Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Quem investiga não briga com o MP

O jornalCorreio Braziliense deste domingo (4/10) publicou reportagem com a seguinte manchete: ‘Investigadores desunidos’. Na mesma matéria, o jornal faz a chamada: ‘Briga entre policiais e integrantes do Ministério Público pelo poder de apuração é cada vez mais violenta’.

A Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol) é autora de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), apresentada em julho no STF, na qual questiona o controle da polícia pelo Ministério Público. O argumento da Adepol é que essa tarefa cabe às corregedorias de polícia responsáveis pela abertura de procedimentos administrativos.

A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) entrou na briga contra o Ministério Público e, na semana passada, entrou com uma ação no STF na qual questiona resoluções do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e do Conselho da Justiça Federal (CJF) e provimentos de quatro tribunais federais.

Os dispositivos, na avaliação da ADPF, conferem poder de polícia aos integrantes do MP ao dar-lhes a possibilidade de realizar e presidir inquéritos policiais (IPLs) e argumenta que pela Constituição Federal caberia ao MP apenas requisitar diligências e a instauração do IPL. A ADPF acha que essas resoluções deixam o MP no comando e os policiais como meros executores, ao criar uma relação de subordinação da polícia ao MP.

Guerra antiga e nefasta

A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) rebate. Segundo ela, o artigo 129 da Constituição Federal (CF) é claro ao delegar ao MP a função de exercer o controle da polícia e em nenhum momento diz que as investigações devem ser conduzidas exclusivamente pelas polícias. Argumenta que a resistência da polícia em se submeter ao controle do MP desafia a Carta Magna. Lembra ainda que a tarefa de controlar a polícia é regulamentada na Lei Orgânica do MP, que é uma lei complementar, conforme prevê a CF.

O presidente da Conamp, José Carlos Cosenzo, reclama: ‘Se eu posso determinar que os delegados façam diligências para mim, por que não posso realizar investigação?’

Os delegados de polícia retrucam: ‘O MP quer ter o controle das investigações e da polícia, é complicado concordar com isso. Os membros do MP querem escolher somente os casos que estão na mídia.’

Essa matéria doCorreio Braziliense mostra uma guerra antiga e nefasta para a ação investigativa no Brasil, masomite de forma espetacular que não é apolícia quem está brigando com o Ministério Público, mas sim, os delegados de polícia.

Escrivães, papiloscopistas e delegados

A Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), que representa 90% dos servidores da Polícia Federal, e nenhuma outra entidade estadual ou nacional dos policiais civis ou militares, que juntas representam também 90% dos policiais de todo o Brasil, jamais entraram com qualquer ação contra a realização de investigação por parte do MP.

O que a matéria doCorreio Braziliense omite e não se preocupa em esclarecer é que essa guerra contra o MP é uma coisa exclusiva dos delegados de polícia que não querem perder o poder de controle sobre malfadados e ultrapassados inquéritos policiais, que não apuram quase nada e que, na maioria das vezes, servem apenas como instrumento midiático individual para delegados galgarem condições para se elegerem para os mais variados cargos políticos, com a finalidade de manterem o status quo eternamente.

Os delegados de polícia não querem fazer a discussão da serventia para a nação desse instrumento ultrapassado e falido que é o inquérito policial (IPL). Fogem dessa discussão como o vampiro foge da cruz.

O que está em discussão entre o MP e os delegados é somente a briga pelopoder e nada mais. Esquecem os dois segmentos do principal personagem em todas as investigações no Brasil. Esquecem que quem investiga realmente todos os crimes são os agentes da polícia federal, os escrivães de polícia, os papiloscopistas, os investigadores de polícia e os peritos criminais, cabendo aos delegados apenas a montagem desnecessária de calhamaços de papéis repetitivos e mesmo assim baseados exclusivamente no trabalho dos outros, agindo assim como umToxoplasma gondii.

Preservação de poderes

Os delegados não querem modificações no IPL. Não querem que os relatórios dos verdadeiros investigadores, que possuem a mesma formação acadêmica deles, possam servir de base para uma célere formação da ação penal. Precisam desse instrumento da inquisição da igreja (IPL) como o Popeye precisa do espinafre. Sem esse instrumento de impunidade (IPL), o que restaria para os delegados executarem nas polícias?

A verdadeira matéria jornalística, aquela que realmente iria interessar ao injustiçado, sofrido e descrente povo brasileiro, seria uma matéria onde todos pudessem discutir a modificação, ou até mesmo a extinção, desse instrumento arcaico de investigação chamado inquérito policial que, desde 1871, na maioria esmagadora das vezes só serve como permuta de favores políticos e de frutos midiáticos para quem os conduz e preside.

Tanto os delegados como os membros do Ministério Público, ao brigarem pela disputa de comando dessa excrescência jurídica chamada inquérito policial, prestam um desserviço à nação e, principalmente, ao povo brasileiro tão carente de crença na justiça e nos mecanismos apuratórios policiais como um todo.

Ao defenderem e brigarem pela manutenção da maior peça de impunidade existente (IPL) na seara criminal, estão apenas pensando corporativamente na preservação de poderes, e não na real possibilidade de modernizar e atualizar os mecanismos de investigação no Brasil.

‘Indiciar ou não indiciar’

Pobre o país onde delegados e promotores brigam para ver quem deve ter opoder de continuar a investigar através do IPL que nada mais é do que umInquisitio Haereticæ Pravitatis Sanctum Officium. Não se importando em perguntar aos verdadeiros investigadores e a toda a nação brasileira o que acham disso.

Registramos aqui que a matéria do jornalCorreio Braziliense é errônea e induz os leitores ao erro quando traz a manchete ‘Briga entre policiais e integrantes do MP pelo poder de apuração é cada vez mais violenta’. Os policiais que realmente executam todas as tarefas de investigação policial (agentes, investigadores, escrivães, papiloscopistas e peritos) não brigam com o MP. Brigam para que suas tarefas investigativas não sejam transformadas em calhamaços de papéis e oitivas eternas e, o pior de tudo, não se transformem em objetos intermináveis de disputas políticas pontuais e ideológicas. Brigam para que o apuratório executado com muito trabalho, dedicação, afinco e, às vezes, até com risco de vida, não fique à mercê do ‘indiciar ou não indiciar’. Eis a questão!

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Bacharel em Direito e Jornalismo e ex-presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais – Fenapef, Fortaleza, CE