Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Paula Pacheco e Luiz Alberto Weber

‘A MÍDIA AGONIZA, CHAFURDADA em dívidas de mais de R$ 10 bilhões – cifra com a qual trabalha o setor. Às voltas com suas caixas-pretas, pede socorro ao governo para sair de uma enrascada que, mais do que conjuntural, tem a ver com a forma equivocada, às vezes nababesca, de administrar.

Na frente das câmeras e nas manchetes de jornais, esquenta a briga que envolve três protagonistas: Globo, Record e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O resultado de disputas – veladas ou escancaradas – já é certo. Ao todo, R$ 4 bilhões deverão sair dos cofres do governo para financiar as empresas de comunicação.

0 socorro do BNDES, banco governamental de fomento que costuma tomar suas decisões com base em critérios técnicos nos gabinetes do prédio-sede, no Rio de janeiro, desta vez ganhou o rumo de Brasília. Tal qual aconteceu em discussões recentes, como a crise nas empresas do setor elétrico e de aviação, a proposta do BNDES de ajuda à mídia chegou ao Congresso Nacional.

Oficialmente, fala-se que foi uma forma de dar transparência ao processo. Darc Costa, vice-presidente do BNDES, um arraigado nacionalista e o responsável pelo modelo proposto às empresas, vai além ao explicar o tratamento diferenciado dado neste caso:

– A idéia de um Estado Nacional passa pelo setor. Se o País abre mão da mídia, abre mão da própria liberdade, vira um Estado refém.

É fato que o governo e o banco quiseram pulverizar o risco de a opinião pública entender a ajuda como um controle implícito da mídia em ano de eleição municipal e quando as cobranças em relação ao governo do PT começam a ficar mais latentes.

A proposta do BNDES, ainda sem um modelo definitivo, está dividida até o momento da seguinte forma: até R$ 2 bilhões devem ser destinados à reestruturação de dívidas (com o limite de até R$ 500 milhões para cada grande grupo de mídia impressa, rádio ou tevê), R$ 800 milhões serão disponibilizados para investimentos e R$ 1,2 bilhão para o financiamento de compra de papel-jornal de fornecedores nacionais. Não se sabe ainda qual será o prazo para pagamento dos financiamentos e a taxa de juro cobrada. Segundo 0 banco, porém, não será muito diferente do que se aplica hoje a outras atividades. Hoje, o que se cobra é 5%, ao ano, mais TJLP. O banco também não sabe como vai definir critérios para a liberação de crédito, já que certamente a procura será maior que o dinheiro ofertado.

O descontrole cambial de 2002 dificultou a situação das empresas de mídia. Endividadas em moeda estrangeira – muitas delas por causa de peripécias financeiras feitas sob o pretexto de expandir os negócios -, viram o crédito minguar. No caso da compra de papel, em dólar, a dificuldade é maior por causa da dependência quase exclusiva de fornecedores estrangeiros. Para o BNDES, o crédito destinado à compra da matéria-prima no mercado local incentivará a indústria nacional a investir no aumento de produção.

Desde a Constituição de 1942 o governo concede isenções para a importação de papel de imprensa. A única empresa a produzir esse tipo de papel no Brasil é a norueguesa Norke Skog Pisa, que tem uma unidade fabril no Paraná e está com um projeto pronto para a compra de uma máquina com capacidade suficiente para atender a praticamente 100% da demanda nacional.

É certo que nos casos de reequacionamento de dívida o empréstimo não será feito diretamente pelo BNDES, mas por meio de banco repassadores. Foi a maneira encontrada pela instituição de não vincular seu nome ao das empresas de mídia e compartilhar os riscos. Caberá ao agente financeiro acompanhar a aplicação dos recursos emprestados. Já o BNDES tem como missão, além de abrir o cofre, fiscalizar esses processos por meio de auditorias. Aviso aos navegantes: só colocará as mãos na grana quem publicar balanço e atender às normas de governança corporativa (leia-se transparência nas informações financeiras). Números mágicos, lembra o BNDES, não atenderão às exigências do banco.

