Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O submundo da legalidade

Denunciar o avanço do tráfico em bairros de classe média, na zona sul da cidade, foi o objetivo da pauta feita durante a semana passada. Dois fotógrafos, dois motoristas, um outro repórter e eu fomos em várias bocas de fumo de Rio Preto. Passei por usuário e comprei maconha em quatro delas, sem nenhuma dificuldade e sem cruzar com nenhum carro de polícia. Na noite de sexta-feira (26/6), no final da reportagem, fui até a Delegacia de Investigações Sobre Entorpecentes (Dise) para entregar as quatro porções de maconha e mostrar a lisura da apuração. Resultado: quase fui preso.

Logo que cheguei na Dise, o delegado titular, Fernando Augusto Nunes Tedde, se reuniu com outros dois delegados e um investigador. Eles já sabiam sobre a reportagem e que eu estava lá para entregar a droga que havia conseguido comprar. Enquanto eu esperava do lado de fora, eles estavam decidindo o meu destino. Depois de meia hora de espera, me mandaram entrar e pediram que o fotógrafo ficasse de fora. Logo percebi que algo estava errado.

Tedde perguntou se eu tinha autorização para a compra ou se era usuário. Fui sincero e disse que não para as duas perguntas. Nesse momento ele me avisou que eu estava preso em flagrante delito por infringir o artigo 33 da Lei Antidrogas 11.343/06. Diz o artigo que adquirir drogas ‘sem autorização ou em desacordo com determinação legal’ é crime com pena de reclusão de 5 a 15 anos e pagamento de 500 a 1.500 dias-multa.

Objetivo era a denúncia

Confesso que achei que o delegado estava brincando. Afinal, ele sabia que eu não sou nenhum criminoso e que a compra da droga fazia parte do meu trabalho. Questionei se ele realmente achava justo eu ir preso, enquanto quem me vendeu a droga estava solto, agindo em vários pontos da cidade sem nenhum tipo de punição. Minha pergunta atiçou a ira da autoridade.

Minha chefe de reportagem Rita Magalhães e o advogado do jornal, Luiz Roberto Ferrari, foram avisados e compareceram à delegacia. Pela primeira vez, em muito tempo, senti medo.

Depois de mais de duas horas de conversa, a chefe de reportagem e o advogado conseguiram convencer o delegado de que não houve intenção de cometer crime algum na compra do entorpecente. Disseram que o único objetivo da pauta era a denúncia.

Até que ponto podemos confiar?

Então, o delegado disse que eu não seria preso em flagrante. Foi elaborado um boletim de ocorrência de averiguação. Fui liberado, com a sensação de ter cometido um crime.

A matéria foi publicada no último domingo e abriu a série ‘Submundo das Drogas’ que o jornal traz nos quatro próximos domingos. A série vai abordar as consequências do tráfico na comunidade, a repressão policial e o rastro danoso na vida e na família de usuários.

Naquela noite pensei muito sobre honestidade e tudo mais que aprendi na vida. Se eu tivesse mentido e dito que era usuário de maconha, teria sido liberado na mesma hora e não teria passado por horas de humilhação diante de um delegado. Como seria se eu tivesse sido preso? Até que ponto podemos confiar?

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Jornalista, Diário da Região, São José do Rio Preto, SP