Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

PCC seqüestra jornalista e chantageia a Rede Globo

Uma equipe de jornalismo da Rede Globo foi seqüestrada às 8h de sábado (12/8), em São Paulo. O repórter Guilherme Portanova e o auxiliar técnico Alexandre Coelho Calado estavam numa padaria na zona sul da cidade quando foram capturados por dois homens armados. Ambos pararam para tomar café depois de trabalhar no plantão da madrugada. O cinegrafista da equipe já havia ido para casa.


A primeira notícia sobre o caso foi dada no plantão do Globo Online, às 13h43, originada da redação do SPTV. O Jornal Nacional noticiou o caso na edição de sábado [veja aqui as imagens].


O técnico Alexandre foi libertado às 22h30 do sábado perto da sede paulista da emissora. Ele foi o portador de um DVD enviado pelos criminosos, que exigiram que a emissora veiculasse seu conteúdo como condição para a libertação do repórter, ainda em poder dos seqüestradores. A Folha Online informou (13/08/2006 – 08h58) que o comunicado [leia abaixo] de 3min36seg foi exibido à 0h28 de sábado, apresentado pelo jornalista Cesar Tralli.


O texto do comunicado, evidentemente redigido com a assessoria de advogados, indica uma operação muito bem planejada. O Dia Online informou (12/8/2006, às 12h40) que, no primeiro dia da terceira onda de ataques do PCC, o repórter Guilherme Portanava ‘entrou no ar 22 vezes com boletins sobre os atentados, além de ter feito reportagens sobre a saída de presos que puderam voltar para casa no Dia dos Pais’.


De acordo com o Globo Online (13/08/2006, às 8h39), o diretor de jornalismo da Rede Globo de São Paulo, Luiz Cláudio Latgé, disse que a exibição do vídeo foi uma decisão única da emissora, sem participação do governo de São Paulo ou da polícia.


Não se tratou de uma decisão simples, como é óbvio, sobretudo num momento em que estava em jogo a vida de um funcionário da empresa. De todo modo, os procedimentos anti-seqüestro recomendam não negociar com seqüestradores: em geral, depois de uma aceita uma exigência, sempre vem outra. No caso da Globo isso é ainda mais delicado, já que a emissora é uma vista pelo PCC como uma parte do poder que a facção criminosa combate. E a pergunta que permanece é: qual será a próxima ação contra jornalistas?


A registrar na cobertura dos veículos das Organizações Globo o desempenho da Rádio CBN. De meia em meia hora os boletins ‘Repórter CBN’ lembravam o seqüestro. A emissora ouviu no domingo (13/8) o presidente da OAB, Roberto Busato, que considerou ‘revoltante e espantosa a insensibilidade e a incompetência das autoridades brasileiras no combate ao crime organizado’; o presidente do PT Ricardo Berzoini, que sugeriu que ‘a gravidade da situação exige que haja união política e não disputa entre partidos e contaminação do processo eleitoral’; e o coronel da reserva da PM José Vicente da Silva, especialista em segurança pública do Instituto Ferdinand Braudel e ex-secretário nacional de Segurança Pública. A GloboNews, o canal all news do grupo de mídia, noticiou discretamente o assunto.


Até o momento o repórter Guilherme Portanova continua em poder dos seqüestradores.[Fechado às 10h55 de 13/8]


***


Notícia da liberdade


Às 3h20 de segunda-feira (14/8), a TV Globo distribui o seguinte comunicado:



A TV Globo informa que o repórter Guilherme Portanova foi libertado por volta de meia-noite e meia no bairro do Morumbi, na zona sul da capital paulista. Portanova estava seqüestrado desde as oito horas da manhã de sábado, dia 12, quando foi rendido junto ao auxiliar técnico Alexandre Calado. Alexandre já havia sido libertado na noite de sábado.


O repórter Guilherme Portanova está bem e conversa com parentes neste momento.


Central Globo de Comunicação # São Paulo, 14 de agosto de 2006


***


Repórter da TV Globo é libertado


Copyright Último Segundo; 1h34 de 14/8


O repórter da Rede Globo de Televisão Guilherme de Azevedo Portanova, de 30 anos, seqüestrado na manhã do último sábado pela facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) foi libertado pouco depois da 0h desta segunda-feira na capital paulista.


Em um plantão extraordinário por volta da 1h da madrugada desta segunda-feira, a TV Globo anunciou a libertação de Portanova que havia sido capturado junto com o auxiliar técnico Alexandre Calado na manhã do último sábado pela organização criminosa PCC. Segundo o boletim especial, ele foi deixado no bairro do Morumbi, zona sul da cidade. O repórter passa bem e foi levado para a sede da emissora em São Paulo onde encontrou parentes e colegas de trabalho.


‘Estou bem. Não me agrediram e fui alimentado’ declarou o jornalista à rádio CBN. ‘Saí de lá depois do Fantástico. Eles sentiram que o serviço deles estava concluído’ afirmou Portanova.


O auxiliar técnico Alexandre Calado que havia sido libertado anteriormente descreveu no final da noite de ontem [domingo, 12/8], durante o programa Fantástico, os momentos em que esteve em poder dos sequestradores.


‘Eles renderam a gente na porta da padaria e colocaram dentro do carro. Ficamos sempre com a cabeça baixa e coberta’, disse. Para Calado, os seqüestradores não tinham um alvo específico: ‘Eles levariam qualquer um de uma das equipes da TV Globo. Podia ser eu, podia ser qualquer um que estivesse lá na hora’.


Calado foi liberado na noite de sábado levando um DVD com uma gravação do Primeiro Comando da Capital (PCC). O auxiliar técnico recebeu a orientação para que o material fosse veiculado na íntegra pela emissora, para garantir a vida do repórter Guilherma Portanova que permaneceu no cativeiro. O vídeo foi divulgado em um boletim extra da Globo, na madrugada deste domingo, para todo o estado de São Paulo.


Segundo a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, o órgão não comenta sobre seqüestros durante o processo de investigação e que cabe aos veículos de imprensa decidir sobre a divulgação ou não da notícia. Por entender que a veiculação das informações pode colocar em risco a vida das vítimas, o Último Segundo adota a prática de não divulgar casos de seqüestro, exceto se houver orientação expressa da família e da polícia. Sendo assim, a instituição optou por não divulgar informações relacionadas com o caso durante o andamento do seqüestro.


***


O comunicado do PCC


Como integrante do Primeiro Comando da Capital, o PCC, venho pelo único meio encontrado por nós para transmitir um comunicado para a sociedade e os governantes.


A introdução do Regime Disciplinar Diferenciado [RDD] pela Lei 10.792/2003, no interior da fase de execução penal, inverte a lógica da execução penal. E coerente com a perspectiva de eliminação e inabilitação dos setores sociais redundantes, leia-se ‘a clientela do sistema penal’, a nova punição disciplinar inaugura novos métodos de custódia e controle da massa carcerária, conferindo à pena de prisão o nítido caráter de castigo cruel.


O Regime Disciplinar Diferenciado agride o primado da ressocialização do sentenciado vigente na consciência mundial desde o ilusionismo e pedra angular do sistema penitenciário, a LEP.


Já em seu primeiro artigo, traça como objetivo do cumprimento da pena a reintegração social do condenado, a qual é indissociável da efetivação da sanção penal. Portanto, qualquer modalidade de cumprimento de pena em que não haja constância dos dois objetivos legais – castigo e a reintegração social –, com observância apenas do primeiro, mostra-se ilegal, em contradição à Constituição Federal.


Queremos um sistema carcerário com condições humanas, não um sistema falido, desumano, no qual sofremos inúmeras humilhações e espancamentos.


Não estamos pedindo nada mais do que está dentro da lei. Se nossos governantes, juízes, desembargadores, senadores, deputados e ministros trabalham em cima da lei, que se faça justiça em cima da injustiça que é o sistema carcerário, sem assistência médica, sem assistência jurídica, sem trabalho, sem escola, enfim, sem nada.