Apesar de muito se discutir sobre a desvirtualização do papel do BNDES no caso do empréstimo para pagamento de dívida, não é a primeira vez que se empresta dinheiro para sanar empresas. Se comparado com outros setores, o da mídia é um dos mais endividados. No topo do levantamento da Economática, feito com as empresas de capital aberto, está o setor de energia, que finalizou 2003 com dívidas de R$ 44,8 bilhões.

No governo Lula o banco criou o programa de refinanciamento do setor elétrico, que disponibilizou R$ 2 bilhões. A dívida da mídia é inferior a um quarto do que deve o setor elétrico, no entanto deverá morder mais que o dobro do BNDES.

Os debates sobre o pacote bilionário começaram no Senado. Está marcada para quarta-feira 14 a segunda rodada de discussões entre os integrantes da Comissão de Educação, o BNDES e representantes de jornais e revistas. Foram convidados Carta Capital, O Estado de S. Paulo, Editora Três, Organizações Globo, Editora Abril, Grupo Folha, Jornal do Brasil e Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC).

Ruy Mesquita, diretor do Grupo Estado, falou sobre o tema na segunda-feira 5, no Programa Roda Viva, da TV Cultura:

– É uma ajuda igual à dada a qualquer outra empresa. O Lessa (Carlos, presidente do BNDES) sabe que nunca tomou tanta paulada como agora. Continuamos sendo críticos, com ou sem ajuda. Não temos problema nenhum se o BNDES não conceder o empréstimo.

Bem, si é vero, imagina-se que Mes-quita deve estar a falar por si, não pelos outros.

José Antônio Nascimento Brito, presi-dente do Conselho Editorial da Companhia Brasileira de Multimídia, holding das empresas de comunicação que utilizam as marcas Jornal do Brasil e Gazeta

Mercantil, afirma que o grupo não tem interesse em usar a linha de financiamento voltada à renegociação de dívidas. ‘Somos favoráveis a que o setor seja tratado pelo BNDES como qualquer outro. Porém, que se faça uma avaliação sobre cada empresa ou grupo econômico em relação às suas atividades e condutas no mercado’, adverte. Não se fala o que foi feito do gigantesco passivo do jornal do Brasil.

principais emissoras de tevê – setor

O primeiro encontro na Comissão de Educação, ocorrido em 22 de março, incluiu apenas os donos e executivos das principais emissoras de tevê – setor com o maior nível de endividamento, segundo dados do Banco.

A Comissão de Educação do Senado nada quer e nada faz para discutir a sé-rio, com todas as implicações, o em-préstimo do BNDES para as empresas de mídia. Ao contrário, quase todos os senadores parecem querer pajear o empréstimo, tirar uma casquinha dessa operação e aparecer bem na mídia.

De acordo com o vice-presidente da comissão, senador Hélio Costa (PMDB-MG), o programa de socorro deve ser amplo e atender às mídias de todos os tamanhos.

‘A crise é geral’; diz Costa. O empréstimo, para o senador, garantiria a nacionalização do setor. ‘Já temos uma enorme participação t’ estrangeira nas telecomunicações,

nas tevês a cabo, por isso defendo ‘: que a imprensa brasileira fique

em mãos nacionais.’

Poucas são as vozes dissonantes dentro da comissão, formada por 27 titulares e 27 suplentes de nove partidos. O senador Osmar Dias (PDT PR) é contrário porque, para ele, o empréstimo serviria apenas para socorrer empresas endividadas. ‘Essa linha de crédito é de uma estranhe- za absoluta. Defendo que os empréstimos sejam usados tão-somente para investimentos. Esse dinheiro não vai criar emprego, vai servir para tirar empresa de UTI’, afirma Dias.

