Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Os inúmeros números

Os números que ajudam a quantificar uma realidade contribuem também para o distanciamento do que se examina. No caso da educação brasileira, o Ideb de 2009 (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) recentemente divulgado nos revela aspectos da realidade e ao mesmo tempo dispersa nossa atenção.

As reações permitem alguns comentários. No Estado de S. Paulo de 06/07, o julgamento se inicia com um ‘apesar’, advérbio que indica a percepção de contrastes:

‘Apesar de registrar alguns avanços, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica […] mais uma vez mostrou por que o setor continua sendo apontado como um dos principais gargalos do desenvolvimento do país.’

O receio é de que os modestos números com relação à qualidade educacional não acompanhem as atuais expectativas de empregadores, investidores, empreendedores, empresários, governantes. A formação escolar, neste caso, é um elemento entre outros na vida econômica nacional. A pergunta de sempre: a quem interessava e por que se permitiu a criação do gargalo?

Uma comparação sem sentido

Demétrio Weber, repórter de O Globo, em matéria do dia 05/07, inicia suas ponderações com um gesto de transigência (‘ainda que’):

‘Ainda que o Ideb tenha crescido,— e isso é bom—, o nível de aprendizagem no Brasil continua baixo. Tanto que as notas obtidas pelos estudantes em língua portuguesa e matemática seguem abaixo do patamar atingido em 1995, quando o MEC começou a aplicar provas padronizadas que permitem comparação no tempo.’

Contudo, a língua portuguesa e a matemática (ainda seria preciso saber como se ministram essas disciplinas nas salas de aula brasileiras) não esgotam as possibilidades criativas dos alunos. São importantes, mas o desenvolvimento de um povo também se manifesta em outras ‘gramáticas’ e ‘equações’. Quantos futuros biólogos, geólogos, filósofos, arqueólogos, músicos, dançarinos, esportistas, guias turísticos, anedotistas, desenhistas, aderecistas, maquetistas, alfarrabistas, modelistas e outros mil ‘istas’ deixaram de contribuir para um panorama mais favorável?

Uma terceira reação. Matéria do Jornal da Band (em 05/07) menciona os ‘melhores’ e ‘piores’ estados de acordo com o Ideb. Ora, tal comparação não faz o menor sentido. Ao contrário, cabe ao MEC e à mídia desestimular esse tipo de competição. Se o Pará é o que apresenta os ‘piores’ indicadores, convém lembrar numa nota de rodapé às tabelas e inúmeras cifras que, nesse estado, os professores, pais e alunos sofrem com escolas sem água, sem energia elétrica, sem telhado, sem banheiro…

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Doutor em Educação pela USP e escritor – www.perisse.com.br