Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

O campo de jogo agora é outro

Não vou ao jogo de futebol de quarta-feira (19/6)em Fortaleza, Brasil versus México. Gosto do espetáculo, gosto de ver futebol, não sou adepto de time algum, nem sempre me emociono com a seleção nacional – hoje aplaudo o estilo da Espanha mais que qualquer outro. Nesta quarta-feira vou a outro jogo que começou a ser jogado (ou nunca parou?) nas ruas do Brasil, o mesmo que já derrubou um presidente (Collor, em 1992), onde estávamos “todos juntos, numa corrente pra frente”. O Brasil não “acordou”: o país nunca adormeceu. Como dormir com um barulho desses? Conchavos sucessivos entre políticos em todas as escalas do poder retardando o “país do futuro”. Um país coxo (“Brasil, país de papelão”, escreveu certa vez em O Povo o filósofo Daniel Lins) cujos meios de transportes públicos e privados não condizem com a necessidade da população (recentemente retornei de Aracati num sofrível ônibus convencional que detém a linha, segundo maior destino turístico do estado, por conta de Canoa Quebrada: os ricos e políticos vão de helicóptero ou jipões).

País enfermo, o nosso, no qual temos que pagar impostos altíssimos e planos de saúde (quem pode), escola privada para os filhos, carros caríssimos para escapar ao transporte púbico (e se engavetar nas ruas), de preferência (quem pode) carros blindados para não levar um tiro ao volante. País sem educação, não só a escolar, mas também no trânsito, no lixo que se joga em espaço público e sem Estado suficiente para normatizar o que é necessário, mas disposto a reprimir o que é reivindicação justa. A ditadura militar terminou há exatos 25 anos, e o Brasil piorou na condução do Estado. Não é de se estranhar que discursos conservadores e reacionários típico da ditadura ainda encontrem tamanho eco nos meio de comunicação e na boca de políticos truculentos e racistas. Pois contam com a conivência dos “progressistas”, recalcados que, outrora socialistas e comunistas, agora ajoelham-se diante dos altares do poder, abjuram de seus antigos ideais que nos anos de 1980 e 1990 prometiam um país melhor, sempre retardado e adiado. Convém que reflitam porque os movimentos populares em curso rejeitam sua presença entre a massa.

Hora de agir

Na quarta-feira estarei no jogo da rua, manifestação que deve ocorrer simultaneamente ao jogo da seleção brasileira em Fortaleza, sobretudo porque os jovens que lá estarão necessitam de retaguarda e prevenção contra eventuais ataques policiais que Brasil afora são ordenados por pequenos déspotas que antes enfrentavam os militares e hoje ordenam o massacre. Penso como Daniel Lins, para citá-lo mais uma vez, que escrevia já em 2008 no artigo “Encontro em Barcelona (O Povo, 8/6/2008):

“O modo de resistir mudou, mas agir continua de uma atualidade extraordinária. Ainda bem que o Brasil não para de resistir: o país reivindica, entra em greve, de norte a sul, leste a oeste, há um desejo de mudança tanto social quanto cultural. Há uma reação viva em todo o país contra a besteira, contra a morte anunciada das culturas.”

Estarei lá por crer que nos outros, pensadores e intelectuais que presenciam o que estamos a ver, devemos não ter pretensão de vanguarda, mas antes de escudo, antes aprender com a potência desses acontecimentos do que compreendê-los com apriorismos e vistos apenas do conforto de nossas salas e gabinetes. Como disse o intelectual argentino Walter Mingolo, chegou a hora de “pensar e agir a partir de uma premissa totalmente diferente”.

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Túlio Muniz é historiador e jornalista