Ligado à Record, o senador Marcelo Crivella (PL-RJ) diz que essa é a maior crise da história da mídia nacional. Segundo ele, houve endividamento recorde do setor nos anos 90 embalado por empresas que captaram dólares no exterior para modernizar suas emissoras e plantas industriais. ‘Como não houve crescimento, frustraram-se as expectativas de dias melhores’, diz ele. Crivella vai além:

‘A viúva vai ficar com a conta’.

A mazela financeira da Globo explica o fato de as tevês terem sido consideradas prioritárias nas discussões com o Congresso. A Globopar, dona de um passivo de US$ 1,7 bilhão e cujo principal negócio é a tevê, seria a responsável pelo movimento patronal em direção ao governo.

A empresa, em default há dois anos (sem pagar os financiamentos ou juros a seus credores), teria procurado isoladamente o governo para pedir ajuda. A resposta: o caminho seria o socorro ao setor. A partir daí foi só mobilizar a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), entidade da qual é senhora, e arregimentar outras empresas com a corda no pescoço. A Globo foi procurada e não quis comentar o assunto.

A Abert, a Associação Nacional dos jornais (ANJ) e a Associação Nacional dos Editores de Revistas (Aner) fizeram as contas e chegaram ao tamanho do buraco: R$ 10 bilhões. 0 calhamaço preparado por Maria Sílvia Bastos Marques, consultora e ex-presidente da companhia Siderúrgica Nacional (CSN), segundo palavras de um dos negociadores do BNDES, assim que examinado foi direto para o lixo. ‘Era um amontoado de matérias de jornal sobre a situação da empresa’, revela. O jeito foi chamar os principais donos da mídia, em grupo ou um a um, para conhecer a real situação do setor. ‘Praticamente começamos do zero’; lembra. Mesmo assim, técnicos do banco, talvez por hábito, usam a mesma cifra nas conversas.

Apesar de ter seis meses, o levantamento apresentado pelas entidades traz dúvidas até hoje. Um presidente de emissora e ex-diretor da Abert diz que quem pagou pelo estudo foi uma empresa de comunicação do Rio, uma do Rio Grande do Sul e duas de São Paulo.A Abert, que encabeçou o movimento rumo ao BNDES, foi procurada durante três semanas por CartaCapital e informou por meio da assessoria de imprensa que não falaria enquanto o assunto estivesse em discussão no Congresso.

A Abert perdeu dois de seus sócios depois que decidiu encampar a história da ajuda financeira para equacionar o caixa das empresas. Record e RedeTV! Sustentam não Ter participado da proposta.

Na quinta-feira 1° de abril, um grupo de representantes de entidades patronais, liderado pela Abert, foi ao BNDES para reforçar o apoio ao projeto e o caráter de urgência de sua aprovação (leia-se pressão, segundo relatou um dos executivos do banco).

No BNDES o tema não é tratado como prioritário e deve seguir o rito de outros pacotes. A previsão é de todas as discussões sobre o tema se encerrem até maio para que, a partir do segundo semestre, as empresas se ajustem às exigências, apresentem as propostas e aguardem a liberação do dinheiro até o fim do ano.

Um capítulo à parte no imbróglio da mídia é a Rede Record (leia mais na pág. anterior), considerada a principal caixa-preta entre os grandes grupos de comunicação. A emissora do bispo e empresário Edir Macedo, mentor da Igreja Universal do Reino de Deus, não abre seus números nem com reza brava. Perguntado sobre a ligação entre a igreja, arrecadadora do famoso dízimo entre seus fiéis, e a tevê, o presidente da emissora, Dennis Munhoz, diz não haver nenhuma relação entre os caixas.

