Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Provocações a um debate sobre violência

A violência toma cada vez mais toma conta dos telejornais e a sociedade, sempre consciente dos verdadeiros problemas da nação, cobra uma atitude enérgica, imediata e eficaz de nossos representantes. Assim, o assunto no momento é a redução da maioridade penal como solução para os nossos problemas.

No entanto, a condução acerca do tema tem sido feita de forma moralista e sensacionalista pelos veículos de comunicação. É claro que um fato bárbaro como o acontecido com o pequeno João Hélio nos deixa preocupados com o rumo que a sociedade está tomando, mas não podemos nos dar ao luxo de agir por impulsividade.

A violência, antes de ser um problema jurídico, é um problema sociológico, e deve ser combatida com programas sociais, e não apenas com a simples edição de leis. Afinal, já temos leis demais: é proibido agredir o meio ambiente, funciona? A venda/consumo de drogas é proibida, funciona? É proibido matar, funciona? Existem as leis em defesa do consumidor e do trabalhador, funcionam? Isso sem falar nas garantias constitucionais e os direitos do cidadão elencados na Constituição.

Sistema carcerário está falido

A Lei não precisa ser mudada, precisa, sim, ser aplicada. Um adolescente que é pego cometendo um crime é encaminhado à justiça, responde a processo e tem sentença, mas a legislação, acertadamente, entende que o mesmo não é um criminoso em potencial, mas, sim, um simples jovem que deve ser melhor orientado, e por isso a maioria das penas contra menores versam sobre serviços à comunidade. Mas os mais perigosos podem ficar presos por até três anos, o que, diga-se, é um tempo muito maior que um adulto, pois este pode ser beneficiado com a Progressão de Regime, enquanto o jovem, não. Mas nossa justiça é falha, os policiais são mal pagos e muito mal equipados, o judiciário é lento, poucos funcionários e poucos juízes.

Simplesmente jogar nossos adolescentes para dentro das cadeias é fugir do problema. Aliás, esta é uma idéia muito simplista. Você, caro leitor, já entrou em uma cadeia? Não venha me dizer que sabe o que eu quero dizer só porque viu uma pela TV. As cadeias do Brasil mais se parecem com chiqueiros, completamente sujos, sem ventilação, sem higiene, com um odor terrível e, claro, superlotadas, ou seja, sem o mínimo de condições dignas para a sobrevivência humana. Será que este é o local ideal para recuperarmos nossos jovens?

A função da prisão, além de retirar do convívio social aqueles que não cumprem as regras pré-estabelecidas, é recuperá-los para que possam voltar ao convívio social. Acontece que o sistema carcerário está falido. Tomemos como exemplo o caso do bandido da Luz Vermelha, o qual, depois de trinta anos preso, não conseguiu voltar ao convívio em sociedade e acabou morto. Já avançamos muito desde Beccaria e os filósofos do Iluminismo e, mais recentemente, com as penas alternativas. Não podemos retroceder no tempo e voltar à barbárie. Não podemos confundir justiça com vingança!

Apartheid social

Há algum tempo atrás, um índio foi brutalmente assassinado em Brasília, quatro adolescentes atearam fogo enquanto ele dormia em um ponto de ônibus, mas como eram ‘filhinhos de papai’ ninguém levantou a bandeira da redução da maioridade penal. Aliás, foi só mais um índio morto, de tantos que já matamos em nossa história. Que diferença faz?

Todos os dias, milhares de crianças dormem nas ruas, outras muitas são exploradas nos sinais e nas bocas de fumo e quantas não são estupradas, e mesmo assassinadas? Mas não passam de mais um número de estatística. Agora, quando a violência bate à porta da classe média, aí os defensores ‘da família, da moral, da tradição e da propriedade’ organizam-se para reivindicar uma atitude do Estado.

O que exigir de um adolescente que não possui família e escola, e que cresce sem perspectivas de um futuro decente? Ele não é culpado, mas sim, mais uma vítima. Como querer que uma pessoa que está à margem da sociedade cumpra as regras estabelecidas por essa mesma sociedade? Regras, aliás, que servem apenas para garantir a sobrevivência do apartheid social – poucos com muito e muitos com pouco.

Moralistas e hipócritas

Vivemos na sociedade do consumo e da individualidade, somos bombardeados diariamente com propagandas de produtos de que não precisamos, mas sempre queremos comprar. Vemos na TV as enchentes, a seca, a fome, os tiroteios, mas depois vem a novela para nos deixar mais tranqüilos, desligamos a TV e vamos dormir.

Hipócritas são aqueles que se dizem contra a corrupção, mas sempre oferecem um ‘por fora’ ao guarda de trânsito para ‘escaparem’ da multa. Empunharei a bandeira da redução da maioridade penal, desde que os ‘crimes de colarinho branco’ sejam severamente punidos. Afinal, estes, sim, são os verdadeiros bandidos, pois tiveram educação e escolheram o crime como forma de vida, e não o contrário, quando o crime escolhe o adolescente.

Outro problema é a família, já há muito desestruturada. Antes de se punir um adolescente que não conhece o pai e muitas vezes têm irmãos de pais diferentes, é preciso punir os adultos que geraram estas crianças. Fazer filho é fácil, mas cuidar e dar educação é que é o complicado. Os pais destes adolescentes são os principais culpados.

‘Ah! Mas você fala assim porque não teve ninguém de sua família vítima de um adolescente marginal’, bradam os moralistas. Justamente porque não tive é que defendo a não redução, afinal, quero uma solução para o problema, e não apenas varrê-lo para debaixo do tapete. ‘Mas quem de nós disse que é a solução?’ Hipócritas! Estão finalmente admitindo que não querem uma solução. Mas por que não a querem?

Padronização da opinião

É simples, a solução para o problema está na distribuição de renda, de riquezas, de oportunidades, de propriedades. Queremos realmente uma sociedade menos violenta? Então é este o debate que temos de promover: como diminuir a desigualdade social?

Mas será que a grande mídia está interessada neste debate? Com toda a certeza, não! Afinal, quem são os grandes grupos detentores dos veículos de comunicação senão aqueles detentores do capital financeiro e das grandes propriedades? Este debate não os interessa. Quem se lembra do assassinato brutal da jovem atriz global Daniela Perez? Na época, a Globo fez imensa campanha contra os crimes hediondos, como a solução para a diminuição da violência. Pena que tal lei não resolveu a questão.

É assim que tratam com o povo. Para apaziguar os ânimos, de tempos em tempos inventam-se fórmulas milagrosas, no calor do momento, mas que no decorrer dos anos mostram-se insuficientes.

Por fim, não podemos ser fantoches deste debate pobre e simplista que visa tão somente a condenar ainda mais à marginalidade aqueles já estão excluídos, numa visível tentativa de fugir do verdadeiro problema. Precisamos discutir um novo ‘contrato social’, um novo Estado, uma nova sociedade. A redução da maioridade penal está longe de ser a solução, e este é também o entendimento tanto da OAB quanto do STF. Fuja da padronização da opinião da grande mídia.

‘Só os tolos temem o crime. Devemos temer a pobreza’ – Bernard Shaw

‘Quem está fora do quadro social não tarda a estar fora do quadro legal’ – Gabriel Tarde

‘Um vagabundo pobre é um vagabundo, um vagabundo rico é um rico’ – Afrânio Peixoto

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Estudante de jornalismo, Nova Londrina, PR