Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Querem acabar com a liberdade de expressão

Os trabalhadores e o movimento sindical acalentam um sonho antigo: ter um veículo de comunicação próprio, capaz de dar voz a essa grande parcela da população brasileira e, principalmente, saber ouvir os anseios dela. Sonhávamos com uma publicação que tivesse a linguagem do trabalhador: acessível, enriquecedora, interessante. Uma publicação que mostrasse o que acontece no Brasil e no mundo sob a ótica de quem produz, e não de quem mantém os meios de produção e que, tradicionalmente, são os donos das principais mídias. Nosso sonho enfrentou inúmeros desafios para ser concretizado. Algumas entidades conseguiram, por algum tempo, viabilizar a manutenção de veículos próprios – mas a um alto custo e chegando a um grupo limitado de trabalhadores.

Finalmente, 23 dos maiores sindicatos do país decidiram unir esforços para materializar esse sonho e, no dia 12 de junho, foi oficialmente lançada a Revista do Brasil. A publicação nasceu mensal, com tiragem de 360 mil exemplares distribuídos aos sindicalizados a essas entidades no estado de São Paulo e nas cidades do Rio de Janeiro, de Brasília e Porto Alegre.

Conquista que incomoda

Uniram-se, no esforço de fazer uma publicação dos trabalhadores e para os trabalhadores, metalúrgicos, bancários, químicos, professores, profissionais da área de saúde, eletricitários, entre outros. Novas adesões estão se tornando corriqueiras. Mensagens chegam diariamente pedindo informações sobre como receber a revista em outros estados, de pessoas que não mantêm relação com qualquer um dos sindicatos parceiros. A possibilidade de dar acesso a esses cidadãos levou a revista, em edição eletrônica, aos sítios de internet dos sindicatos e da Agência Carta Maior. As equipes de jornalistas dessas entidades foram mobilizadas pelo sucesso da parceria. Outros profissionais foram contratados e, juntos, produziram os três números da Revista do Brasil distribuídos em junho, julho e agosto.

As categorias envolvidas aplaudiram a publicação. Os trabalhadores e seus familiares ganharam acesso a notícias sobre política, economia, saúde, comportamento, esporte, história, dicas de lazer, cultura, viagem, sempre de acordo com seu ponto de vista, suas necessidades e possibilidades. O primeiro número trouxe na capa o presidente Lula, numa reportagem que analisa os motivos que o levam a permanecer com popularidade em alta – assunto já tratado em outras publicações, pelas mais variadas óticas. A edição de julho tem como assunto de capa o impacto das demissões anunciadas pela Volkswagen na vida do trabalhador, tipo de matéria rara já que, em outros veículos de comunicação, o ponto de vista apresentado é sempre o da empresa. O terceiro número acaba de ir para a gráfica e o destaque vai para um balanço sobre a situação da educação no Brasil, incluindo críticas e elogios ao atual governo.

Apesar de políticos, grandes empresas e diversos empresários dos mais diversos ramos contarem com participação acionária em variada gama de veículos de comunicação no Brasil – que retratam suas verdades, posições e opiniões todo santo dia –, a conquista dos trabalhadores, que conseguiram após tantos anos adquirir o seu próprio meio de comunicação, parece ter incomodado. A coligação PSDB-PFL entrou com representação no Tribunal Superior Eleitoral contra a regional São Paulo da Central Única dos Trabalhadores (CUT) por conta da veiculação da primeira edição da Revista do Brasil. A coligação alegava que algumas matérias visavam ‘ressaltar a suposta força eleitoral do presidente da República’ e outras faziam ‘propaganda negativa’ do candidato Geraldo Alckmin, ambas reportagens baseadas em fatos, em dados.

Pilares essenciais

No dia 26 de julho, o ministro Carlos Alberto Menezes julgou procedente essa representação e proibiu a distribuição da Revista do Brasil nº 1. Perplexos com a decisão, manifestaram-se os sindicatos, profissionais e leitores. O depoimento de Marcos Gonçalves no sítio da agência Carta Maior foi emblemático: ‘A atitude de partidos como o PSDB e o PFL apenas reforça o medo que eles e a elite, a quem representam, têm de uma outra visão dos acontecimentos. São grandes defensores da liberdade. Liberdade? Qual? (…) Querem a exclusividade em produzir as versões para os fatos. Por isto, órgãos como a Revista do Brasil simplesmente não podem existir.’ O internauta Carlos Henrique é ainda mais duro: ‘Vivemos numa ditadura, ditadura hipocritamente chamada de democracia, ditadura de uma classe que, através da mídia, impõe a ditadura do pensamento único e qualquer um que conteste isso é veemente rechaçado.’

O presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Maurício Azedo, considerou inconstitucional a decisão de proibir a circulação da primeira edição da revista. ‘Trata-se de uma exorbitância do TSE, porque a Constituição é clara quando diz que a lei não poderá constituir nenhum empecilho à liberdade de expressão do pensamento por qualquer meio de comunicação.’

Nós, dirigentes sindicais responsáveis pela Revista do Brasil, acreditamos na liberdade de expressão e na Justiça como pilares essenciais à democracia. Sem liberdade, a verdade não aparece. A Associação Nacional de Jornais mantém em parceria com a Unesco uma Rede em Defesa da Liberdade de Imprensa e prega: ‘A defesa da liberdade de imprensa certamente contribui para o fortalecimento das instituições democráticas no país. Esse é um trabalho incessante em favor da sociedade, sobretudo, que por ter direito constitucional à informação deve defender a imprensa livre…’ Onde está escrito que o trabalhador não pode ter sua voz?

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Diretores responsáveis pela Revista do Brasil: o primeiro, presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região; o segundo, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC