Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O imbróglio Papel Prensa


O governo da presidente Cristina Kirchner endossou ontem [20/10] no Congresso um controvertido projeto de lei que pretende criar uma série de mecanismos de controle para a fabricação de papel-jornal na Argentina. A proposta foi aprovada por 78 votos a favor e 75 contra em uma comissão especial e será levada ao plenário em duas semanas. A medida declara ainda ‘de interesse público’ a produção, distribuição e comercialização de jornais.


Cristina havia apresentado um projeto próprio para regular a atividade. No entanto, sem conseguir apoio suficiente, os deputados governistas – do Partido Justicialista (Peronista) – tiveram de endossar na comissão parlamentar uma versão mais radical da proposta. O texto debatido foi elaborado pelo partido Projeto Sul, de esquerda, comandado pelo diretor de cinema e atual deputado federal Fernando ‘Pino’ Solanas.


A oposição criticou o projeto, argumentando que se trata de mais uma tentativa de ‘estatização encoberta’, e prometeu impedir sua aprovação na Câmara dos Deputados.


Os partidos da oposição foram pegos de surpresa, pois não esperavam a aliança entre o Projeto Sul e os parlamentares kirchneristas, que permitiu que o governo conquistasse maioria.


Jornais na mira. A Papel Prensa, a única fábrica de papel-jornal da Argentina, que abastece 75% do mercado local e atende 172 jornais em todo o país, é controlada pelo jornal Clarín, que possui 49% das ações. O Estado argentino é o segundo maior acionista, com 27,46% dos papéis da empresa. Em terceiro lugar, vem o jornal La Nación, com 22,49% das ações.


O projeto respaldado pelo governo determina um teto de 10% da empresa a acionistas que tiverem canais de TV, rádio ou jornai. Dessa forma, os jornais Clarín e La Nación teriam de vender a maior parte de suas ações no prazo máximo de três anos. O projeto também determina que a fiscalização da Papel Prensa será realizada pelo Ministério da Economia.


Martín Etchevers, gerente de comunicações externas do Grupo Clarín, disse ao Estado que o projeto de lei ‘vai na contramão do mundo’. ‘A indústria de papel está em retração em todo o mundo e esse tipo de medida, em vez de estimulá-la, tende a destruí-la. Além disso, é outro tipo de confisco, já que ignora os direitos dos acionistas.’


José Ignacio López, do La Nación, disse que o projeto ‘é um disparate, além de ser inconstitucional. Não passa de mais uma tentativa de controlar a mídia’.


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Discurso kirchnerista traz ecos dos tempos do regime militar


Ricardo Kirshbaum # reproduzido do Estado de S.Paulo, 21/10/2010


Agora já sabemos quem é a musa inspiradora do ministro da Economia da Argentina, Amado Boudou, para ele dizer, como ocorria nos tempos funestos da ditadura, que existe dentro do país uma campanha ‘anti-Argentina’. É bom lembrar: os militares acusavam todos aqueles que os denunciavam de participar de uma campanha contra a Argentina. Boudou, talvez por reflexo da época em que sua ala política defendia a ditadura, ressuscitou o termo, qualificando como ‘antiargentinos’ jornalistas do Clarín e La Nación, que acusou de ser iguais aos trabalhadores escravos judeus nos campos de concentração.


Em Mercedes, na Província de Buenos Aires, a presidente Cristina Kirchner afirmou que seria bom ‘nacionalizar’ os meios de comunicação. Ela esclareceu que não estava propondo estatizar a imprensa, mas que a mídia adotasse uma outra posição em relação aos feitos de seu governo.


A presidente disse também que a mídia não tem ‘consciência nacional’ e por isso não defende ‘os interesses do país’. Não se referiu aos meios de comunicação com capital estrangeiro, declaradamente oficialistas, que operam no país.


Fica cada vez mais claro o que o kirchnerismo pensa da liberdade de expressão e de crítica. Poucos dias depois de assinar a consolidação de um gigantesco monopólio da telefonia, nas mãos de uma companhia estrangeira, o governo inflama-se de patriotismo, com acusações partindo de uma fonte cada vez mais autoritária.


Uma segunda contradição do governo é apresentar como medida democrática o que na realidade não é. Assim, ele dissimula decisões que afetam a liberdade de escolha dos leitores.


Sabemos o que significa ‘nacionalização’ para o governo do casal Kirchner: ausência de crítica e submissão. [Editor-chefe do Clarín]