Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O mito judiciário

 

O professor da USP Victor Gabriel Rodriguez chama a atenção, na edição de segunda-feira (20/8) do Valor, para o grande prejuízo à imagem dos poderes Executivo e Legislativo produzido pelo caso do mensalão desde a primeira denúncia em horário e espaço nobres, sete anos atrás. A preocupação de Rodriguez é com a imagem do Judiciário. Como explicou o professor Renato Lessa em recente programa do Observatório da Imprensa na TV, o Brasil é uma república democrática com predomínio do Supremo Tribunal Federal. “É uma forma específica de democracia na qual o Supremo é fundamental para a armação dos demais poderes”, disse. Assim quis a Assembleia Constituinte de 1988.

O conflito em torno do método de julgamento do mensalão pode, desconstruindo “a imagem de fria racionalidade do momento decisório”, nas palavras do professor Victor Rodriguez, “dinamitar um mito que, porque é mito, exerce função estabilizadora no Estado”.

As nações, como se sabe, são comunidades imaginadas. É fora de cogitação que os indivíduos que as constituem se conheçam pessoalmente. É na cabeça das pessoas que as nações existem. Daí, entre outras razões, a importância dos mitos que cercam os poderes.

O professor Rodriguez atribui ao televisionamento das sessões do Supremo um papel negativo, ao expor conflitos e comportamentos contraditórios com a imagem de isenção e respeitabilidade da Justiça, em sua mais alta expressão. Essa avaliação, como qualquer outra, é discutível.

Os argumentos de Rodriguez merecem exame, mas é possível rebatê-los com a constatação de que mesmo sem exposição ao grande público os momentos de conflito interpessoal ocorreriam na corte. A diferença é que poucos os testemunhariam, e seriam destes as versões que chegariam ao público. Como era antes do televisionamento. Além disso, as verdadeiras razões dos conflitos não aparecem, seja qual for o grau de publicidade que se dê às sessões. Quando o público chega a saber de alguma coisa, ela já deixou de ser a novidade. A novidade está sempre um passo adiante do conhecimento geral.

Seja como for, não cabe à imprensa, diante dessa situação, estimular algum tipo de Fla-Flu judicial, mas sinalizar que o julgamento deve transcorrer acima de objeções quanto aos procedimentos, sem afobação, para que não se diga depois, diante das sentenças, condenatórias ou absolutórias, que elas foram contaminadas por interesses ou pela paixão política.

 

México, 30 anos depois

A Folha de S. Paulo publica na segunda-feira (20/8) tradução de artigo de Larry Elliot, do Guardian, que assinala o trigésimo aniversário do anúncio da moratória mexicana. Não por acaso, a década de 1980 é chamada de década perdida.

Não custa lembrar que já em 1983 o recém-eleito governador oposicionista de São Paulo, Franco Montoro, se viu às voltas com a derrubada das grades que cercam o Palácio dos Bandeirantes. Trabalhadores desempregados tinham entrado em desespero. Pela primeira vez no século 20, o desenvolvimento brasileiro patinou. Entre 1948 e 1980, por exemplo, o PIB per capita brasileiro cresceu a uma média anual de 4,6%. Entre 1981 e 2010, a média anual de crescimento do PIB per capita não passou de 0,8%.

Elliot faz o paralelo com a crise atual da Europa. Afirma que não mexer no sistema financeiro, sem reformas ou punições, é quase garantir uma nova grave crise depois que a atual tiver sido superada.

O caderno de Finanças do Valor dá no mesmo dia título forte para uma matéria do Wall Street Journal: “Ações mexicanas empolgam investidores”. Aqui e ali, discretamente, são feitas advertências. Por exemplo, quanto ao fato de a economia mexicana ser extremamente dependente da americana, cuja recuperação está sujeita a chuvas e tempestades. Não se menciona a tragédia da guerra contra o narcotráfico. É um dado que não entra nas fórmulas matemáticas usadas no mercado financeiro, verdadeiros fetiches do admirável mundo novo em que vivem os habitantes do planeta.