Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Quem não leu, deveria

Refiro-me à reportagem ‘Infância perdida’, publicada no jornal Correio Braziliense do dia 22 de novembro de 2006. A assinatura é de Erika Klingl. São 12 páginas de puro jornalismo. Sem apelações, bem-escrita, fundamentada. Impossível ficar indiferente, repito, impossível. A repórter viajou mais de 11 mil quilômetros passando por oito estados. Foi a campo para contar as histórias de crianças que tiveram suas infâncias roubadas pela exploração sexual. Além de conseguir mostrar o que pretendia, mostrou ainda a inoperância da proteção da infância, a ação de professores e diretores despreparados que contribuem para agravar o problema, quando deveriam atuar no sentido contrário, o papel da família, uma pobreza que desumaniza, levando crianças de 10 anos a venderem o único ‘bem’ que possuem, o corpo.

Mostra ainda o papel nefasto do turismo sexual. Impressionantes os relatos da meninas de Fortaleza, que chamam seus algozes de ‘namorados’ e sonham que estes as levarão para a Europa e serão seus maridos. Confesso que consegui chegar à terceira página sem derramar uma única lágrima. Mas depois que comecei ler a história de Iara, de 12 anos, que está grávida de seis meses de um senhor de 70, não agüentei. Iara tinha relações sexuais com este senhor na periferia de Belém e recebia 10 reais pelo ‘serviço’. E os relatos surpreendentes, revoltantes estão por toda a reportagem, como as irmãs de Medina, no Vale do Jequitinhonha, que ficam às margens da rodovia Rio-Bahia esperando seus ‘clientes’.

O sentimento evocado em toda a reportagem é que algo de muito podre está presente cotidianamente na rotina de crianças das várias regiões do país. Que o Estado brasileiro não reúne mecanismos minimamente eficazes de combate à exploração sexual. Que a exploração sexual é problema gravíssimo. Que não podemos e não devemos ficar indiferentes. Que temos que pensar numa escola capaz de atrair crianças, e não afugentá-las, justamente aquelas crianças que mais precisam de apoio.

Parabéns, Érika. E quem não leu, leia.

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Antropólogo, 24 anos, Brasília