A Universal, segundo ele, colabora com as finanças da tevê apenas por meio da compra de horários em que são exibidos os programas religiosos. No entanto, Munhoz não informa de quanto é essa participação na receita, qual é o faturamento e quais as despesas. Além disso, nega que haja algum passivo. Sabe-se, no entanto, que a maior parte das dívidas da Record não está ligada aos bancos, como ocorre com outros grupos de comunicação, mas sim ao INSS, o papagaio, sub judice, já está em quase R$ 25 milhões. As informações são do próprio Ministério da Previdência.

Os concorrentes e analistas que acompanham de perto as empresas de mídia ironizam tanto mistério. ‘Quanto a Record fatura? Só Deus sabe’, diz um ex-funcionário da tevê. Outro brinca: ‘Quer saber quanto eles têm em caixa? Acende uma vela e reza’: A emissora de Macedo parece não se preocupar muito com seus números.

Assim fica fácil para a Record. Bate na Globo em público, que é sempre uma tarefa que rende dividendos, dado o cacife político da emissora platinada, posa de ético, mas esconde números sem os quais fica difícil fazer uma avaliação correta da posição da emissora.

Na esfera política, a bancada dos evangélicos segue a cartilha bispal, protege a emissora dos tiroteios e se arma para o ataque sempre que é necessário defender os interesses da categoria, como agora, na questão BNDES-Globo. No momento, a troca de farpas é cuidadosa, já que a bancada ficou exposta depois de o deputado Bispo Rodrigues ser flagrado no escândalo de Waldomiro Diniz.

O tema mídia parece despertar mais amor do que ódio no Congresso Nacional. Em levantamento exclusivo feito pelo Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação, o Epcom (quadro às págs. 32 e 33), com a atual composição do Senado, é fácil identificar as afinidades midiáticas que atraem os políticos. Do total de 81 senadores, 36% estão ligados a veículos de comunicação – 14 dos 17 senadores do PFL; 11 dos 23 senadores do PMDB; 8 dos 11 senadores do PSDB.

E é justamente no Senado, povoado de simpatizantes da mídia, que as discussões sobre o socorro do BNDES vêm ocorrendo. O representante da Globo é Evandro Guimarães, diretor da tevê.

Guimarães é um velho conhecido do Congresso. O executivo da Globo dispensa lobistas. Ele próprio fez o corpo a corpo com políticos em nome da emissora na época da votação sobre a participação do capital estrangeiro nas empresas de comunicação. Se para a Record a disputa pelo futuro do socorro à mídia ganha reforços no Congresso, para a Globo é como ter o mando de campo, jogar com a torcida a favor e, quem sabe, ter velhos conhecidos entre o juiz e os bandeirinhas.

O senador Roberto Saturnino (PTRJ) conta um episódio que ilustra a relação entre a Globo e o poder. Ele faz parte

da Comissão de Educação e diz ter sido o único a votar contra o projeto que resultou na possibilidade de participação de 30% de estrangeiros nas empresas de mídia nacionais (Lei 8.884).

Segundo o senador petista, no dia da votação do projeto os líderes dos partidos olhavam para Evandro Guimarães para saber o que fazer.

Saturnino, questionado sobre a briga no Congresso entre a Globo e a Record, afirma:

– A bancada da Globo é todo o Congresso.

Por causa de uma crise mundial nas grandes corporações do setor de comunicação e da situação desfavorável da economia brasileira, o que parecia ser a salvação da lavoura (leia-se dinheiro para pagar dívida) até hoje não passou de sondagens de grupos estrangeiros, como os latino-americanos Cisneros, Telmex/Televisa e News Corp (do empresário Rupert Murdoch, dono da DirecTV).

Agora, com a Globo como principal beneficiária de uma operação salva mídia, surge a hipótese de a direção do grupo não utilizar o dinheiro do BNDES para ajustar suas finanças porque estaria preocupada com o ônus político que possa vir a pagar. De antemão, a Globo já sabe que, caso venha a recorrer ao dinheiro do BNDES, terá de pagar um pedágio mais caro na sua relação com o governo e com os congressistas. Quanto mais o assunto se tornar polêmico, maior vai parecer a dívida de gratidão com os envolvidos.

