Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Os jornais e os presídios

A crise no sistema carcerário do Espírito Santo, com superlotação e uso de contêineres e celas metálicas, tem provocado reações de diversos leitores nos últimos dias, por meio de e-mails, telefonemas e manifestações na internet, nas redes sociais e em blogs. Algumas manifestações generalizaram a crítica à cobertura da imprensa local, como se ela fosse um bloco uniforme. Isso faz lembrar a crítica recorrente ao ‘complô da mídia e das elites’, feita por certos segmentos políticos.


Ignoram os autores desse tipo de crítica que os veículos de imprensa são concorrentes: disputam leitores, telespectadores, anunciantes, mercados. A cobrança sobre a crise nos presídios ganhou fôlego depois que foi abordada pelo jornalista Elio Gaspari, em sua coluna no Globo e na Folha de S. Paulo [domingo, 7/3; ver ‘A Tribuna blinda o governador]. Isso deu vazão à falsa tese de que certos fatos só ganham destaque na imprensa nacional. A Gazeta, como se sabe, não é o jornal local que publica a coluna no Espírito Santo. Mas a atuação da Rede Gazeta entrou na linha de tiro, apesar de termos feito uma cobertura correta sobre esse tema desde o início.


Além do factual


O drama nos presídios, com execuções, rebeliões e reféns, sempre foi alvo de nosso trabalho, mesmo antes das visitas e vistorias de ONGs e conselhos nacionais, incluindo o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.


Ainda no início da administração Paulo Hartung, no seu primeiro mandato, o juiz da Vara de Execuções Penais, Carlos Eduardo Lemos, era uma fonte sempre presente em nossas apurações. Ele apontava os abusos no sistema carcerário, dando visibilidade ao problema. Seu setor acabou passando por uma reorganização interna e ele foi deslocado da função.


No relatório sobre a visita aos presídios do Espírito Santo, de 27 de abril do ano passado, o então presidente do Conselho Nacional de Política Criminal, um órgão ligado ao Ministério da Justiça, Sérgio Salomão Shecaira, nas suas conclusões, propõe o seguinte: ‘Expedição de ofício ao Tribunal de Justiça e ao Procurador Geral de Justiça do Espírito Santo para que tomem providências sobre o descumprimento de ordem judicial quanto à interdição das celas denominadas de forno micro-ondas, conforme denunciado pelo jornal A Gazeta…’ Ou seja, o relatório tomou por base uma denúncia da Gazeta.


O caso só ganhou maior repercussão no país depois de matérias do repórter André Junqueira, da TV Gazeta, que foram veiculadas no Jornal Nacional, há cerca de um ano. A TV Gazeta também emplacou reportagens no Jornal Hoje, no Bom Dia Brasil e até no programa da Ana Maria Braga. ‘Com direito a um pito dela ao vivo no governador’, lembra Junqueira. Tivemos ainda ampla cobertura no Gazeta Online e na Rádio CBN, também com inserções em rede nacional.


A editora de ‘Dia a Dia’ do jornal, Cintia Alves, durante a produção de uma reportagem veiculada na terça-feira (9/3), contou a publicação de mais de 20 manchetes internas ao longo do ano passado. Daria uma média de uma manchete a cada duas semanas sobre superlotação, contêineres e micro-ondas. Algumas iam além do factual e buscavam a interpretação: ‘Por que as cadeias chegaram a este ponto’. Esta, de 28 de maio do ano passado, listava algumas questões: lentidão da Justiça, falta de defensores públicos e de penas alternativas.


Diálogo enriquecedor


A crise é grave, claro, mas, além dos fatos jornalísticos, ela ganha também perspectiva eleitoral. É notória a exploração política que alguns fazem sobre o assunto. É o jogo jogado: é natural que os adversários do governo batam no seu ponto mais fraco, a segurança, os presídios, o alto índice de homicídios, que está na casa dos 2 mil por ano.


O governo tem apresentado seus argumentos: investiu em presídios mais de R$ 380 milhões nos últimos três anos, deve abrir mais de 5 mil vagas e contratar agentes e defensores públicos, cumprindo o acordo com o CNJ. O padrão de comparação com governos passados pode não ser dos mais difíceis, dado o fracasso de antecessores, mas este é, de fato, o primeiro governo desde 1991 que conseguiu reorganizar a máquina e recuperar a capacidade de investimentos, inclusive em prisões. A situação nos presídios realmente é um horror, mas seria injusto, do ponto de vista histórico e jornalístico, não reconhecer os avanços. O jogo eleitoral é outro papo.


De todo modo, a manifestação dos leitores, por e-mails ou redes sociais, é legítima, embora nem sempre precisa, como se vê. Esse diálogo enriquece a produção jornalística e mostra como a internet pode ser aliada da mídia tradicional, e da imprensa escrita, em particular. Esse tipo de controle social, o do leitor, é o melhor que pode existir.

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Jornalista e editor executivo de A Gazeta