Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Não escute quem não o escuta

Um dos elementos mais significativos que marca e marcará sempre o rádio é seu poder de interatividade. Há momentos em que aqueles que ouvem poderiam (digo poderiam) dizer o que pensam da política, da vida, do mundo, da natureza e até mesmo qualquer coisa, mesmo que isso seja tratado pelos intelectuais como ‘besteira’. O ouvinte tem direito, sim, a falar do rádio, pois a comunicação é certamente um fenômeno de ida e volta. Quem comunica no rádio tem de conhecer os que o ouvem e o modo mais fácil é abrindo para os usuários da comunicação espaços para interagir com um meio de comunicação que sempre esteve na vanguarda de luta e de busca dos interesses populares. Tudo que temos na comunicação em geral veio do rádio, pois os modelos utilizados em outras comunicações tiveram no rádio uma espécie de ‘pai’ ou pioneiro.

O grande problema é que hoje são poucos os comunicadores que tem pelo ouvinte o respeito necessário e os trata como usuários ou co-participantes de seu processo comunicativo. O rádio é hoje tratado meramente como um instrumento de enriquecimento ou um palanque eleitoral antecipado. Os novos radialistas são hoje apenas vendedores de propaganda e geralmente fazem apenas o jogo do toma lá da cá em comunicação e troca de favores. É comum os que têm dinheiro serem elogiados, amimosados e acarinhados pelos que fazem o rádio por um preço que poucos sabem. O rádio, infelizmente, vem sendo tratado de forma desrespeitosa pelos que o fazem e é comum a voz do ouvinte ecoar vagamente na emissão sem um comentário, sem interação, sem discussão, enfim, sem aceitação do nível de responsabilidade de quem usa seu telefone para desenvolver cidadania neste meio de comunicação. Já os velhos radialistas que têm tradição e respeito no rádio esquecem muito dos que lhes deram tal prestígio e dos que os mantêm no ar com a audiência e muitas vezes criticam até formas de organização dos ouvintes. Já tivemos casos de radialistas de longa experiência dizerem que organização de ouvintes era coisa de quem não tinha o que fazer e que ouvinte não pagava as suas contas.

Organização e uma atitude firme

A grande questão é de que forma nossos ouvintes poderiam se levantar diante desta forma desrespeitosa com que o rádio vem sendo feito. Que tal uma greve de escuta? Que tal boicotar os programas que não respeitam os ouvintes? Que tal criar selo de qualidade dos programas? Essas seriam saídas honrosas para o problema que hoje se instala no meio rádio e que certamente o levará para o fim. Vale ressaltar que as grandes redes de rádio hoje no Brasil aniquilaram prontamente a participação do ouvinte no rádio e geralmente só fala quem tem prestígio e dinheiro. Algumas redes já criaram o 0800 para que o ouvinte se comunique gratuitamente, o que é uma atitude louvável e merece elogios. Infelizmente, vemos que outras redes não fizeram o mesmo e vêm desprezando os ouvintes de todas as formas onde até mesmo o tal ‘fale conosco’ não funciona. Por outro lado, o rádio que estas fazem é de péssimo conteúdo e ainda se utilizam da fórmula atrasada de receitas culinárias e horóscopo.

O que o ouvinte quer do rádio é interatividade numa atitude onde o mesmo possa desenvolver plenamente a cidadania, a discussão, o aprendizado, o lenitivo para suas dores, a discussão dos problemas de hoje. Claro que não são todos os ouvintes que querem isso; ainda há muitos que preferem o rádio para ouvir música ou saber o horário de se levantar para o trabalho. A grande questão do rádio hoje é que não há uma discussão sobre seu papel na sociedade, não se discute sua importância e não se investe em formação de público. Como o rádio é um negócio nas mãos de poucos, certamente seu uso se torna restrito ao processo de geração de lucros, daí o arrendamento de emissoras a grupos políticos, econômicos e religiosos onde não se respeita a pluralidade cultural nem a capacidade de entendimento do ouvinte. Muitos dos que se dizem proprietários de rádio se julgam realmente proprietários e fazem o que querem do rádio sem nenhum tipo de questionamento ou fiscalização, o que certamente é traduzido pela ineficiência dos órgãos responsáveis pelo setor. O Ministério das Comunicações certamente não procura fiscalizar nem discutir o conteúdo do rádio, que fica à mercê de seus proprietários sem nenhum tipo de acompanhamento ou discussão. Vale ressaltar que os grupos populares estão hoje completamente dominados pelos interesses e ideologias políticas e não compreendem ou preferem não compreender o que se passa no rádio.

A situação do rádio é caótica e requer uma ação firme tanto dos órgãos responsáveis como da sociedade em geral, que certamente não quer este tipo de comunicação posto em prática tendo como características fundamentais o desrespeito, o escárnio, a notícia mentirosa e a bajulação como elementos que hoje vêm fazendo o rádio em todos os rincões do país. A situação é gravíssima, mas pode ser revertida com muita organização e uma atitude firme de exigir deste meio o respeito ao seu usuário e uma ação ativa de fazer comunicação para todos de forma a garantir a viabilidade econômica e uma programação de qualidade, ética e adequada para todas as classes e grupos sociais.

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Vice-presidente da Associação de Ouvintes de Rádio do Ceará, Fortaleza, CE