Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Por um jornalismo menos tendencioso

Como é de conhecimento de todos, a mídia ocidental apóia o expansionismo e o militarismo israelenses. O Brasil, onde a imprensa é capaz de fazer apologia a golpes de Estado, como ocorre agora em favor da derrubada do governo constitucional e democrático de Zelaya, em Honduras (para não falarmos da nefasta atuação no golpe civil-militar de 1964 – por favor, leiam a dissertação de mestrado, pela UERJ, do historiador João Amado), não seria a exceção.

A cobertura dos conflitos no Oriente Médio pela imprensa brasileira é, em geral, de péssima qualidade, até porque em nosso país o conhecimento sobre a região está longe de refletir a realidade, menos ainda a verdade, do que ali acontece. Basta compararmos com o interesse que os nossos vizinhos sul-americanos dedicam à matéria. Isto se deve também às deficiências de nosso ensino, tanto nos níveis fundamental e médio quanto no superior. Ainda assim, podemos relacionar uma geração de jornalistas que tiveram suas carreiras relacionadas com coberturas da guerra civil do Líbano e, nela inserida, a invasão israelense, em 1982: Alexandre Porro, William Waack, Alexandre Garcia, Mario Chimanovitch, Isaac Akcelrud, Eliezer Strauch, para citar os mais célebres. (Observe como a imprensa brasileira não se constrange em marginalizar os jornalistas de origem árabe, marginalização que os descendentes de outras etnias e nacionalidades não sofrem.)

Não posso aqui deixar de destacar Eliezer Strauch, do jornalO Globo, que, no dia da invasão israelense do Líbano, em 6 de junho de 1982, anunciou em letras garrafais, nas páginas internacionais, como Israel vendia armas à Argentina, durante a Guerra das Malvinas. A Argentina vivia, na época, sob a brutal ditadura da junta militar, que jamais deixou de anunciar simpatias ao regime nazista alemão, sendo, inclusive, o governo que mais assassinou judeus no mundo desde o fim do regime de Adolf Hitler, em 1945. Strauch denunciou que Israel vendia armas aos filo-nazistas argentinos, para o ódio de Margaret Thatcher.

Grupo terrorista e exterminador

O despreparo e o preconceito fez com que um jornalista como Alexandre Porro, por exemplo, não levasse a sério a denúncia (feita em tom de piada) sobre o comércio de armas entre Israel e Irã, durante a Guerra Irã-Iraque (1980-88), logo na primeira semana de combate, em setembro de 1980. Porro era correspondente da revistaVeja. Se ele tivesse investigado a denúncia da aliança entre Khomeini e Begin contra o Iraque, certamente teria dado um grande furo mundial para o jornalismo brasileiro, antecipando o escândalo Irã-Contras [Revolução Sandinista, Nicarágua], que minou o segundo mandato de Ronald Reagan (1981-89). Mas o que imperou em sua reportagem foi tom de deboche e de futrica, o que não deixa de transparecer o desprezo pelo objeto de investigação, o racismo.

Outro jornalista que teve um desempenho lamentável foi Alexandre Garcia, ex-porta-voz do ditador João Figueiredo. Garcia acompanhou as tropas israelenses na invasão do Líbano, em 1982, fazendo a apologia dos invasores e censurando os massacres que Israel promovia no sul do Líbano, como o arrasamento dos campos de refugiados palestinos em Sidon. O jornalista gaúcho e funcionário do Banco do Brasil também acompanhou as tropas do ‘major’ Saad Haddad, comandante do ‘Exército do Líbano Livre’ (sic), grupo terrorista libanês armado e financiado por Israel que exterminava palestinos e libaneses no Líbano. Quando Haddad morreu de câncer, em 1984, o ELL foi renomeado como Exército do Sul do Líbano, de triste lembrança para todos os libaneses e, principalmente, para os palestinos.

Informações, só de madrugada

A cobertura da televisão é ainda mais limitada e, por isso mesmo, mais pobre, reducionista e racista.

As emissoras de TV brasileiras, em geral, têm apenas um único correspondente para a região, que fica sediado em Jerusalém e cujas matérias são previamente censuradas pelas Forças de Defesa (sic) de Israel, o exército israelense. Entretanto, por incrível que pareça, somente a Rede Globo e seu canal a cabo, Globo News, quebram esta regra. A emissora do Jardim Botânico tem dois correspondentes para o Oriente Médio, um em Jerusalém (Palestina ocupada por Israel) e outro em Beirute, Líbano.

O posto em Jerusalém (Palestina ocupada) é de alta rotatividade, mas já foi ocupado por figuras de triste lembrança, como, por exemplo, Marcos Losenkan, que agiu como porta-voz do governo de Israel quando as tropas israelenses arrasaram o Líbano no verão de 2006. E, no mesmo massacre, a Globo abriu espaço para que um correspondente pudesse mostrar o resultado dos ataques terroristas israelenses contra o Líbano, Mounir Safatli, cidadão líbano-israelense. Porém, as reclamações de setores organizados da sociedade contra a cobertura do massacre pelo correspondente em Beirute fizeram com que ele aparecesse apenas noJornal da Globo, de madrugada, com uma audiência baixa, porém supostamente qualificada. Estes setores organizados chegaram até mesmo a acusar, sem fundamento algum, que Safatli era simpatizante do Hizbollah. Isto é, as vítimas do impiedoso ataque terrorista de Israel não poderiam ser mostradas e muito menos a destruição de um país.

Uma fonte mais confiável

Agora, a Globo quer retirar completamente não apenas o correspondente Mounir Safatli do posto em Beirute, mas acabar com o próprio posto. Com isto, a Globo terá apenas um correspondente em todo o Oriente Médio, o de Jerusalém, sob a tutela (leia-se censura) do exército israelense. Mounir Safatli não é apenas um jornalista árabe-brasileiro. Ele é um excelente profissional (como demonstrou na cobertura do massacre do Líbano, em 2006), com passagem por inúmeras emissoras – TV Educativa do Rio de Janeiro, Manchete, Bandeirantes, entre outras.

Faço aqui um apelo a todas as pessoas que primam pela boa qualidade da veiculação de notícias através dos meios de comunicação de massa: enviem mensagens à Globo News manifestando interesse em que Mounir Safatli e o posto de correspondente em Beirute sejam mantidos pela emissora, a fim de que possamos ter um jornalismo, se não isento de tendências político-ideológicas, pelo menos não submetido aos informes oficiais e oficiosos de um governo militarista, expansionista, racista e segregacionista, como o de Israel e oferecendo ao espectador uma visão menos parcial do mundo árabe e do Oriente Médio.

Enviem mensagens, por favor, para o link abaixo, pedindo a permanência de Safatli e do posto de correspondente em Beirute na Globo News, como alternativa para as informações provenientes de Israel. Lembremo-nos que há mais de 2 milhões de árabes e descendentes no Brasil e que precisam ter uma fonte mais confiável sobre as notícias que vêm do mundo árabe e do Oriente Médio (ver aqui)

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Mestrando em Geografia Humana, Laboratório de Geografia Política, e colaborador da Agência Assaz Atroz, São Paulo, SP