacionalismo da imprensa no caso da mãe ‘acusada’ e ‘julgada’ culpada de matar a filha colocando cocaína na mamadeira. Os meios de comunicação grandes, outrora conhecidos como quarto poder, cada vez mais se portam como Poder Judiciário e, pior, como poder judiciário de tempos ditatoriais, sem direito a ampla defesa, sem presunção de inocência e outros elementos primordiais de um Estado Democrático.


Cada vez são mais comuns histórias como a da mãe de Taubaté: na dúvida, culpado. E o princípio, já fora de moda, in dubio pro reo, é ignorado na grande maioria das redações grandes.


Para além do sensacionalismo na hora de apresentar a notícia, o que mais impressiona é a ausência de humildade nas redações grandes. Os repórteres que julgaram a mãe ‘cocainômana’ e a condenaram à perda da audição na cadeia não apareceram com a mesma veemência para, pelo menos, pedir desculpas.


Não custa sonhar


É preciso sonhar com o dia que veremos em jornal ou rede de televisão grande não o cínico ‘erramos’ em quatro linhas, mas uma reportagem grande dizendo: pedimos perdão, cometemos um crime.


A repetição destes episódios é freqüente e as pessoas responsáveis nunca são punidas. Isto a mídia chama de liberdade de imprensa – que vem a ser, em sua tendenciosa definição, quase uma expressão idiomática. Significa que a imprensa pode destruir reputações e falar o que bem entender sobre qualquer coisa sem qualquer compromisso com os fatos.


Não custa sonhar com meios de comunicação com compromisso ético, de ouvir o outro lado, da presunção da inocência, do princípio in dubio pro reu. Não custa sonhar.

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Antropólogo, Brasília