Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O Brasil e a revolução em curso

Em tempos de mídias digitais e de mudança do sistema analógico de televisão
para o modelo de TV digital (TVD), várias transformações se fazem necessárias,
como a preparação dos técnicos e profissionais de comunicação e de
telecomunicação que já se encontram no mercado, ou a atualização dos currículos
universitários na área da Comunicação, para que professores e alunos possam
desenvolver e exercitar a produção de conteúdos audiovisuais digitais.


Isso inclui produção de conteúdos de áudio, vídeo, texto e dados para
diferentes plataformas tecnológicas como celulares, TV digital móvel, rádio e
cinema digital, computadores mediados por internet e videojogos em rede. Uma
produção que pode ser desenvolvida para cada aparelho ou conteúdos voltados para
a convergência entre as diferentes tecnologias, o que exige pensar, desenvolver
e realizar pesquisas para os novos formatos audiovisuais digitais interativos e
interoperáveis.


A TV e rádio digital, os celulares, os videojogos em rede, os computadores
mediados por internet ou os conteúdos audiovisuais pensados para a convergência
exigem novos formatos de programação e também novos modelos de negócios para
essas mídias. Isso porque não é possível comparar os modos de produção
jornalística ou ficcional para TV e rádio analógica com as novas necessidades da
TV e rádio digital, nem simplesmente repassar esses conteúdos para a TV usada em
um computador com acesso a internet. Tampouco é possível desenvolver conteúdos
ficcionais ou jornalísticos para celulares que, além de possuírem uma tela
pequena, exigem outro tipo de linguagem e relação com seus públicos.


No caso da televisão digital, os novos formatos audiovisuais terão de ser
elaborados pensando as possibilidades interativas do público com a TVD, pensando
multiprogramação, acessibilidade, usabilidade (do controle remoto, que poderá
ser usado como um miniteclado) e pensando a melhora considerável da imagem que
permite observar detalhes antes não vistos na TV analógica (rugas, espinhas,
defeitos nos estúdios etc).


Outra diferença importante do sistema analógico para o digital é que é
possível mudar a origem da produção dos conteúdos audiovisuais digitais, até
então restrita a grupos de comunicação como Globo, SBT, Grupo Abril, Record etc.
Ou seja, a produção de conteúdos audiovisuais digitais poderá ser feita por
profissionais de Comunicação ou mesmo por produtores independentes, eliminando a
necessidade de intermediários como os grupos de comunicação brasileiros que há
anos concentram e produzem conteúdos para diversas mídias – como rádio AM e FM,
televisão aberta e por assinatura, TV digital, provedor de internet, jornais e
revistas impressas e por internet, produtoras de filmes e vídeos, empresas
discográficas, agências de notícias, etc. Neste caso, a produção de conteúdos
audiovisuais digitais interativos poderia ser feita desde casa, de um estúdio ou
redação, ou mesmo a partir de uma organização não governamental em um bairro ou
grupo social, representando outras vozes ao discurso informativo e ficcional
atual.


Desenvolvimento da criatividade


Pensando na possibilidade de ampliar a produção de conteúdos audiovisuais
independentes para as mídias digitais e, por conseqüência, abrir novos nichos no
recém criado mercado audiovisual digital, o governo brasileiro apresentou em
2008 a proposta de criar o Centro Regional de Produção de Conteúdos Digitais
para América Latina e Caribe.


Esse Centro foi aprovado no Congresso da Sociedade da Informação para América
Latina e Caribe realizado em El Salvador, em fevereiro do ano passado. Na
prática, isso significa desenvolver políticas nacionais de comunicação e
estimular a criação de centros nacionais em toda a região, atividade que ficou a
cargo do Grupo de Trabalho (GT) sobre Conteúdos Digitais Interativos da
Sociedade da Informação / eLAC 2010, cuja coordenação é brasileira.


Uma das atividades desse GT é realizar seminários internacionais sobre
inclusão e produção de conteúdos digitais interativos com a participação de
diferentes atores sociais, como governos, empresas de diferentes portes, ONGs e
academia, abrindo a discussão sobre as possibilidades de produção de conteúdos
digitais interativos em diferentes mídias e para diferentes áreas em cada país.
Essas áreas abrangem a educação a distância, o jornalismo digital, os produtos
ficcionais audiovisuais, serviços voltados para saúde e cidadania – como marcar
consultas no SUS a partir da TV digital e acompanhar processos jurídicos; ou
serviços bancários, como pagamento de contas, além de projetos de inovação e
tecnologia, alfabetização digital, entre outros.


Outro ponto importante é criar as condições para a criação dos Centros
Nacionais de Produção de Conteúdos Digitais, voltados para o desenvolvimento da
criatividade, da inovação tecnológica e de uma futura venda desses conteúdos
audiovisuais tanto para o mercado interno como externo, gerando renda e um pólo
alternativo de produção, diferente dos já existentes em países como EUA ou
Inglaterra.


Possibilidades de inclusão


Em 2008, foram convocados dois seminários internacionais na região, sendo o
primeiro foi organizado por SELA, na Venezuela (outubro/2008) e o outro
realizado no Brasil pelo Ministério de Ciência e Tecologia (MCT), com o apoio da
Comisión Económica para America Latina e Caribe – CEPAL/Unesco e do governo
federal. O Seminário Internacional sobre Inclusão e Produção de Conteúdos
Digitais Interativos realizado em Brasília (dezembro/2008) contou com a presença
de representantes de 14 países e sua coordenação acaba de lançar o relatório com
as recomendações do evento, assim como a Carta de Brasília (ver
aqui
). Na mesma ocasião, o MCT lançou oficialmente o Centro
Nacional de Produção de Conteúdos Digitais Interativos e Interoperáveis que
ainda se encontra em fase de implantação.


Entre as atividades do Centro Brasileiro estão:


** A realização de oficinas para que profissionais, professores e
estudantes de todo o país aprendam a usar o Ginga para desenvolver conteúdos
digitais interativos e com multiprogramação, pois esse middleware é uma
das grandes contribuições brasileiras para a padrão nipo-brasileiro de TV
digital;


** O levantamento de onde estão localizadas as pesquisas na área
acadêmica voltadas para o desenvolvimento de conteúdos digitais para as
diferentes plataformas tecnológicas existentes atualmente para, em breve, apoiar
esses pesquisadores para que desenvolvam projetos e produtos nessa
área;


** A disponibilização ao público latino-americano e caribenho da
Coleção ‘Comunicação Audiovisual Digital’ em português e espanhol (versão
impressa e eletrônica), estimulando a reflexão e o desenvolvimento de novos
projetos de conteúdos audiovisuais no país e ainda apontar as melhores práticas
na área;


** O desenvolvimento de competência nessas novas áreas da Comunicação
em todo o país.


Nesse sentido, o Brasil busca também tornar-se uma referência na região. Para
isso, estimula a adoção do sistema brasileiro de TV digital (SBTVD) em outros
países e leva seus especialistas para debater e apresentar conferências
mostrando as possibilidades de inclusão através das novas mídias digitais e da
produção de conteúdos audiovisuais na América Latina e Caribe.

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Doutora em Comunicação pela Universidade Autônoma de Barcelona, professora do Mestrado em TVD na UNESP, autora de Por que os reality shows conquistam as audiências? (Paulus, 2006) e Comunicação digital, educação, tecnologia e novos comportamentos (Paulinas, 2008), co-autora de Mídias digitais, convergência tecnológica e inclusão social (Paulinas, 2005)