Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Os GLBTTs e sua inserção na mídia

A comunidade de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros é sempre tratada como ‘atração especial’, ‘polêmica’ pela maioria dos canais de televisão, inclusive os pagos. É sempre estereotipada, ligada ao mundo da festa e da promiscuidade.

Se muito das lutas travadas pelos GLBTs são emperradas no Legislativo de todo o país – o projeto sobre partilha de bens entre pessoas do mesmo sexo, de autoria da então deputada Marta Suplicy, vai completar 10 anos de gaveta –, isto se deve a este tratamento da mídia. Quando se trata de temas da própria mídia, o empenho é total, vide quando o governo enviou ao Congresso o projeto do Conselho Federal de Jornalismo: o bombardeio veio de todos os canais de mídia. Agora, quantas vezes vimos jornais, rádios e canais de televisão fazendo um amplo debate a respeito da adoção por parte de casais gays?

Mas em programas humorísticos, novelas e coisas do tipo adoram colocar a ‘bicha’ caricata, o travesti espalhafatoso, ou seja, a mídia em geral necessita de uma reflexão a respeito de sua concepção em relação ao universo GLBTT, ou esta comunidade continuará a sofrer preconceito de todos os tipos. Vivemos numa sociedade consumidora de televisão que, portanto, constrói seus pontos de vista, alimenta a sua imaginação em relação a alguns setores da sociedade pelo que vê na tela.

Comunicação comercial

Em recente programa humorístico do canal MTV, O Proxeneta, criação da mesma trupe de Hermes e Renato, entre as personagens da novela trash há uma cujo nome é ‘Bichinha de Souza’, forma caricata e debochada de representação de um transexual que ganha a vida a vender drogas numa favela. Na tela, o riso, e na vida real? Tem-se aí um exemplo de como a TV deturpa uma realidade fatídica: muitos transexuais, por não conseguirem entrar no mercado de trabalho, caem no tráfico e principalmente na prostituição, ou seja, nada de engraçado. Apesar do tropeço, o canal musical promoveu o primeiro beijo gay ao vivo em horário nobre, no programa Beija sapo, mas, ainda assim, no formato ‘beija sapo especial’.

Com medidas simples, a televisão ajudaria muito se mudasse a forma como personifica certos atores da vida real. Por incrível que pareça, temos dois exemplos de bom serviço prestado por programas de TV. Um deles é o seriado veiculado pelo canal pago Warner Channel, The L World, relato do cotidiano de amigas lésbicas, de forma clara, sem apelar a estereótipos; o segundo exemplo, olha só, está no folhetim de Manoel Carlos, Páginas da vida, em que um casal gay é mostrado estabelecido e sem estereotipo, um casal do dia-a-dia.

Outro fato notório é quando se realiza a Parada do Orgulho GLBTT em São Paulo: o tratamento da pauta por jornais, sites e programas de televisão é triste. Limitam-se a falar dos hotéis da região dos Jardins que esgotaram as vagas, do numero de participantes, mostram travestis, enfim, o foco fica em cima da festa, e se esquecem de falar do movimento que culminou nesta manifestação. Como disse no começo, para os grandes canais de mídia parece que os GLBTTs vivem em festa e promiscuidade, o tema da parada fica em quinto lugar, não é debatido pelos jornais, a população heterossexual não é chamada ao debate, a comunicação social não é feita, apenas comunicação comercial.

Segmento maltratado

Para encerrar, dias desses um amigo me mostrou um panfleto, meio de comunicação dos mais antigos, distribuído na rua, contendo um trecho que, além de preconceituoso, incita ao sexismo:

Em países ocidentais, grupos religiosos nomeiam gays e lésbicas como ministros em suas igrejas e pressionam o governo a reconhecer o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Mas o que a bíblia ensina? Ela diz de forma clara: ‘não sejais desencaminhados. Nem fornicadores, nem idólatras, nem adúlteros, nem homens mantidos para propósitos desnaturais, nem homens que se deitam com homens…

Não há muito para se falar a respeito. Tal panfleto era distribuído na rua e ainda dizia que tais frutos da sociedade são frutos podres, pasmem! É para conter tal intolerância que os canais de mídia devem rever a forma como abordam este segmento da sociedade, já tão maltratado por leis que não os reconhecem e por programas televisivos que perpetuam preconceitos e estereótipos.

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Jornalista, São Paulo