Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Quanto mais muda, mais é a mesma coisa

O PT está anunciando pela imprensa que vai aproveitar a reforma tributária para propor a criação do Imposto sobre Grandes Fortunas. Há argumentos contra, há argumentos a favor, a análise depende da ideologia do analista. Mas a imprensa noticiou muito discretamente dois fatos da maior importância:


1. A reforma tributária, embora finalmente tenha sido enviada ao Congresso, não será votada logo. É um tema complexo, que envolve não apenas questões técnicas mas também políticas, de divisão entre União, estados e municípios da receita tributária do país, da rejeição ou não da guerra fiscal, essas coisas. Não dá para discutir o assunto em quatro meses, tendo a Semana Santa no meio, dispondo-se para o debate de três dias por semana. E, no segundo semestre, estará encerrado o ano legislativo: cada parlamentar irá cuidar das eleições municipais em sua base, e não terá tempo para discutir temas de interesse nacional.


2. O Imposto sobre Grandes Fortunas é uma unanimidade, tipo reforma agrária: todos se declaram a favor – desde que, naturalmente, as grandes fortunas a taxar sejam as dos outros. É um imposto previsto na Constituição de 1988, artigo 153, ali incluído por iniciativa do senador Fernando Henrique Cardoso. Fernando Henrique foi presidente da República por oito anos e não tomou qualquer iniciativa para regulamentá-lo. O presidente Lula, quando candidato, se declarou formalmente favorável ao Imposto sobre Grandes Fortunas. Já está no posto há mais de cinco anos e também não tomou qualquer iniciativa para implementá-lo – nem na reforma tributária que está propondo. Quem fala no imposto é o deputado Maurício Rands, do mesmo partido de Lula, mas agindo por conta própria.


Um palpite deste colunista: quem acredita na regulamentação e implementação do Imposto sobre Grandes Fortunas deve investir uma parte de seus bens na compra de uma poltrona, daquelas bem confortáveis. Vai precisar.




Universal x Folha


Comecemos com dois reconhecimentos óbvios:


1. Elvira Lobato é uma excelente repórter, íntegra, correta.


2. Se alguém se sentir ofendido por uma reportagem, mesmo uma reportagem elaborada por uma repórter competente, honrada e correta, tem direito de recorrer à Justiça.


Mas a questão não é essa: é a utilização do processo judicial como um castigo em si mesmo, independente da decisão dos tribunais. Movem-se dezenas de processos, nas mais distantes regiões do país, obrigando o processado a gastar rios de dinheiro com transporte e hospedagem, e a contratar diversos advogados para acompanhar cada um dos processos. No caso que envolve a Igreja Universal, a repórter Elvira Lobato e a Folha de S.Paulo, as semelhanças entre os processos foram tamanhas que muitos juízes concluíram por ação orquestrada, litigância de má-fé, e se recusaram a recebê-los. Não é difícil imaginar, porém, uma atuação mais sofisticada, com argumentos diferentes em cada processo. Nesse caso, seja qual for a decisão da Justiça, repórter e jornal terão sido punidos, com ou sem culpa.


Este colunista é alvo de outra ação do mesmo tipo: um grande fabricante de produtos cancerígenos lhe move um processo em cidade longínqua, obrigando-o a arcar com custos de viagem, de perda de dias de trabalho, de movimentação de advogados. Os fabricantes de morte, ganhem ou percam a ação, sabem que terão conseguido prejudicar o colunista que os combate e que denuncia o subsídio oficial ao produto nocivo que vendem e que lhes permite cobrar preços artificialmente baixos, na tentativa de atrair novos consumidores-vítimas.


Há ainda o caso Veja vs. Luis Nassif. O fato gerador é um só: matérias de Nassif em que Veja e alguns de seus principais executivos são fortemente criticados. Por que, então, a abertura de vários processos, se o fato gerador é o mesmo?