A Record diz em sua campanha anti-Globo que a ajuda para pagar dívida comprometeria a isenção da imprensa brasileira (aí, um detalhe a ser discutido. Que isenção? E de quais? E quantos? Ponto!). Um dos envolvidos na negociação entre mídia e BNDES lembra:

– Se o raciocínio for esse, então o governo já detém o controle sobre a mídia, profundamente endividada com o Fisco. O governo faz vista grossa não é de hoje.

A histórica relação incestuosa que tantas vezes se estabelece entre poder e mídia é facilmente percebida desde sempre nas páginas de jornais e revistas ou nos programas jornalísticos das tevês e das rádios. Vez ou outra aparece uma matéria para lá de elogiosa sobre um presidente de autarquia com quem esse ou aquele veículo tem débitos.

Outras vezes, o foco está no primeiro escalão do governo, nos que têm nas mãos a decisão sobre verbas publicitárias, por exemplo. Estabelece-se uma relação de morde e assopra. Um chute na canela e o governo abre o bolso. Em seguida, recebe um afago.

Recentemente, depois de uma sucessão de críticas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reclamou, em público:

– A imprensa bate muito no governo.

A mídia brincou de administrar sem se preocupar com a qualidade de seus produtos e sem propor a discussão sobre uma regulamentação para o setor. Na década de 9o, tra vou-se uma briga entre os grandes jornais do País. A notícia cedeu espaço aos anabolizantes de vendas – as promoções com fascículos e outros tipos de brindes.

No fim dos anos 9o, as revistas repetiram a receita. A Editora Globo até hoje mobiliza parte do departamento jurídico para atender assinantes queixosos pelo não usufruto das passagens-brinde da falecida Transbrasil. Ainda hoje persiste a inversão de valores. Há veículos de comunicação que oferecem aos clientes relógios e DVDs. De brinde, os assinantes ganham notícia – aquilo que deveria ser a matéria-prima dos veículos de comunicação.

Outro problema da imprensa que só fortalece as grandes corporações é a chamada venda casada. A Globo, num caso como esse, pode usar o poderio de todas as suas mídias na hora de negociar um contrato publicitário e veicular merchandising na novela das 8, anúncios nas revistas, nas rádios, na tevê a cabo e na internet.

0 desconto no preço da tabela publicitária das empresas, na visão dos anunciantes, torna o pacote mais vantajoso (e esse vinculado à necessidade de se discutir polvos e monopólios, nacionais e estaduais) do que as negociações com empresas de comunicação menores – com um portfólio mais enxuto e, conseqüentemente, com menor poder de fogo.

Nada de ilegal na negociação de pacotes publicitários, que fique claro, mas tal estratégia comercial dificulta a sobrevivência das empresas de pequeno porte que, aos olhos dos executivos das agências de publicidade, não merecem a mesma atenção das grandes empresas, independentemente da qualidade editorial.

No meio do bombardeio entre as empresas de comunicação, uma boa notícia. Na segunda-feira 5, o Projeto Inter-Meios divulgou o crescimento de 12,2% no volume publicitário em 2003 em comparação a 2002 Não é exatamente um motivo para comemorar, pois 2002 foi um dos piores anos para o mercado publicitário, mas pelo menos parece ser sinal de fôlego para as empresas encalacradas. Em 2003, a receita publicitária foi de R$ 14,824 bilhões, ante R$ 13,218 bilhões do ano anterior.

Espera-se que, diante de uma grande oportunidade como a que se apresenta no momento, em que o governo, disposto a emprestar dinheiro, pode exigir contrapartidas, o tema mais importante sobre a mídia brasileira entre finalmente em pauta. É o momento mais do que propício para que o Congresso e o governo discutam a necessidade de uma legislação ampla, a democratização dos meios de comunicação. É preciso que se perceba que o País, assim como incontáveis dos seus estados, não pode seguir refém de grupos de comunicação, nacionais ou regionais, que por meio dos seus tentáculos (rádios, tevês, jornais, revistas, internet …) seguem na prática de controlar a opinião pública.’

