Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Que atire a primeira pedra

Vamos a um rápido teste: qual dos caros colegas nunca disse ao telefone algo que, retirado do contexto, dê margem a suspeitas gravíssimas?

Pois é. E, no entanto, as investigações têm-se baseado cada vez mais no monitoramento telefônico. E o grampo, que deveria confirmar investigações, transforma-se em elemento único, ou quase único, de apuração e acusação.

Quais os problemas do grampo? Inicialmente, um de ordem legal: o monitoramento pode ser autorizado por 15 dias, prorrogáveis por mais 15. Mas nada impede que o cavalheiro seja monitorado por tempo maior, até que apareça alguma declaração incriminatória; pede-se então a ordem judicial (e, como telefone não marca data, como saber quando foi feita a gravação?) Pior: o que impede que uma frase comum, feita no ano passado, se transforme em algo gravíssimo se for ‘datada’ nas proximidades de um crime recente?

Imaginemos outro cenário. Grava-se uma pessoa que se revela absolutamente inocente no caso investigado. Mas esta pessoa está envolvida num relacionamento amoroso secreto. Abre-se um bom campo para chantagem. Ou, pior ainda, a pessoa investigada conversa com outra, que passa a ser automaticamente monitorada (pelo menos, é isso o que se conta do sistema ‘Guardião’ de monitoramento). Essa outra pessoa, que nada tem a ver com nada, pode revelar segredos pessoais, ou comerciais. Como protegê-la da possibilidade de chantagem? Ou, esquecendo a chantagem, como protegê-la de vazamentos? Sempre existe um repórter amigo que ficará eternamente grato por um furo e pronto para retribuir o favor.

Ossos do ofício? Tudo bem enquanto ocorre com os outros. Quando ocorre com a gente, aí descobrimos rapidinho a importância das garantias individuais.

A vez do mano

E essa história do mano Vavá, colegas? O homem é irmão do presidente, conversa amigavelmente ao telefone com amigos do presidente, propõe-se a quebrar uns galhos que alguém tenha no governo do presidente. O presidente está no poder há quatro anos e meio – e seu irmão Vavá continua morando mal, muito mal, pedindo pequenas quantias por favores diversos, sem ambições maiores. Que diabo de despachante de luxo é este, que nem sendo irmão do presidente consegue ganhar dinheiro?

O presidente Lula e algumas pessoas de seu entorno não acreditam que Vavá faça advocacia administrativa. Não é que jurem por sua honestidade, mas acham que a questão moral nem chegou a ser colocada: Vavá não teria cabeça para fazer a tal advocacia administrativa. Não teria cabeça sequer para ser corrupto.

Já se fizeram muitas reportagens com Vavá, desde a primeira vez em que foi acusado de advocacia administrativa, há uns dois anos. Mas ninguém foi fundo no caso. É preciso saber se seus clientes foram atendidos naquilo que pediram (parece que os pedidos nem chegaram às autoridades responsáveis). É preciso saber se ele tem ganho dinheiro com isso (pelas fotos, parece que não).

Tudo indica, e uma boa reportagem poderia confirmar esse palpite, que Vavá seja procurado por gente que acredita que ele poderia ajudá-las. Vavá se dispõe a fazê-lo, recebe pequenas quantias e não consegue nada.

Em outras palavras, quem tenta usá-lo paga e não recebe. Merece não receber. E, pelas coisas que andam pedindo, merecem pagar até mais pelo que (ainda bem!) não recebem.

Os presentes

Faz muitos, muitos anos. Certa vez, uma agência enviou três bolos de presente à Redação, um para cada chefe. Um dos chefes se sentiu indignado com o que interpretou como tentativa de suborno, e devolveu o bolo. Outro chefe, envolvido com vodu, achou que era ‘trabalho’ contra ele. Fez questão de receber o bolo com a mão esquerda, equilibrou-o até a lata de lixo, e determinou a um contínuo que o levasse a um rio para jogá-lo em água corrente.

O terceiro chefe recebeu o bolo, deu um berro para os colegas – ‘tem bolo!’ – e houve alguns minutos de festa na Redação. O contínuo, em vez de jogar o outro bolo no rio, levou-o para a lanchonete, onde o dividiu com os outros contínuos. E, tirando o primeiro chefe, ninguém se sentiu subornado.

A propósito, o bolo estava ótimo.

Os mimos

Sempre houve alguma confusão nas redações a respeito do que pode ser aceito ou não. Um vinho nacional pode; já um vinho francês, até que preço? Uma caixa de bombons, tudo bem: uma viagem a Paris com tudo pago, com direito a acompanhante, sem nenhuma pauta, é tentadora, mas será que pode?

Essa discussão apareceu de novo no escândalo da Gautama, a empreiteira do Zuleido. Na linguagem do empreiteiro, foram distribuídos ‘mimos’ a deputados, senadores, ministros, governadores – gente importante, enfim. E apareceu uma reportagem notável, citando as histórias policiais em que a prova do crime está à vista de todos, mas ninguém a vê por ser óbvia demais (a primeira história dessas, a propósito, é de Edgar Allan Poe, ‘A carta perdida’).