Que fazer? Já há algum tempo, nesta e em outras colunas, defendi o foro privilegiado, exatamente para evitar que um administrador público possa ser levado à ruína financeira, seja culpado ou inocente, por arcar com despesas de processos nos mais variados foros de um país com 8,5 milhões de km2. Cabe aos legisladores e juristas encontrar fórmulas que permitam a unificação de processos, de maneira a permitir que a disputa judicial não seja maculada por expedientes que visam transformar o processo judicial, em si, na própria pena.


No caso Universal x Folha e Elvira Lobato, os processos seriam unificados no foro de São Paulo (sede da Folha) ou do Rio (onde reside e trabalha a repórter). A partir dessa unificação, que a lei siga seu curso. Condenem-se os culpados, liberem-se os inocentes. E não se obrigue os inocentes a cumprir uma pena que não está prevista na lei.




Os pés-de-chinelo


E não é que os meios de comunicação estão levando a sério a história de que o roubo de notebooks e discos de memória da Petrobras, carregados com informações sobre o campo de gás de Júpiter, foi cometido por uns pés-rapados, ladrõezinhos comuns, vagabundos?


Claro: deve ter sido um roubo comum. Foi pura coincidência. Parece que eles estavam habituados a, entre 45 gigantescos contêineres lacrados, selecionar um para arrombar. Parece também que, depois dos ingentes esforços para romper aquela caixa de aço fechada com sabe-se lá quantos cadeados, esse pessoal ficou cansado demais para roubar muita mercadoria, e preferiu ficar com os notebooks e os discos de memória só porque eram mais leves. E guardaram tudo por três ou quatro semanas porque estavam esperando a alta dos produtos de informática no mercado mundial. Já faz tanto tempo que os preços dos componentes estão caindo que um dia vão acabar subindo, não é isso que devem ter pensado?


Como diz o governo, agora (na ocasião do roubo chegou-se a falar em segurança nacional), nos notebooks roubados não havia nada de importante. Deve ser por isso que puseram tudo num contêiner e entregaram o transporte a uma empresa gigantesca, altamente especializada, a Halliburton. Claro: roubo comum.




Brasil, sil, sil!!!!!!!!


Lembra? Faz pouco tempo: nossas colunas sociais adoravam contar que personalidades residentes em Londres e Nova York, assíduas freqüentadoras de Paris e Los Angeles, adoravam vir ao Brasil para fazer compras na Daslu. Rodeo Drive? Oxford Street? Manhattan? Faubourg St. Honoré? Não: os socialites internacionais faziam questão da Avenida Marginal do Rio Pinheiros.


A modelo Naomi Campbell estava no Brasil e precisou ser operada. Teve atendimento de primeira. O cirurgião, professor José Aristodemo Pinotti, tem renome internacional; o hospital, o Sírio-Libanês, é excelente e dispõe de equipamento dos melhores. Mas daí a dizer, como andou saindo em vários meios de comunicação, que Naomi Campbell, doente, com indicação de cirurgia urgente (tanto que foi operada tarde da noite), viajou mais de dez horas para chegar ao Brasil-sil-sil, porque fazia questão de ser tratada aqui, vai uma certa diferença. Como diria um famoso político, menas, menas.




Intolerável


Aliás, um noticioso de internet, na ânsia de divulgar todo e qualquer fato, seja ou não de interesse público, acabou publicando rua e número da casa em que Naomi Campbell se hospedaria após a alta hospitalar. Isso não se faz. E o problema não termina quando a modelo for embora: os moradores da casa também tiveram sua intimidade desnecessariamente exposta.




Ajuda aos jornalistas


Uma boa idéia: a Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo oferece, de 4 de abril a 6 de junho, todas as sextas das 15h30 às 17h, um curso especial para jornalistas. Os jornalistas, diz a SBP, ‘exercem grande influência sobre leitores, telespectadores, ouvintes e internautas, isto é, sobre a maior parte da população’. O objetivo é transmitir a compreensão básica dos conceitos da psicanálise – evitando erros em matérias, facilitando a abordagem pelos repórteres de questões de comportamento humano. Local das aulas: av. Dr. Cardoso de Mello, 1.450, 1º e 9º andares. Custo: R$ 240,00, que podem ser pagos em duas parcelas.