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‘O governo com pouco poder’, copyright Carta Capital, 14/04/04

‘No Brasil, a mídia é uma terra sem lei e a concentração definida pelo poder de grupos econômicos – seja na esfera estadual, seja na municipal – é uma realidade escandalosa. Os casos de concentração ou de abuso de poder econômico na mídia brasileira costumam seguir dois caminhos. Ou as queixas começam pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), ou pela Secretaria de Direito Econômico (SDE). No final, os processos são julgados pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que pode aprovar a operação com ou sem restrição ou ainda não autorizar o negócio. Hoje há três casos sendo investigados pela SDE que envolvem empresas de comunicação.

0 mais recente é a fusão DirecTV e Sky. Também está nas mãos da secretaria o processo sobre a relação entre os times de futebol do Clube dos Treze e do Clube dos Onze com a TV Globo e a TV Bandeirantes. Um terceiro caso é sobre a recusa da Globosat/Globopar em comercializar o direito de transmissão do canal esportivo SporTV (produzido pela Globosat) para as operadoras de tevê por assinatura concorrentes das empresas afiliadas ao grupo Net/Sky. Esses dois processos devem ter suas análises concluídas até o próximo mês.

Segundo Bárbara Rosenberg, diretora de Proteção e Defesa Econômica, apesar da impressão de que o mercado de comunicação funciona livremente, a cada indício de concentração os casos têm de passar obrigatoriamente pelas autoridades governamentais, como ocorre em qualquer outro setor da economia. Quando se trata de uma empresa de comunicação, explica Bárbara, não se levam em consideração apenas questões como preço a ser pago pelo consumidor. ‘É preciso garantir mais diversidade e pluralidade de conteúdo’, diz a diretora.’

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‘Na telinha, muita apelação’, copyright Carta Capital, 14/04/04

‘A Record luta para dar o tiro definitivo na Globo. A munição empregada nas últimas semanas, com a veiculação de programas sobre o financiamento do BNDES, não deixa dúvidas sobre o alvo. A intenção é aproveitar a debilidade da Globo para crescer.

Comenta-se na Record que a ajuda à Globo condenaria concorrentes ao desaparecimento, num prazo máximo de cinco anos, quando a emissora do Jardim Botânico já teria resolvido seus problemas de caixa e estaria mais fortalecida.

0 golpe mais pesado foi dado na quinta-feira 1°-. 0 programa Repórter Cidadão mostrou em um tom de editorial apelativo e popular – o descontentamento da emissora de Edir Macedo. 0 pacote do BNDES foi tratado como um financiamento para saldar as contas dos ‘donos da mídia’ com dinheiro do contribuinte. 0 banco foi chamado de ‘o ralo do dinheiro público’, enquanto eram exibidas imagens de favelas e famintos.

As mensagens subliminares não deixaram dúvida de que o programa visava a comover. Enquanto se falava sobre a situação financeira da TV Globo, as imagens mostravam cenas de novelas como Meu Bem, Meu Mal e 0 Dono do Mundo, numa clara tentativa de convencer o público de que se tratava de um jogo maniqueísta, sendo a Globo, obviamente, o mal. Algo assim como a batalha de evangélicos contra o candomblé da Bahia.

Ressuscitou-se até o documentário de uma tevê inglesa, da década de 90, chamado Muíto Além do Cidadão Kane, em que personalidades como Chico Buarque lembravam que Roberto Marinho era a força política mais importante do País.

A ação pode ter conseqüências. 0 BNDES exigiu da emissora direito de resposta. A previsão do BNDES é que o programa com Carlos Lesse, presidente do banco, seja exibido na próxima semana. Até a quarta-feira 7, a Record informava que ainda não tinha recebido o pedido do banco e não se pronunciaria.’

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‘Teoria e prática’, copyright Carta Capital, 14/04/04

‘CartaCapital: 0 senhor é contra a proposta do BNDES?

Amilcare Dallevo Júnior: Sou contra o BNDES pagar dívida. 0 banco não foi feito para isso. Se a empresa contraiu dívida é porque decidiu arriscar-se mais. É uma decisão de mercado. Não tem como 0 BNDES entrar agora para salvar as decisões erradas. Dá a impressão de que quanto maior a incompetência, mais barato será o dinheiro que uma empresa poderá tomar. Acho que isso poderá criar um precedente para que outras empresas reivindiquem o mesmo tratamento do governo.

CC: Mas a Rede TV! não tem dívidas? Não houve atraso de salários?

ADJ: Sim, por causa de um problema de fluxo de caixa tivemos um atraso de 15 dias no pagamento do 13Q, o que foi resolvido. A RedeTV! tem dívidas e também seria beneficiada. Não quero o empréstimo com esse objetivo porque o maior patrimônio é a credibilidade. Como fica a imprensa pegando dinheiro subsidiado? É a perda da credibilidade. Sou filosoficamente contra. E tem mais. Se essa história fosse no governo anterior, o PT já teria colocado fogo em tudo.

CC: 0 senhor diz que é contra o financiamento de dívida. Se o projeto for

RISCO. Grana barata para a incompetência

aprovado dessa forma, a empresa pretende recorrer ao banco?

ADJ: Se todo mundo pegar talvez a gente pegue também, para não ficar pior ainda em relação à concorrência. Mas acho o projeto tão absurdo que se for discutido no Congresso dificilmente passará sem mudanças.

CC: 0 que acontecerá com a Globo se ela não tiver a ajuda do governo?

ADJ: A Globo não vai quebrar se não tiver como pagar a dívida. Talvez ela não consiga comprar todos os programas, contratar todos os artistas. Ela terá de decidir os eventos que vai exibir e dessa forma dará mais oportunidades para outras emissoras.’

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‘Mira na Globo’, copyright Carta Capital, 14/04/04

‘CartaCapital: Por que o senhor optou por sair da vice-presidência da Abert?

Dennis Munhoz: Havia cláusulas na proposta enviada ao BNDES com as quais eu não concordava e não fui consultado. No dia 12 de fevereiro nos reunimos e dei um ultimato. Depois foi a vez da RedeTV! discordar da proposta e sair da entidade. Nosso descontentamento se restringe ao equacionamento das dívidas. 0 BNDES nunca emprestou dinheiro para uma empresa de comunicação, aí surge a possibilidade de emprestar num quadro ruim. A Globo veio para estabelecer um monopólio de transmissões e de artistas, pagando salários altos, e criou um problema para as empresas de comunicação. Aí o BNDES surge com o dinheiro do contribuinte para atender à Globo. 0 BNDES é um banco de desenvolvimento, não é um pronto-socorro.

CC: Por que a Record tem usado sua programação para criticar a Globo e o pacote de ajuda?

DM: 0 mínimo que se pode fazer é esclarecer a opinião pública. É nossa obrigação explicar como a dívida da Globo foi criada. Não vejo como uma briga particular, porque não é o dinheiro da Record que está em jogo. Se fosse outra empresa também seríamos

contra. Como se criou esse monstro? Com atitudes monopolistas, é isso que tem de

ficar claro.

CC: Mas a concorrência costuma questionar a origem do dinheiro da Record por causa da ligação com a Igreja Universal. Como é essa relação?

DM: A Igreja Universal loca um horário, não é sócia, não é acionista e não financia a Record.

CC: O que deve acontecer no caso de o programa de ajuda à mídia ser aprovado e atender aos endividados?

