Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Polícia e bandidos, a quem temer?

Há cerca de dois anos, na cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul, meu namorado e eu fazíamos um lanche no centro da cidade e avistamos uma cena dantesca: dois policiais da Brigada Militar (equivalente à PM nos demais estados) que espancavam enfurecidamente um homem magro que não devia ter mais do que 1,60 metro de altura, em frente à igreja localizada na praça; e ele estava algemado.

Indignados, resolvemos ligar para o 190 e denunciar o abuso. A surpresa, porém, veio com a resposta da pessoa que atendeu à ligação: ‘E se fosse a tua mãe a pessoa assaltada e agredida?’ e desligou o telefone. Menos de dez minutos depois, uma viatura chega e estaciona atrás da outra que se encontrava desde o início no local, trocam informações rapidamente, o detido é colocado dentro da segunda viatura e para nossa incredulidade, é espancado novamente.

Não satisfeitos, esses mesmos policiais, ao ver que meu namorado portava um telefone celular, o cercaram e o inquiriram a respeito da denúncia. Ao confirmar, pediram-lhe que os acompanhasse até o carro para que fosse feita a ‘devida identificação’. Meu namorado obviamente recusou-se a acompanhá-los, alegando estar a par da lei. A partir de então, seguiram-se algumas tentativas de enquadrá-lo, primeiro por falsidade ideológica, depois por desacato à autoridade. Ficamos sobre tensão por cerca de duas horas. A história, por fim, teve um final feliz somente pelo fato de o meu namorado, por ser jornalista, conhecer o então prefeito da cidade.

Impedir a investigação

Somos coagidos e punidos por exercer um direito que é nosso, denunciar abusos e excessos por parte das autoridades. O que teria acontecido se o denunciante fosse uma pessoa menos esclarecida, que não tivesse ao menos um advogado que o defendesse? Certamente, teria o mesmo destino que o do suposto marginal, senão pior.

A partir deste episódio, fui tomando conhecimento de vários outros que foram sendo noticiados e que ocorreram em diferentes partes do país, o que leva a crer que este não é um problema exclusivo do Rio Grande do Sul ou de determinada região.

O mais recente foi divulgado na semana passada pelo portal Comunique-se sobre a prisão de uma equipe da Rede Record em Belém. Os profissionais foram detidos em frente à escola quando coletavam informações a respeito de um assalto ocorrido no dia anterior, no qual um dos assaltantes teria sido morto.

O policial federal Alessandro Oliveira deu voz de prisão ao grupo, que teve parte de seu equipamento quebrado. Foram acusados de desacato, o que, me parece, está virando moda entre os policiais quando querem prender alguém sem motivos aparentes.

Segundo o portal, Oliveira teria desferido os tiros que mataram o indivíduo. Sabendo disso, não fica difícil imaginar o porquê de os policiais não quererem qualquer tipo de investigação. A Rede Record informou que uma outra equipe também foi impedida de trabalhar no local.

Volta aos tempos negros

Após o incidente em Pelotas, passei a temer muito mais a polícia do que os bandidos. Digo isso porque também já vivi a desagradável experiência de ser assaltada e confesso que os bandidos me passaram muito mais segurança. Pode parecer irônico, mas ao afirmarem que queriam apenas meus pertences, tive a certeza de que não morreria e de que nada pior iria me acontecer. E assim foi.

É como se tivéssemos voltado aos tempos negros da ditadura militar, quando os jornalistas eram amordaçados e amarrados, impedidos de exercer aquilo que prega sua profissão: relatar os acontecimentos tal qual eles acontecem, com idoneidade e responsabilidade, sem ocultar detalhes e sem favorecer a este ou àquele. Sou estudante de jornalismo e temo ser reprimida e coagida simplesmente por exercer minha profissão e meus direitos. Em minha concepção, a polícia existe para proteger os cidadãos de bem, só que na prática não é isso que acontece. É inconcebível a idéia que um trabalhador deva ter mais medo da polícia do que dos bandidos.

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Estudante do 2º ano de jornalismo, São Paulo, SP