Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Nossa cobertura e nosso erro

A tragédia envolvendo o voo 447 da Air France, cuja viagem entre Rio de Janeiro e Paris terminou no fundo do oceano, atingiu e sensibilizou pessoas ao redor do mundo. Cidadãos de 32 países perderam a vida no acidente, cujas características ainda intrigam especialistas e chocam qualquer um que já tenha cruzado o Atlântico a bordo de uma aeronave.


Diante do desastre, leitores e jornalistas, ainda desprovidos de explicações técnicas para o raríssimo fato de que um Airbus havia simplesmente despencado do céu, buscaram o lado humano dessa triste história. A imprensa foi atrás de perfis das vítimas, informações que foram avidamente consumidas por um público sensibilizado pela perda repentina de mais de 200 vidas. Num momento como esse, o interesse pelas circunstâncias que colocaram cada passageiro dentro do voo da Air France, como o motivo de sua viagem, quem ficou para trás à espera de um telefonema na chegada ou quem se preparava para recebê-los na capital francesa, era imenso. Como uma forma de homenagem às vítimas, ou por simples curiosidade, o lado humano de uma tragédia é sempre um importante material jornalístico.


Além dos nossos repórteres no Rio de Janeiro e em Brasília, que registravam as últimas informações sobre as buscas e teorias para o destino do avião, inicialmente dado como desaparecido, a BBC Brasil dedicou parte de seus esforços de reportagem no exterior à obtenção de informações sobre passageiros, particularmente estrangeiros. O menino britânico de 11 anos que voltava sozinho do Rio após visitar os pais, o grupo de franceses que havia ganhado a viagem ao Brasil de uma empresa, a espanhola que voltava de lua-de-mel em voo diferente do marido, todas essas histórias mostravam o caráter verdadeiramente internacional do desastre.


Sem verificação


Entre elas estava a da família Schnabl. A sueca Christine Badre Schnabl e seu filho Philipe morreram na queda do Airbus A330, enquanto seu marido, o brasileiro Fernando Bastos Schnabl, e a filha Celine fizeram o mesmo trajeto a bordo de um voo da TAM, pousando com segurança em Paris. Mas ao noticiar tal história, nós da BBC Brasil erramos. Erramos por reproduzir, sem confirmação, a informação de que a separação do casal em dois voos diferentes se devia ao medo da família de acidentes aéreos. A informação havia sido publicada apenas por um jornal sueco, o Expressen, e ainda não havia sido confirmada pela nossa reportagem em Estocolmo. Mas mesmo assim o nosso texto foi ao ar, não apenas trazendo uma informação vinda de apenas uma fonte, mas também sem explicar no título e no primeiro parágrafo, como deveríamos ter feito, que se tratava de um fato apurado apenas por um outro veículo.


O suposto costume do casal de viajar em voos diferentes dava uma conotação ainda mais dramática e inusitada ao caso, e por isso nosso texto teve grande repercussão, recebendo grande destaque em nossos sites parceiros. No entanto, a separação da família na viagem à França tinha na verdade outro motivo. Quando conseguimos falar com Fernando Schnabl, ele desmentiu a versão do jornal sueco, reproduzida no dia anterior pela BBC Brasil. A família não tinha medo de voar, apenas estava em aeronaves diferentes devido à necessidade de aproveitar os benefícios de milhas aéreas acumuladas.


A reportagem com o brasileiro, esclarecendo o que realmente havia motivado a separação da família, foi publicada um dia depois do texto anterior. Recebeu no nosso site o mesmo destaque que havia tido a informação errada. Mas nada apaga o fato de que divulgamos, equivocadamente, uma notícia de outro veículo sem a verificação devida, prevista nos princípios editoriais da BBC. Um erro, fruto de um esforço de levar aos leitores as histórias humanas por trás de uma terrível tragédia. Mas, mesmo assim, um erro. Do qual (o nosso leitor pode ter certeza) já tiramos muitas lições.

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Jornalista