Pedimos aos representantes da lei que se faça um mutirão judicial, pois existem muitos sentenciados com situação processual favorável, dentro do princípio da dignidade humana.


O sistema penal brasileiro é, na verdade, um verdadeiro depósito humano, onde lá se jogam seres humanos como se fossem animais.


O Regime Disciplinar Diferenciado é inconstitucional. O Estado Democrático de Direito tem a obrigação e o dever de dar o mínimo de condições de sobrevivência para os sentenciados. Queremos que a lei seja cumprida na sua totalidade. Não queremos obter nenhuma vantagem.


Apenas não queremos e não podemos sermos [sic] massacrados e oprimidos. Queremos que: 1) As providência sejam tomadas, pois não vamos aceitar e não ficaremos de braços cruzados pelo que está acontecendo no sistema carcerário.


Deixamos bem claro que nossa luta é contra os governantes e os policiais. E que não mexam com nossas famílias que não mexeremos com as de vocês. A luta é nós e vocês.


***


Libertado auxiliar técnico da Globo, mas repórter continua com seqüestradores


Copyright Globo Online –13/08/2006 às 08h39m – CBN, Jornal Nacional, SPTV e Tatiana Farah – O Globo


SÃO PAULO – O auxiliar técnico da TV Globo Alexandre Coelho Calado, 27 anos, foi libertado às 22h30m deste sábado, próximo à sede da emissora. Entretanto, o repórter Guilherme Portanova, 30 anos, continua sob o poder dos seqüestradores. Os dois foram seqüestrados na manhã deste sábado no Brooklin, zona sul de São Paulo. No início da madrugada deste domingo, a Rede Globo exibiu um vídeo da facção criminosa que atua no estado de São Paulo, por volta da meia-noite e meia. A exibição foi uma exigência para libertar o repórter. Os criminosos ameaçaram matar Portanova caso o vídeo não fosse exibido. O DVD foi entregue por Calado. A polícia de São Paulo já elaborou os retratos falados dos três suspeitos de terem seqüestrado os dois profissionais.


O diretor de jornalismo da Rede Globo de São Paulo, Luiz Cláudio Latgé, confirmou no início da madrugada deste domingo a libertação de Calado. Latgé disse que a exibição do vídeo foi uma decisão única da emissora, sem participação do governo de São Paulo ou da polícia. No vídeo, um integrante da facção faz críticas ao sistema penitenciário. O repórter Portanova foi visto pela última vez em uma padaria na Rua Luiz Carlos Berrini, próximo à sede da emissora, na zona sul de São Paulo, por volta das 8h do sábado, na companhia de Calado. Segundo testemunhas, as vítimas foram levadas por homens armados.


Os bandidos fugiram em um carro roubado, segundo boletim de ocorrência registrado no 15º Distrito Policial. O veículo foi encontrado queimado pouco depois pela polícia. Testemunhas disseram que Portanova e Alexandre foram forçados a entrar em outro carro, um Gol vermelho. O carro da Globo estava estacionado próximo à padaria com os equipamentos de reportagem, mas nada foi roubado. O cinegrafista da equipe já havia ido embora para casa.


O caso foi registrado no 96º Distrito Policial. Quatro ou cinco homens devem estar envolvidos no crime, segundo a polícia. Segundo o delegado Dejair Rodrigues, ‘os investigadores estão na rua para apurar o caso’. Ele já havia afirmado no sábado que todas as hipóteses estavam sendo levadas em consideração, inclusive, a de seqüestro por membros de facções criminosas.


– É prematuro dizer que membros de facções criminosas estão envolvidos no caso, mas não descartamos nenhuma hipótese – disse Rodrigues no sábado.


A TV Globo divulgou nota confirmando o desaparecimento dos dois funcionários no sábado e informou que os dois tomavam café na padaria quando foram abordados. Guilherme Portanova trabalha na TV Globo de São Paulo há oito meses. Alexandre Calado é funcionário há cinco meses.