Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Os telepastores e o artigo 171

Além de serem réus em vários processos por crimes de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e estelionato na Justiça paulista, que já acolheu o pedido de prisão preventiva encaminhado pelo Ministério Público (MP) estadual, os fundadores da Igreja Renascer em Cristo, o ‘apóstolo’ Estevam Hernandes Filho e a ‘bispa’ Sônia Haddad Hernandes, agora estão às voltas com a Justiça americana, acusados de crime de falsidade ideológica e contrabando de papel-moeda. Os dois foram detidos no Aeroporto de Miami com US$ 56 mil escondidos na bagagem, após terem afirmado às autoridades aduaneiras que levavam menos de US$ 10 mil.


A prisão foi noticiada pelas redes mundiais de tevê, como a CNN, a Fox e a CBS, e pelos principais jornais americanos, como The New York Times e o Los Angeles Times. Este último descreveu a Renascer como ‘uma dessas igrejas que existem para enriquecer seus donos’, oferecendo ‘promessas vagas de salvação e fé’. A ‘bispa’ e o ‘apóstolo’ se encontram em celas separadas numa prisão da Flórida. Se a denúncia-crime for acolhida pela Justiça e forem considerados culpados, no julgamento de mérito, poderão ficar presos por até cinco anos. Eles também podem ser extraditados para o Brasil, onde terão de aguardar na cadeia o julgamento da Justiça paulista e, também, o da Justiça Federal, pois o MP federal irá processá-los por crime de evasão de divisas.


Carros blindados


A trajetória de Estevam Hernandes e da Renascer em Cristo em nada difere de outros empreendimentos do gênero, como as igrejas Universal do Reino de Deus, do ‘bispo’ Edir Macedo, e a Internacional da Graça de Deus, fundada por seu cunhado, o ‘bispo’ Romildo Soares. As três estão organizadas em moldes empresariais e cresceram recorrendo a técnicas de marketing, utilizando em larga escala o rádio e a televisão. O ‘apóstolo’ Estevam foi funcionário da área de marketing de grandes empresas e, a exemplo de Macedo e Soares, também se apresenta como ‘televangelista’.


A Renascer, dos Hernandes, é proprietária da Rede Gospel e de uma torre de transmissão em São Paulo. Macedo é dono da TV Record. E Soares, que ocupa boa parte do horário nobre da TV Bandeirantes, é proprietário da Rede Internacional de Televisão, com 35 retransmissoras, e está preparando o lançamento de uma tevê paga por satélite com canais evangélicos. Além de levarem uma vida faustosa, oposta ao que pregam, os três telepastores têm em comum o objetivo de expandir suas atividades no exterior. A Universal atua na África e na Europa. A Graça de Deus tem templos no Japão e negocia a transmissão do Show da Fé com emissoras árabes. E Hernandes vinha investindo nos EUA.


‘Catequizando’ pessoas ingênuas e de boa-fé à procura de apoio moral para enfrentar as agruras da vida, as igrejas ‘evangélicas’ exploram seus prosélitos angariando valores milionários em troca de todo tipo de promessa. Registradas como entidades filantrópicas e sem fins lucrativos, não pagam Imposto de Renda e operam por meio de empresas criadas com o objetivo de transferir para ‘laranjas’ e paraísos fiscais a receita do dízimo. Em 2005, a Polícia Federal apreendeu, no Aeroporto de Brasília, caixas com dinheiro vivo num jatinho da Universal. Em reportagem publicada pelo Estado, a mãe de um piloto de helicóptero que serviu aos Hernandes e morreu na noite do Natal de 2005, após levá-los a uma festa, contou que o filho era coagido a transportar de madrugada malotes de dinheiro trazidos por carros blindados, sem poder observar as normas de segurança de vôo.


Concessões de radiodifusão


Os mercadejadores da fé há muito tempo incorrem em vários artigos do Código Penal, a começar pelo 171, que classifica como estelionatário quem induz ‘alguém em erro, mediante artifício, ardil ou outro meio fraudulento’. Mas, embora o MP já tenha feito dezenas de denúncias contra os telepastores, até hoje eles continuam ocupando livremente o horário nobre da tevê para explorar a boa-fé de seus seguidores, praticando o estelionato de modo acintoso.


Custa crer que as autoridades até hoje nada tenham feito para tirá-los do ar, pois rádio e televisão são concessões públicas.