Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Reação contra o abuso é legítima

Semana passada o deputado José Carlos Aleluia (PFL-BA) afirmou publicamente que o imoral aumento dos autoconcedido pelos parlamentares é legal e legítimo. A reação pífia da mídia às suas palavras merece comentários.


A democracia brasileira já tem duas décadas e tem sido muito pródiga… apenas para a elite do funcionalismo. Nestas duas décadas as aposentadorias dos cidadãos comuns encolheram enquanto as dos administradores públicos, legisladores, procuradores e juízes engordaram. Os salários dos servidores públicos subalternos encontram-se praticamente congelados. Já os vencimentos de governadores, secretários de estado, presidente, ministros, desembargadores, juízes, procuradores, promotores, legisladores etc estão rapidamente se tornando dignos do Primeiro Mundo. Mas no mundo em que vivemos as coisas não melhoram justamente em razão do excessivo custo do Estado (ou melhor, do excessivo custo da elite da burocracia brasileira).


A imprensa tem acesso privilegiado às informações estatísticas. Portanto, está em condições de proporcionar aos cidadãos argumentos valiosos para que eles possam se contrapor ao argumento vazio do deputado Aleluia.


O deputado disse que o aumento é legítimo. Não é, não. Especialmente num país que deliberadamente ignora as convenções internacionais de direitos humanos que subscreveu como se os pobres não fossem seres humanos (muito embora sejam humanos demais para tolerar os abusos das autoridades cujos salários gordos e aposentadorias gratificantes ajudam a pagar).


Aleluia diz que o aumento é legal. Não é, não. A Constituição em vigor prescreve expressamente que a administração pública deve observar o princípio da moralidade. O aumento é imoral por várias razões, dentre as quais destacam-se duas, de peso: o crescimento econômico do país nestes últimos anos foi ridículo, o que prova a incompetência das autoridades constituídas dos três poderes; e os salários dos demais servidores estão praticamente congelados, de maneira que a elite do funcionalismo não pode se autoconceder aumento que recusa aos demais servidores.


Direitos humanos


Por falar em imoralidade, numa democracia séria o deputado Aleluia seria processado e cassado. Afinal, ele defendeu publicamente a legalidade de um ato claramente inconstitucional. Se isto não é quebra de decoro parlamentar, então não sei o que quer dizer o vocábulo decoro.


Somos responsáveis pelo que está ocorrendo. Pagamos nossos impostos, votamos e acreditamos que isto só basta. Não basta, não. Se não se der um basta nesses abusos, estes não apenas vão continuar como tenderão a aumentar. Compete à mídia auxiliar os cidadãos a se defender dos poderosos, sempre prontos a cuidar mais dos próprios interesses do que do interesse público.


Os cidadãos podem fazer várias coisas para legalmente refrear o animo aristocrático da elite do funcionalismo. A Constituição confere ao cidadão o direito de se reunir e de se manifestar pacificamente contra os aumentos. A legislação confere aos brasileiros o direito de ajuizar ações populares quando as autoridades abusam. Mas, neste caso, os interessados serão obrigados a aguardar decisões maculadas pelo corporativismo (principalmente se os interesses dos desembargadores forem afetados).


O Brasil é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos e da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Em razão do disposto no art. 5º, parágrafo 2º, da Constituição Federal, todos somos titulares destes direitos inalienáveis. As autoridades não podem ignorar nossos direitos humanos para satisfazer sua própria ganância.


Os salários abusivos privam o Estado de recursos que podem e devem ser usados para resguardar nossos direitos humanos. Caso insistam em nos privar do que é nosso, podemos recorrer às cortes internacionais alegando que o Brasil está a violar as convenções de direitos humanos que subscreveu para sustentar uma casta de servidores que acintosamente ignora a miséria de parte significativa da população.


Há na internet um modelo bastante razoável e interessante de representação à Comissão Interamericana de Direitos Humanos requerendo o congelamento dos salários da elite da burocracia brasileira, em razão da violação da Convenção Americana de Direitos Humanos.


A imprensa deveria insistir na possibilidade de reação e ensinar aos brasileiros o que eles podem e devem fazer para se defender do abuso.

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Advogado, Osasco, SP