Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Reações emotivas

Fiquei chocado com a opinião ‘Reagir é preciso’, de Clóvis Rossi (Folha de S.Paulo, página 2, 3/2/2005), no qual ele faz da diferença entre barbárie e civilização a justificativa para as recomendações das polícias brasileira e inglesa, respectivamente.

A recomendação para não reagir a assaltos é assunto de psicologia forense e tem respaldo favorável em estatísticas. A maioria das vítimas que reage a assaltos se machuca, se o agressor tem uma arma de fogo a reação quase sempre resulta em morte. Pouco importa se a polícia é de primeira ou quinta categoria.

São estas mesmas estatísticas que apontam a inutilidade de uma arma de fogo para defesa pessoal em assaltos. O assaltante tem a seu favor o elemento surpresa. A não ser que a vítima seja um paranóico com olhos na nuca e ande 24 horas por dia com a arma em punho (sem considerar outras exigências, como saber atirar, por exemplo), suas chances de morrer ou se ferir ao reagir num assalto são muito grandes. Nem mesmo policiais treinados devem reagir se as circunstâncias não forem muito restritas.

Há outro grave problema omitido ou ignorado pelo colunista. Desconfio que o uso de armas de fogo em assaltos no Brasil é absurdamente maior que na Inglaterra. Nenhuma polícia do mundo recomendaria reagir diante de um assaltante portando arma de fogo, nem mesmo a Scotland Yard.

Gênese de tolices

Também é inconseqüente a sugestão de que alguém ficaria livre de transtornos legais por matar em legítima defesa. Sempre haverá uma investigação, um inquérito policial. Na melhor das hipóteses, o promotor recomenda o arquivamento do processo, porém há sempre um risco – dependendo das circunstâncias do crime – de o processo criminal ser levado adiante, ainda que sobrevenha absolvição por legítima defesa na maioria dos casos.

Além disso, a lei jamais autorizará alguém a matar outra pessoa, nem que seja em legítima defesa. Isso simplesmente não está escrito na nossa legislação penal e duvido que o esteja na legislação inglesa. O que existe é uma recomendação da lei no sentido de que seja o indiciado liberado (ou o réu absolvido) quando se verificar a legítima defesa. Deve-se ter em conta que os excessos são puníveis. Ou seja, uma vez que se constatou que o agressor estava imobilizado ou impedido de consumar o crime, se a vítima, por exemplo, lhe tirar a vida, responderá por homicídio doloso e são grandes as chances de sofrer uma condenação… na Inglaterra ou aqui.

Por trás destas recomendações da polícia inglesa muito provavelmente deve existir interesses eleitoreiros.

Reações a assalto são impelidas por forte emoção. Da mesma forma, a reação do colunista contêm forte carga emocional. E é a emoção a gênese de uma série de tolices que se tem defendido nos últimos anos, como a redução da maioridade penal ou a pena capital; ou o suposto direito de matar um agressor; ou a célebre frase daquela turminha de políticos notoriamente truculentos: ‘Bandido bom é bandido morto!’ Quanta civilidade!

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Advogado, Osasco, SP