Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Para uma nova narrativa do cotidiano

No lançamento do livro A Imprensa e o Coronelismo no Sertão do Sudoeste, de Jeremias Macário, na Biblioteca Infantil de Itapetinga-BA, discorremos sobre o tema ‘Importância da imprensa para o desenvolvimento’. Nesse caso, fizemos uma retrospectiva histórica sobre o que é a imprensa e aquilo que hoje chamamos ‘desenvolvimento’, um conceito que está em desconstrução, diante da atual conjuntura planetária.

Um sistema de comunicação é essencial a qualquer ação política e organizacional; isso é uma premissa lógica. O Império Romano, por exemplo, organizou um sofisticado sistema de comunicação que possibilitou a inter-relação em seu vasto território, deliberando o controle e ação dos governos, o comércio e a manutenção do poder sobre as colônias. Entretanto, o tipo de comunicação jornalístico (imprensa) que conhecemos hoje tem sua gênese no século 16, a partir da invenção dos tipos móveis de chumbo fundido por Johannes Gensfleisch zur Laden zum Gutenberg.

A revolução da imprensa é algo muito importante, pois possibilitou a expansão do conhecimento livresco, antes preso aos mosteiros e à Igreja Católica, no Ocidente.

Capitalismo tardio

Com o surgimento da impressão, surge a imprensa que seria usada para divulgação de maneira rápida e em grande quantidade das idéias, invenções e questionamentos emergentes através de boletins com certa periodicidade (diária, semanal, semestral, anual). Nesse caso, a Reforma Protestante e a Revolução Burguesa foram eventos fundamentados, em parte, pela ação da imprensa, que divulgou suas idéias. Hegel disse em algum lugar: ‘A imprensa é bíblia do Homem moderno’, dada sua importância. Assim, a imprensa nasce comprometida e especificamente com um modo de pensar burguês-protestante que amamentou diretamente o capitalismo nascente. Em outras palavras, o jornalismo formava-se atrelado ao modo de produção que se desenvolvia, submetendo-se ao comércio e à indústria. Mais tarde, a Revolução Industrial plastifica a hegemonia capitalista nos países da Europa Ocidental com suas conseqüências em todo o mundo.

No Brasil, a imprensa chega tardiamente. Enquanto no México desde 1540 já há indícios de periodicidade de veiculação de idéias, no país colonizado pelos lusitanos a imprensa só chegou em 1808 clandestinamente, por iniciativa de Hipólito José da Costa, que editava o periódico Correio Brasiliense, onde se veiculavam idéias republicanas e elitistas. Contudo, após isso, a indústria a e as conseqüência do desenvolvimento industrial tardio foram narrados e sustentados ideologicamente pela imprensa nativa, sempre ligada à elite econômica local.

O ser humano fragilizado

Após relembrarmos essa história da imprensa e seu compromisso fundamental, dialogamos com o livro O Reino e O Poder, de Gay Talese, onde esse jornalista narra a história da criação e consolidação do jornal The New York Times, que editou e ao mesmo tempo participou da implantação do Estados Unidos como superpotência, determinando e influenciando a cultura, a política, a economia dessa nação no século 20.

Em outro livro, Chatô, o Rei do Brasil, de Fernando Morais, o jornalista conta a trajetória de Francisco de Assis Chateaubriand, fundador dos Diários Associados e o homem que concebeu a imprensa como iniciativa privada que se atrela ao Estado, iniciando na imprensa a lógica industrial, oligopolizada e coronelizada. Inovador, Chateaubriand trouxe para o Brasil a televisão (década de 1950), que a partir de 1964 se tornaria o principal meio de comunicação brasileiro, promovendo a unificação do discurso nacional – especificamente pela Rede Globo – e justificando o poder ditatorial dos golpistas militares.

Atualmente, a imprensa continua a ser porta-voz dos detentores da força de produção e da ideologia vigente. Mais que porta-voz, ela se insere no modelo de produção capitalista vendendo um serviço, participando da produção: ‘As matérias pagas no jornalismo e revistas, principalmente anúncios das prefeituras e dos órgãos oficiais, não são identificadas como publicidade. Os espaços pagos se confundem com as reportagens jornalísticas e o leitor fica sem saber diferenciar o que é publicidade e jornalismo’ [Jeremias Macário. p. 147]. No entanto esse projeto sócio-político-cultural-econômico-científico montado ao longo dos séculos e apoiado pela imprensa esgota-se, pois vive-se uma crise de proporções inimagináveis. O modelo de produção atual deixa de fora dos benefícios capitalistas 2/3 da humanidade. Não há equidade social, conseqüentemente não há paz, igualdade, fraternidade e liberdade. Além disso, o organismo Terra esgota-se num desequilíbrio inimaginável, desencadeando catástrofes que ameaçam a existência dos seres vivos. Moral, social e espiritualmente, o ser humano está fragilizado porque o desenvolvimento hoje entendido e expressado pela civilização não corresponde ao verdadeiro ethos humano que é o zelo, o cuidado, o respeito e comunhão entre todos os seres vivos.

Uma nova esperança

A insustentabilidade do atual modelo sócio-político-cultural-econômico-científico de desenvolvimento, que se tornou único paradigma a ser expresso pela imprensa, agora é questionada e o jornalismo alternativo emerge para assumir uma posição ecológica num nível mental, social e ambiental, protagonizando novos caminhos para a comunicação. Em outras palavras, faz-se necessário tornar-se porta-voz da sociedade, tornar-se jornalismo-cidadão, educativo, comprometido com as demandas da população, da sociedade e do planeta em sua completude. O jornalismo deve ser ator fundamental de uma nova narrativa humana, agora de cunho ecológico.

As grandes empresas de comunicação não assumirão em seu discurso tal posição, que isso fique bem claro. Entretanto, surgem alternativas nos pequenos meios, nos boletins, na internet – com mais democracia e mais heterogeneidade de discursos. A civilização ocidental moldada e cristalizada com a ajuda da imprensa agora se desfigura a ponto de desabar. No entanto, creiamos numa nova esperança que surge comprometendo todos, inclusive e especialmente o jornalismo. Se o historiador narra os grandes fatos, estes são feitos no cotidiano e o cotidiano é narrado pelo jornalismo.

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Jornalista, escritor e pós-graduando em Meio Ambiente e Desenvolvimento no Centro de Ensino, Pesquisa e Extensão Socioambiental na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Itapetinga (BA)