Vem então a revelação: o mimo da Gautama ganho pelo líder do DEM, senador José Agripino Maia, funciona como apoio do mouse. ‘É uma discreta agenda. Ninguém que entra no gabinete se dá conta disso’.

O título é ‘A prova do crime’. Receber agenda no fim do ano é crime? Será que, quando um tio empreiteiro nos dá um par de meias no aniversário, também estará nos levando ao submundo dos fora-da-lei?

Olho vivo

O Congresso discute, nesta semana, o que chama de reforma eleitoral – na prática, duas tungadas, uma no bolso do cidadão, outra em seu direito de escolha. Os meios de comunicação estão estranhamento quietos, sem reportagens nem matérias de análise sobre as alternativas eleitorais já existentes no mundo.

É o nosso!

A primeira tunga é o financiamento público de campanha. Com isso – uma quantia entregue pelo Tesouro a cada partido, com base em sua votação – espera-se eliminar a influência das doações de pessoas físicas e jurídicas na campanha eleitoral. Essas doações, imagina-se, estariam na raiz da corrupção, já que ninguém se mostraria disposto a doar sem cobrar o favor um pouco mais à frente.

Está aí uma série de sugestões de boas matérias – que incluirão, obviamente, pesquisas de opinião. O eleitor está disposto a pagar também a campanha eleitoral, além dos impostos que já paga por serviços que não lhe são prestados? Este colunista, se for consultado por algum instituto de pesquisas, dirá que não – e, aliás, é favorável também à extinção do Fundo Partidário. Quem quiser disputar cargos e poder que use seu dinheiro e o de seus amigos, não o seu, o meu, o nosso dinheirinho.

Outra matéria poderia mostrar o que acontece em países que têm financiamento público de campanha. A Alemanha, por exemplo, tem. E o primeiro-ministro Helmut Kohl caiu porque se descobriu que, além do dinheiro público, andou recebendo fartas doações privadas.

São os deles!

A outra tunga é o voto com lista fechada. Traduzindo: cada partido elabora sua lista de candidatos, por ordem de preferência. Terminada a votação, cada partido terá direito a determinado número de vagas, a ser preenchido na ordem da lista. Quinze vagas, ganham os primeiros 15, mesmo que o eleitor não os conheça, mesmo que o eleitor não goste de nenhum deles.

Em outros países – e esta é uma excelente pauta para nossos meios de comunicação – existem, além da lista fechada, o voto distrital misto e o voto distrital puro. No voto distrital misto, o eleitor vota em seu candidato e numa lista partidária. A bancada é formada por um misto dos eleitos e dos membros da lista. A vantagem é que, na lista, o partido coloca seus grandes nomes, aqueles que devem fazer campanha para os outros, não para si próprios. Gente como Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Delfim Netto, Jarbas Passarinho, entraria na lista. Os outros disputariam em seus distritos eleitorais, e o mais votado estaria eleito.

No voto distrital puro, só há candidatos nos distritos. O primeiro-ministro inglês Tony Blair, por exemplo, tem de disputar e vencer em seu distrito se quiser manter o cargo. A vantagem é que o eleitor conhece melhor os candidatos, já que vivem na mesma região. A desvantagem é que se favorece a eleição dos chamados ‘vereadores federais’, gente cuja visão se limita ao distrito e não dá bola para o país como um todo.

A lista fechada tem suas vantagens. Mas não podemos esquecer quem são os dirigentes partidários que iriam formar as chapas: Roberto Jefferson, Valdemar Costa Neto. Nem deixar de lembrar que os atuais parlamentares ocupariam obrigatoriamente os primeiros lugares da lista. É uma reeleição quase assegurada, e ainda por cima com o nosso dinheiro.

Não são pautas de primeira linha?

E eu com isso?

Este colunista estava preocupadíssimo: a milionária Paris Hilton, herdeira de uma rede de hotéis e que se tornou famosa após o vazamento de um vídeo com seu namorado, estaria presa ou solta? Foi presa, por dirigir bêbada e com a habilitação suspensa; foi solta por motivos de saúde depois de três dias; com os protestos generalizados, foi presa de novo (e, até o momento em que fechávamos esta coluna, continuava presa). Mas com uma restrição terrível, coitadinha:

** ‘Paris não poderá depilar as pernas na cadeia’

Agora, caro colega, imagine só o aparato tecnológico necessário para trazer esta notícia rapidamente até o Brasil!

Já a novidade sobre Preta Gil não exigiu tanto uso de equipamentos nem custos tão elevados: vem de mais perto. E é tão importante quanto:

** ‘`Sempre lavei minha calcinha no banheiro´, diz Preta Gil’

Não é excitante viver na época das notícias instantâneas?

O grande título

Nesta semana não há disputa possível: o vitorioso é um título inteiramente não-informativo:

** ‘Alemão pode ter fechado contrato publicitário quase milionário’

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados