Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

PF acusa repórter de publicar dado sigiloso

A Polícia Federal indiciou um jornalista de São José do Rio Preto (SP) sob suspeita de divulgar informações preservadas por segredo de Justiça. Allan de Abreu, repórter do Diário da Região, foi indiciado após publicar duas reportagens com dados obtidos por meio de escutas telefônicas feitas pela polícia na Operação Tamburutaca. A operação investiga um esquema de corrupção de fiscais do Ministério do Trabalho suspeitos de exigir propina para livrar empresários de multas trabalhistas.

Segundo o repórter, no dia seguinte à primeira publicação, o procurador da República Álvaro Stipp o chamou e questionou quem havia passado as informações para o jornal. Abreu diz que se negou a revelar a fonte, apesar da insistência do procurador. Após uma segunda reportagem, o procurador pediu abertura de inquérito para investigar o vazamento das informações e solicitou o indiciamento do jornalista.

“Não é minha vontade que prevalece”

Para Stipp, o repórter descumpriu a lei 9.296, de 1996, que considera crime “quebrar segredo de Justiça sem autorização judicial”. “Pegou de surpresa”, disse Allan de Abreu: “Essa prática [de divulgar informações sob segredo de Justiça], eu já fiz antes em duas ocasiões e nunca aconteceu nada. E não lembro de ter acontecido com alguém. Jamais esperava isso, sobretudo de um procurador, a quem cabe zelar para liberdade de imprensa.” Stipp diz que a lei vale para qualquer pessoa que divulgar a informação e que o repórter não tem “imunidade” por ser jornalista. “Em uma democracia, temos que respeitar as instituições. Se o Judiciário diz que está em sigilo de Justiça, está em sigilo de Justiça e ponto.”

Ele afirma que também pediu o indiciamento do editor-chefe do Diário da Região. Segundo o procurador, a divulgação prejudicou as investigações: uma das pessoas citadas nas escutas divulgadas, e que poderia servir como testemunha, sumiu. Stipp diz que não é contra o repórter ter tido acesso aos dados, mas por ter divulgado uma parte do processo.

O delegado da PF José Eduardo Pereira de Paula diz que só indiciou o repórter por ordem do procurador. “Estou dentro de um sistema. Não é minha vontade que prevalece.” O repórter responderá formalmente pelo caso e pode ser denunciado à Justiça. Se for aberto processo contra ele, pode ser multado e condenado a até quatro anos de reclusão. Abreu pediu liminar para anular o indiciamento. A Associação Nacional de Jornais e a Associação Brasileira de Imprensa repudiaram o seu indiciamento.

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Procurador “exagerou”, diz Fenaj

Sílvia Freire # reproduzido da Folha de S.Paulo, 30/6/2011

A Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) criticou ontem o fato de a Polícia Federal ter indiciado o jornalista Allan de Abreu sob a suspeita de divulgar informações mantidas em segredo de Justiça. A OAB-SP disse que vai ajudá-lo em sua defesa. “Nos parece perigoso que, em nome de uma decisão dessa ou daquela autoridade, se impeça a atividade jornalística”, disse o presidente da Fenaj, Celso Schröder.

Abreu trabalha no jornal Diário da Região, de São José do Rio Preto (SP), e foi indiciado após assinar duas reportagens que reproduziam trechos de interceptações telefônicas obtidas pela PF em uma investigação. O repórter disse que, depois da publicação da primeira reportagem, em maio, foi chamado pelo procurador da República Álvaro Stipp, que o questionou sobre quem havia passado as informações para o jornal. Abreu disse que se negou a revelar a fonte. Após a segunda reportagem, no mesmo mês, ele foi indiciado pela PF, a pedido do procurador.

Para o presidente da Fenaj, houve “um exagero” do Ministério Público Federal. Em nota, o procurador disse ontem que o indiciamento ocorreu pela quebra do segredo de Justiça, e não por ter se negado a revelar a fonte.

“A lei diz que é crime `quebrar o segredo de Justiça´. Não há ressalvas. Querer, a fórceps, fazer prevalecer o entendimento de que a regra se aplica somente aos agentes públicos é confesso desconhecimento legal”, afirmou o procurador.

O advogado criminalista Alberto Toron disse que jornalistas não têm a obrigação legal de manter o sigilo de informações sob segredo de Justiça. A obrigação, disse, é apenas dos agentes públicos, das partes investigadas ou de pessoas que têm acesso aos autos pela função que exercem, como advogados.

Para Toron, o sigilo foi quebrado quando um agente público repassou os dados ao jornalista. “Todo aquele que teve conhecimento da informação pela função que exerce tem o deve de proteger o sigilo. O jornalista está fora deste quadro.”

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[Natália Cancian é jornalista da Folha de S.Paulo]