Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Poder público e as desigualdades educacionais

O relatório Situação da Infância e da Adolescência 2009 – ‘O direito de aprender: potencializar avanços e reduzir desigualdades’, lançado no dia 9 de junho pela Unicef, foi o principal destaque na cobertura educacional no período de 8 a 16 de junho, entre 75 jornais e quatro revistas semanais.

O documento foi tema de reportagem no Correio Braziliense, O Globo, A Notícia (SC), Jornal do Brasil, O Estado de S. Paulo, Zero Hora, O Liberal, Folha de S.Paulo, além da revista IstoÉ. Também estimulou editoriais na Folha de S.Paulo, Jornal do Brasil e A Gazeta (MT).

De maneira geral, as reportagens destacaram as desigualdades regionais, de territorialidade e raciais no acesso à educação básica. Alguns jornais optaram por focalizar os resultados relativos a etapas do ensino, regiões ou estados.

A Folha de S.Paulo, por exemplo, buscou a análise e opiniões entre especialistas para os dados de acesso, repetência e abandono do ensino médio, incluindo, num último parágrafo, a fala de uma estudante que aponta como problema o excesso de faltas dos professores.

O acesso da população indígena

Esta frase talvez tenha levado o jornal, no editorial de 11 de junho, a colocar o absenteísmo docente um dos fatores que ‘afugentam os jovens’, ao lado de dimensões como falta de qualificação do professorado, equipamentos inadequados ou inexistentes, estudantes desmotivados com aulas que nem preparam para o vestibular nem para o trabalho, necessidade de obter um emprego.

É sempre bom lembrar que, diferentemente dos outros elementos citados, não há pesquisas que dimensionem ou qualifiquem o absenteísmo do professorado. Como já apontado em outras edições deste Ação na Mídia, em especial no ano passado, quando a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo apresentou, via imprensa, dados contraditórios sobre o tema, o absenteísmo é mais um daqueles temas sobre os quais as administrações públicas sequer conseguem produzir informações confiáveis para buscar a superação do problema e os profissionais da imprensa devem estar atentos para não disseminar o senso comum como realidade.

Ainda nas reportagens, O Liberal destacou as iniqüidades que marcam a educação na região Norte, mas ficou só na apresentação dos dados, ouvindo apenas a coordenação da Unicef. O texto, que, acertadamente, explicitou dados alarmantes e apontou a necessidade de atenção específica para a região, deveria ter avançado no sentido de cobrar das autoridades as ações para a superação da situação. Afinal, os recortes territorial e racial/étnico das desigualdades educacionais que marcam o país não chegam a ser uma novidade, assim como o que os governos – nas diferentes esferas – vêm fazendo. O diário perdeu uma belíssima oportunidade de ouvir o poder executivo e também o sistema de justiça, sobre a morosidade na implementação da educação escolar indígena, já que este grupo é citado no relatório como um dos mais excluídos do acesso ao direito à educação, ao lado da população negra.

Recomendações e ausências

Sobre a educação infantil, no ano passado o governo federal constituiu um grupo de trabalho para estruturar a política de atendimento às crianças pequenas nas regiões não urbanas. Quais são os resultados dessa iniciativa? Boa oportunidade para conferir.

O Zero Hora também destacou os resultados locais, acertadamente, ouvindo a gestão pública sobre as ações para superação dos problemas explicitados e lançando luz sobre uma perspectiva pouco visível: a lavoura afasta da escola as crianças gaúchas moradoras da zona rural.

As recomendações da Unicef para superação dos problemas apontados foram pouco consideradas na cobertura. O Estado de S. Paulo apontou o tema como uma agenda necessária na eleição de 2010, mas nenhum jornal procurou ouvir o governo federal – e também o legislativo – sobre a necessidade de ampliação dos investimentos em educação para 8% do PIB. Na contramão, o já citado editorial da Folha de S.Paulo afirma que não faltam recursos para a educação, mas também não aponta qual a base dessa análise.

A outra recomendação é a necessidade de tornar obrigatória a freqüência à escola para as pessoas de idade entre 4 e 17 anos. O tema vem sendo pautado pela agência desde o ano passado e jornalistas devem estar atentos à sua cobertura. Um primeiro cuidado é não confundir o conteúdo da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 277/08, em tramitação no Congresso Nacional, com obrigatoriedade do ensino médio. A PEC trata da obrigatoriedade para uma determinada faixa etária (4 a 17 anos). Outra dimensão pouco abordada é em relação às sanções para o descumprimento – mães e pais podem obrigar adolescentes a ir para a escola? Como? O que pensam as famílias sobre o tema? E a comunidade escolar?

O relatório da Unicef pode ainda estimular muitas pautas – locais e nacionais. A violação dos direitos educativos de crianças e adolescentes albergados ou em conflito com a lei é uma possibilidade, partindo das informações divulgadas no documento. O papel do sistema de justiça e a reduzida apropriação, pela comunidade escolar, dos conselhos tutelares como órgãos que podem apoiar a efetivação do direito à educação são outros temas a serem explorados.

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Da equipe do Observatório da Educação