Inscrições com Fabiana, (11) 2125-3777, ou inscrição@sbpsp.org.br




Ajuda necessária


E alguns cursinhos sobre temas habitualmente tratados em reportagens bem que ajudariam alguns colegas. Está cheio de gente, por exemplo, falando em ‘caçar’ liminares. Curiosamente, ninguém fala em ‘cassar’ javalis.


A concordância também anda sofrendo. ‘A aquisição dos ingressos podem ser feitas (…)’.


E as confusões, então? ‘Adriano atrasa a treino do Sampa e bate-boca’. A julgar pelo jogador, Sampa deve ser o São Paulo, e nenhum torcedor jamais o chamou por esse nome. Mas a confusão é outra: ‘bate-boca’, substantivo, é sinônimo de discussão. Bater boca é outra coisa: é brigar, discutir.




Aprenda!


Erro em jornal, erro em notícia, de certa forma é coisa natural. Na pressa, modifica-se uma frase e a concordância fica capenga. Não há tempo para rever o texto com o cuidado merecido. Aquelas coisas que o Ruy Onaga, o supremo revisor, tirava do texto antes de ser impresso, agora saem numa boa.


Duro é quando o erro aparece num anúncio. Anúncio é feito com tempo, dá para revisar. Pior ainda é quando o erro aparece no anúncio de uma revista destinada a professores. Veja que gracinha: ‘Aproveite e dê (a revista) à um professor’. ‘A’ craseado antes de masculino! Se a revista tem o padrão de texto de seus anúncios, é preciso fugir dela!




Aprenda mais!


O anúncio da revista é muito moderno, dirige-se pelo nome a cada leitor. E sugere: ‘Carlos, presentei um professor (…)’.


Alô, Raul Drewnick, alô, Luís Carlos Cardoso! Voltem! Os deuses da revisão precisam voltar! O idioma está precisando que vocês os presenteiem!




Quem fala consente


Toda a imprensa noticiou com destaque a frase do presidente Lula: ‘Se porrada educasse, bandido virava santo’. Poucos salientaram, entretanto, o ambiente em que Lula falou: num evento, no Rio, ao lado de um político que chefia milícias que agem em favelas. E como funcionam as milícias? Dando porradas.




Como é…


O jornal, dos grandões, anuncia que um bandido usava pistola calibre 380 mm. Este colunista sabe bem pouco sobre armas, mas o suficiente para lembrar que, não há muito tempo, 380 mm, ou 38 cm, era calibre de canhão.




… mesmo?


Alguém já ouviu falar dos filhos quenianos de Barack Obama? Um jornal está falando neles: a ‘descendência queniana’ do candidato à presidência dos EUA. Mas deve estar pensando é em seus avós – ou seja, a ‘ascendência queniana’.




E eu com isso?


Tantos jornais, tantas revistas, tanta internet, tantas rádios, tantas redes de TV, e este colunista não sabia que certas roupas tornam perigosa a vida nas praias do Brasil. Veja só esse título:


** ‘Ivete Sangalo aventura-se de biquíni branco no Rio’


Que coragem!


Esta, aliás, é uma semana rica em informações sem as quais um ser humano moderno não consegue passar.


** ‘Eliana confere apresentação especial de musical em SP’


** ‘Scarlett Johansson aparece com nova tatuagem no braço’


** ‘Hilary Duff janta com o namorado, Mike Comrie, em NY’




Os grandes títulos


Tivemos alguns dias com abundância em títulos estranhos.


** ‘Jacaré tira tumor no PA’


Faltaram, claro, alguns esclarecimentos. O jacaré é formado? No Brasil ou em Cuba? Atende pelo SUS? Usará algum tipo de equipamento radioativo?


** ‘Pelo menos um botijão de gás explodiu. Três estão em estado grave’


Como esse título saiu há algum tempo, seria interessante voltar ao tema. Como estará a saúde dos três bujões em estado grave?


O melhor, na opinião deste colunista, é o do bilhete.


** ‘Bilhete acerta sozinho na Mega-Sena e leva prêmio de R$ 16 milhões’


Veja como está este país: até bilhete já anda jogando!

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados