Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Os novos consensos da imprensa brasileira

O comportamento da imprensa brasileira em relação a assuntos de política internacional sempre foi pautado pela visão norte-americana de enxergar o mundo. Até hoje, nós sabemos muito mais do que acontece internamente nos EUA do que nos países vizinhos da América do Sul. Vale sempre lembrar que a mídia apoiou o golpe de 1964 e o período da guerra fria ajudou os grandes grupos de comunicação a literalmente fabricar consensos em torno do ‘perigo vermelho’, ou ‘comunista’. Todas as ações brutais de ditaduras latino-americanas e intervenções militaristas dos EUA em países da América Central eram ‘justificadas’ pelo medo do comunismo.

O Muro de Berlim caiu, mas alguns até hoje crêem em uma armação das esquerdas que estão tomando o poder através dos processos eleitorais para implantar de vez o comunismo no mundo. A imprensa brasileira seguiu e segue os ditames e formulações do Departamento de Defesa dos EUA para classificar ‘bons’ e ‘maus’ governos. Se George W. Bush disse que o Irã, a Coréia do Norte e o Iraque eram o ‘eixo do mal’, então a mídia repetia isso e pronto, eles são do mal. As outras ditaduras, inclusive árabes, apoiadas até hoje pelos Estados Unidos, tudo bem. Como os EUA não tinham mais o comunismo como inimigo a ser combatido, então veio a guerra às drogas, o terrorismo islâmico e com isso puseram em prática novamente métodos de tortura e invasão de países.

Política guiada por ideologias

Por aqui, a imprensa prega o medo do ‘chavismo’ ou ‘neo-populismo’, pois qualquer governo que tenha políticas públicas distributivas objetivando os mais pobres, pronto, já é tachado de populista. Aqui, a verborragia de analistas e jornalistas é contra Bolsa-Família e cotas. Por que será que isso incomoda tanto se o dinheiro destinado ao Bolsa-Família, por exemplo, é um pingo no oceano dos gastos do governo? Será que é porque são políticas públicas voltadas para pobres e negros? Mera coincidência, com certeza.

A imprensa brasileira tem como novo Fidel Castro a ser demonizado o presidente venezuelano Hugo Chávez. Embora tenha perfil autoritário, não é um ditador, mas isso não importa, pois o que importa é jogar essa pecha nele. No Brasil, as manifestações de estudantes sempre são criticadas e rechaçadas pela imprensa, ainda mais se for contra o seu candidato, que é José Serra. Na Venezuela ou na Bolívia, eles são as vítimas, pois lutam pela ‘democracia’. Qualquer país que se aproxime da Venezuela o faz por motivos ‘ideológicos’, segunda a nossa mídia.

Frequentemente a grande imprensa bate forte na política externa do governo dizendo que é guiada por ideologias. Nada a ver, pois quem é ideológico é a imprensa: se um país não aceita ter relações diplomáticas e econômicas com a Venezuela por causa das idéias do seu presidente, isso sim, é ser ideológico.

Paranóia antiesquerdista

Aliás, Hugo Chávez virou o falso pretexto perfeito para a direita latino-americana ressuscitar o medo do socialismo, agora bolivariano. Com isso, estão tentando ‘justificar’ o golpe militar em Honduras e agora recentemente a instalação de bases norte-americanas na Colômbia. Neste caso, Alvaro Uribe é o presidente predileto e modelo da nossa imprensa, mesmo tendo relações muito amistosas com narcotraficantes e paramilitares. A guerra às drogas implantada pelos EUA através de bilhões de dólares, destinados principalmente à Colômbia, mostrou-se ineficaz e falsa, pois tanto a produção quanto o consumo de entorpecentes cresceu no mundo.

Um exemplo desse jornalismo engajado ideologicamente daqui foi quando vi Boris Casoy, em mais um de seus comentários reacionários, dizer que a instalação de bases militares dos EUA na Colômbia era justificada devido à ‘ameaça chavista’. A mídia fica alardeando sobre compra de armamentos pelo governo venezuelano, mas se esquece que os países que mais gastam com exército na América Latina são Brasil e Colômbia. Alguns até recuperam os clichês da Guerra Fria dizendo que o perigo é que Chávez está se aproximando dos russos. Como se vê, a paranóia antiesquerdista ainda esta viva na América Latina, pelo menos nos grandes meios de comunicação.

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Professor de Biologia, Piracicaba, SP