Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O jeito brasileiro de encarcerar

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171 que propõe a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos faz jus a seu nome. Tal emenda não vai além do remendo sociopolítico a que estamos acostumados no país do “jeitinho”. Uma cola aqui, uma propina ali e tudo se ajeita. O importante é se dar bem, levar vantagem ou, pelo menos, salvar a própria pele. A criminalidade tem suas raízes, mas quem se arrisca a removê-las?

Aliás, o que a mídia tem feito para resgatar as causas, muitas delas históricas, e trazer à tona dados reais a partir dos quais seria possível elaborar um parecer viável sobre a questão? Ignoram-se os números. Jornais e TV são verdadeiros incendiários e só aumentam o calor da discussão entre ser a favor ou contra. Posição um tanto quanto limitada se considerarmos os diversos elementos que envolvem o comportamento humano: condições materiais, sociais, educativas, cognitivas e afetivas.

De fato, a criminalidade atribuída a adolescentes é crescente no Brasil. Porém, representa menos de 1% dos homicídios no país, segundo nota do Movimento do Ministério Público Democrático. Observar os dados de países que adotaram tal medida de contenção para a criminalidade também nos ajuda a entender e constatar que a lógica da punição não mais funciona, se é que algum dia foi eficaz.

Da mesma forma, a pena de morte não aniquilou e tão pouco reduziu a prática de crimes hediondos. E mesmo que tal lei fosse suficiente para sanar o problema, não seria aplicável do ponto de vista moral, pois não se pune um ato na mesma medida daquilo que se condena e quer evitar. A mesma sociedade que levanta a bandeira da democracia deveria saber que medidas estritamente disciplinadoras e punitivas são antidemocráticas.

Menos ódio e mais direitos humanos

Vivemos uma democracia? A história recente nos mostra que há pouco saímos de uma ditadura e ainda acreditamos na punição como a cura para o mal. Em meio a manifestações e pedidos de impeachment há quem prefira o retorno do regime militar. Obviamente, estamos falando do mal que constitui obstáculo a nós mesmos e aos nossos desejos individuais e individualistas. Afinal, o bem comum não é o objetivo desta luta e, em muitos casos, até nos incomoda.

A doméstica que ascendeu profissionalmente e financeiramente pelo reconhecimento de seus direitos também nos incomoda. Esquecemos que todos perseguem um ideal de vida. Os negros incomodam (racismo também é crime e não se resolve com prisão). Os gays incomodam. Os ricos incomodam. Os pobres e as mulheres também incomodam, historicamente. Não reconhecemos o outro como um ser igual, no sentido de também ter seus anseios, esperanças e medos. O discurso do ódio e repúdio está muito presente em nossa sociedade, enraizado, arraigado. As redes sociais confirmam.

De acordo com levantamento realizado pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), o Brasil está entre os dez países que mais encarceram no mundo e não resolve o problema da criminalidade, que aumenta dia a dia. Somos reféns de um sistema carcerário que não reforma os detentos. Na mesma proporção do problema, a solução é complexa e não se resolve com um “jeitinho”, uma simples emenda na Constituição. A resolução exige um trabalho intenso, que envolve repensar todas as políticas públicas e sociais para não somente recuperar os jovens atraídos pelo crime e pelo tráfico, mas ampará-los desde a infância através da Educação, do esporte, do aprendizado de algum ofício, do lazer e da qualidade de vida.

A falta de informação e reflexão nos leva, mais uma vez, à construção de argumentos frágeis a favor da redução da maioridade penal, sem atingir o cerne do problema. E como transformar a vida do outro se ainda somos egoístas e repudiamos qualquer tipo de avanço na vida alheia? Quando um adolescente furta um celular, muito provavelmente sua educação, qualidade de vida e seus sonhos já tenham sido usurpados primeiro, o que não justifica, mas revela a direção que devemos seguir para evitar que isto aconteça. Não há outro caminho e não é fácil. Menos ódio e mais direitos humanos.

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Juliana Jovanelli é jornalista