Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Na linguagem, preconceito, medo e insegurança

A propósito das Paradas Gay, alguns (ou melhor, muitos) comentários têm sido publicados nos diversos meios e muitos ocorrem nas conversas cotidianas. E uma questão me chamou a atenção: o que revelam os termos usados para fazer referência a gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros, a suas ações e a seu comportamento, às sociedades nas quais essas orientações sexuais não entram mais nos armários?

Destaco aqui alguns vocábulos usados para que possamos pensar sobre seus efeitos e o que possivelmente revelam: ‘escabroso’, ‘aberração’, ‘mazela’, ‘caos’. A palavra ‘escabroso’ foi usada, na semana passada, em programa de grande audiência da TV brasileira, proferida por um convidado quando se referia ao beijo entre pessoas do mesmo sexo. Seu tom de voz soou agressivo. Mas, o que é escabroso?

Na busca em dicionários, chego a outros tantos termos que nos permitem ver suas intenções. Escabroso significa: irregular, indecoroso, indecente, infame, vergonhoso, inconveniente. Beijo escabroso, seguindo os sentidos potenciais do termo, é algo contrário à decência, algo que não fica bem, isto é, não está conforme a moral, os bons costumes. É vil (infame, vergonhoso, irregular).

Outro comentário em reportagem (online) sobre a união entre pessoas do mesmo sexo, pede: ‘Não sejamos cegos em tolerar esta aberração’. Aberração? Ao vasculhar dicionários e enciclopédias, na busca dos sentidos possíveis, concluo que, pela palavra, esse tipo de união foge a uma imagem, a uma representação. É como se olhasse para uma maçã e não encontrasse lá similitudes com o desenho de maçã. Por conseqüência, vê-se aí uma aberração, uma irregularidade.

Cidadania e respeito

‘Mazela’ é uma palavra muito usada para designar a maneira de ser daqueles que pertencem à comunidade GLBT (gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros). Esse uso trata essas orientações sexuais como ‘aquilo que ofende a honra’. Portanto, junto ao termo vem a idéia de que ser gay, lésbica, bi ou trans é ser detentor de uma mancha na reputação. Logo, é/está irregular.

Outros dizem que a atual sociedade é um ‘caos’ porque grande parte dos que se dizem do GLBT está fora dos armários e mostra que é feliz – quer e precisa de respeito. Adjetivar esse contexto de caótico é vê-lo como uma desordem. Ou seja, é encará-lo como irregular.

Esta pequena reflexão aponta: as palavras usadas para falar aos e sobre os GLBTs indicam que esse grupo é visto como irregular; não-possuidor dos valores apregoados por famílias, igrejas, escolas e Estado, que se impõem hegemonicamente como absolutos, verdadeiros, corretos; sem nódoas. Os termos denotam preconceito gritante contra os não-heteros. Contudo, fazem conhecer que esse preconceito é oriundo do medo e da insegurança diante do outro que não é seu reflexo.

Assim, é urgente o entendimento de que somos (todos) ‘irregulares’, diferentes e que, entretanto, isso não significa nódoa. Somos seres sócio-históricos e as mudanças são constitutivas do nosso ser. Ao assumirmos essa postura, ampliaremos o conhecimento já demonstrado por muitos, como o psicólogo Alfonso Silva, quando declara: ‘(…) Sou hetero e tenho três filhos. Todos os anos levo minha família à Parada Gay, para uma aula de cidadania e respeito (…).’ Afinal, ‘homofobia é crime, amar é legal’.

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Mestrando em Estudos de Linguagem (UFMT) e bolsista Fapemat, Cáceres, MT