Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Quem tem medo da verdade?

Fui surpreendido ao ser citado, com destaque, na revista Veja (edição 1.905, de 18/5/2005). Meu nome apareceu numa reportagem sobre o caso Kroll, aquele da suposta espionagem contratada pela Brasil Telecom contra a Telecom Italia e que teria respingado em membros do governo federal.

Num dos trechos, no box sob o título ‘Reportagens sob suspeita’, a revista afirma que a Polícia Federal teria descoberto que a Kroll faria uso da imprensa para publicar reportagens de seu interesse e de um de seus clientes – a Brasil Telecom, sob o controle do banqueiro Daniel Dantas, do Opportunity.

Mais ainda: reproduzindo trechos de um relatório da Polícia Federal, que é parte de um processo que corre em segredo de justiça, Veja empresta suas páginas para acusações ainda mais graves. Uma delas: ‘Há, desse modo, indícios de que Leonardo Attuch favoreceria a quadrilha no investimento criminal supracitado’. A suposta quadrilha, a qual se refere a Polícia Federal, seria formada pelas empresas Opportunity e Kroll.

Sigilo e sigilos

Cabe a mim, portanto, não apenas rebater as acusações, como também trazer à tona fatos novos para a devida compreensão do assunto – e que foram omitidos pela revista Veja.

Os ataques oficiais contra minha honra, contra a revista Dinheiro e contra a Editora Três, agora públicos, já haviam sido feitos pela Polícia Federal, no dia 27 de setembro de 2004, quando foi pedida a quebra do meu sigilo telefônico ao juiz Luiz Renato Pacheco Chaves de Oliveira, da 5ª Vara Criminal de São Paulo. Para tanto, a Polícia Federal listou reportagens que, segundo as autoridades policiais, ‘favoreceriam a quadrilha’. Além disso, pediu que a investigação se desse sob segredo de justiça [grifo da própria PF]. Eis o argumento dos policiais:

‘Que a cautela dos autos do procedimento que se inicia fique com esta autoridade policial, a fim de que se mantenha o necessário sigilo da operação, resguardando as provas produzidas e protegendo os policiais federais envolvidos nas operações de Inteligência.’

Após receber tal pedido, eis o que responde o juiz Luiz Renato Pacheco:

‘Está-se diante de possível mitigação de direitos fundamentais; e, assim sendo, para que fosse possível invadir esta seara, seria necessário existir sólidos indícios de práticas criminosas, o que não restou patente no caso em tela’.

Portanto, a decisão foi clara. O juiz entendeu que não existem indícios de crimes. Ainda assim, atropelando a Justiça, a Polícia Federal listou as mesmas acusações contra mim, contra a revista Dinheiro e contra a Editora Três em seu relatório final sobre o caso Kroll – e o documento, pasmem, foi vazado para a revista Veja!

Ou seja: existe sigilo na hora de investigar, mas não existe sigilo na hora de se achincalhar a honra de um profissional sério, de uma publicação líder no mercado de economia e negócios e ainda de uma editora de revistas verdadeiramente independente. Por que tanta violência? Por que tanto arbítrio?

Caso curioso

É possível que as reportagens da revista Dinheiro, citadas pela Polícia Federal em seu pedido de quebra de sigilo, tenham incomodado muita gente. Será esse o motivo da violência oficial?

Eis uma das reportagens: uma simples entrevista pingue-pongue, pergunta e resposta, com Jules Kroll, o fundador da agência Kroll. Entrevistá-lo on the records passou a ser, segundo os policiais, indício de crime.

Outra reportagem: uma denúncia também on the records, formulada por dois executivos que foram ligados à Previ, o fundo de pensão do Banco do Brasil, apontando que a Brasil Telecom havia sido forçada pelo governo federal e pela Telecom Italia a superfaturar em US$ 250 milhões a compra de outra operadora telefônica – tal reportagem, diga-se, foi finalista de um dos mais importantes prêmios de jornalismo do país.

Um terceiro artigo citado pela PF: a revista Dinheiro, revelou, com exclusividade, o diário secreto da Parmalat, em que Stefano Tanzi, filho do fundador da empresa, narra sua angústia com a crise financeira da multinacional do leite. Aqui, há um caso curioso. Os policiais citam, como indício de crime, uma conversa do português Tiago Verdial, suposto espião da Kroll e um sujeito que jamais vi, com sua mãe, dizendo ser ‘responsável’ pela reportagem. A Polícia Federal leva a sério as lorotas de um português, mas sequer me chama para ser ouvido numa investigação a meu respeito.

Fatos confirmados

Finalmente, outra reportagem citada pelos policiais: aquela em que a revista Dinheiro apontou contradições da Polícia Federal na condução do caso Kroll. Meses depois da publicação do artigo, eis o que disse o deputado Paulo Delgado (PT-MG):

‘A Polícia Federal não está agindo na defesa do Estado; ela interroga, indicia e atormenta a vida do Opportunity, visivelmente favorecendo um dos lados’.

Estaria Paulo Delgado, um petista histórico, também a serviço de uma quadrilha?

Talvez a Polícia Federal não saiba, talvez alguns membros do governo Lula não saibam e talvez a própria revista Veja não saiba que os jornalistas podem, sim, errar. Muitas vezes, pagam caro por isso. Mas eles estão sujeitos, segundo a Constituição brasileira, à Lei de Imprensa. O caminho correto para questionar uma reportagem é a via dos tribunais, apresentando argumentos e não aleivosias.

No meu caso específico e da revista Dinheiro, nenhuma das reportagens citadas pela Polícia Federal em seu pedido de quebra de sigilo jamais foi contestada por qualquer parte citada. Portanto, eu, que já estava convicto de que eram verdadeiras, hoje acredito que são irrefutáveis. Mas ainda há tempo. Caso alguém ainda discorde do que escrevi, seja na Polícia Federal, em alguma empresa ou no governo Lula, que me processe. É essa a regra do jogo.

Por fim, esclareço ainda que nenhuma publicação informou tão bem seus leitores sobre o caso Brasil Telecom quanto a revista Dinheiro. Enquanto a imensa maioria da imprensa apontava um desfecho, Dinheiro antecipava que as ações do grupo Opportunity na operadora poderiam ser vendidas à Telecom Itália, fato que se confirmou.

Dinheiro serve aos interesses de seus leitores, que querem ser bem informados e, por isso, já lhe consideram a publicação de maior credibilidade no mercado de economia e negócios. E a revista Veja? A que tipos de interesses empresta suas páginas?

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Editor de Economia da revista IstoÉ Dinheiro