DM: 0 jogo vai ficar bem desigual. Receio que as práticas monopolistas voltem a acontecer.’



Paula Pacheco

‘E a política?’, copyright Carta Capital, 14/04/04

‘João Carlos Saad, presidente do Grupo Bandeirantes

CartaCapital: O que o senhor achou da proposta encaminhada pelas entidades ao BNDES?

João Carlos Saad: Tomei conhecimento da proposta antes de ser apresentada ao banco e tive a chance de fazer alguns reparos. Nessa história, acho ridículo querer carimbar dinheiro. O banco não tem de saber para que ele será usado. O importante é saber se eu posso pagar a conta. Esse comportamento é meio ridículo. Concordo que o banco deva emprestar dinheiro para a mídia. é um setor estratégico. Se alguém quiser usar o dinheiro para comprar um barco e não pagar fica sem a empresa, é simples. Não temos interesse em tomar empréstimo para pagar dívida, mas sim para fazer investimentos. Não vejo problema se é para pagar dívida ou para investir, como vem sendo questionado por alguns, desde que o BNDES não aja com privilégios.

CC: O senhor acredita que existe o risco de as empresas se comprometerem politicamente caso peguem dinheiro do governo?

JCS: Está se tentando romper um preconceito cretino e esse é um bom começo. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. As empresas são comerciais e assim devem ser tratadas. Para aquelas que têm uma linha editorial clara, independente, a liberdade está na sua maior saúde financeira.

CC: O que o senhor achou do fato de o socorro à mídia ter parado no Congresso?

JCS: Não concordo que a discussão do assunto seja feita no Congresso. Lá tem de ser discutida a estratégia de comunicação do País. Os deputados e senadores não são analistas de crédito. O grande problema do setor é justamente esse. Nós não temos nenhuma estratégia, não há um projeto nacional, ninguém faz uma análise profunda sobre o que está acontecendo. No fundo, o que precisamos é ter um establishment, é ter um ministério forte, que se aprofunde nos problemas. Esse não pode ser um cargo de travessia política.

João Carlos Saad, presidente do Grupo Bandeirantes

CartaCapital: O que o senhor achou da proposta encaminhada pelas entidades ao BNDES?

João Carlos Saad: Tomei conhecimento da proposta antes de ser apresentada ao banco e tive a chance de fazer alguns reparos. Nessa história, acho ridículo querer carimbar dinheiro. O banco não tem de saber para que ele será usado. O importante é saber se eu posso pagar a conta. Esse comportamento é meio ridículo. Concordo que o banco deva emprestar dinheiro para a mídia. é um setor estratégico. Se alguém quiser usar o dinheiro para comprar um barco e não pagar fica sem a empresa, é simples. Não temos interesse em tomar empréstimo para pagar dívida, mas sim para fazer investimentos. Não vejo problema se é para pagar dívida ou para investir, como vem sendo questionado por alguns, desde que o BNDES não aja com privilégios.

CC: O senhor acredita que existe o risco de as empresas se comprometerem politicamente caso peguem dinheiro do governo?

JCS: Está se tentando romper um preconceito cretino e esse é um bom começo. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. As empresas são comerciais e assim devem ser tratadas. Para aquelas que têm uma linha editorial clara, independente, a liberdade está na sua maior saúde financeira.

CC: O que o senhor achou do fato de o socorro à mídia ter parado no Congresso?

JCS: Não concordo que a discussão do assunto seja feita no Congresso. Lá tem de ser discutida a estratégia de comunicação do País. Os deputados e senadores não são analistas de crédito. O grande problema do setor é justamente esse. Nós não temos nenhuma estratégia, não há um projeto nacional, ninguém faz uma análise profunda sobre o que está acontecendo. No fundo, o que precisamos é ter um establishment, é ter um ministério forte, que se aprofunde nos problemas. Esse não pode ser um cargo de travessia política.’