Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Recursos apresentados

Minha advogada, Denise Pinto Martins, ajuizou, no dia 23, os dois primeiros recursos à sentença do juiz Raimundo das Chagas Filho, da 4ª vara cível de Belém. Ele me condenou a pagar indenização por dano moral alegado por Romulo Maiorana Júnior e Ronaldo Maiorana, donos do grupo Liberal. Eles me acionaram por suposta ofensa à memória do pai, Romulo Maiorana, citado em artigo que escrevi para um livro publicado na Itália (e reproduzido no Jornal Pessoal de setembro de 2005), por sua ligação no passado ao contrabando, que interferiu sobre a obtenção de um canal de televisão, o da TV Liberal.

O primeiro recurso suscitou a suspeição do juiz, acusando-o de haver deliberado de forma tendenciosa e parcial em favor de uma das partes. O titular da 4ª vara não apresentou qualquer elemento de prova para sua conclusão de que a ‘capacidade de pagamento’ deste jornal ‘é notória’, devido à sua ‘grande aceitação pelo público, principalmente pela classe estudantil, o que lhe garante bom lucro’. Razão para arbitrar o valor da condenação em 30 mil reais, onerado pelo pagamento de honorários advocatícios (fixado pelo máximo, 20% do valor da causa) e as custas processuais.

Além de considerar devida a indenização que os irmãos Maiorana cobraram, o juiz deferiu ainda duas medidas inibitórias. Uma delas foi me obrigar a publicar a carta dos Maiorana, como direito de resposta. Mas não há essa tal carta nos autos do processo. Os irmãos teriam o direito de juntá-la depois de lavrada a sentença, quando o processo se encerrou e o juiz perdeu a jurisdição sobre a questão no 1º grau? Sem falar de que tal esdrúxula juntada seria feita sem o devido processo legal e sem o contraditório, já que não fez parte da instrução processual. Um absurdo.

Omissões e contradições

O juiz Raimundo das Chagas me proibiu também de voltar a me referir tanto a Romulo Maiorana pai quanto aos seus dois filhos. O problema é que Romulo Júnior e Ronaldo só pediram tutela inibitória para a memória do pai, por expressões supostamente ofensivas (embora sem citar uma única de forma específica). Nada pediram para eles próprios. Assim, o magistrado violou o artigo 460 Código de Processo Civil, concedendo o benefício extra e ultra petita, como dizem os advogados, incorrendo em grave erro de ofício e dando causa a uma nulidade.

A exceção de suspeição proposta considera que esses erros não foram casuais. Caracterizam o desejo do julgador de favorecer os autores da ação de indenização, sem considerar as provas que desautorizam a pretensão e sustentam a verdade dos fatos relatados pelo artigo.

O outro recurso é um embargo declaratório, através do qual minha defensora aponta omissões e contradições na sentença e pede que ela seja modificada, a fim de se adequar às provas contidas nos autos.

As duas peças foram protocoladas no dia 23 e encaminhadas ao juiz exatamente uma semana depois, no dia 30.

Pela liberdade

Uma das manifestações mais interessantes sobre a decisão do juiz Raimundo das Chagas Filho veio de Porto Alegre. A advogada Simone Nejar, que já foi funcionária da justiça gaúcha, mandou comentário para um blog alertando para o que os processos judiciais representam enquanto ameaça ao chamado ‘crime de opinião’. Esse delito foi banido pela Constituição de 1988, mas a carta magna do país ‘é hoje pisoteada por leis feitas sob encomenda para calar a boca de servidores públicos. Quanto aos jornalistas, a ameaça de processos judiciais, os gastos com advogados, o desgaste e o tempo precioso perdido para explicar o óbvio, com certeza, contribui para que muitos fiquem calados’.

Simone foi direto à essência da questão: ‘Uma ação movida contra um jornalista pode comprometer as suas economias ou o dinheiro que venha a ganhar no futuro, se tiver que pagar advogados para se defender, configura, via de regra, um real abuso do poder econômico da parte de quem move os processos’. A eventual vitória que o processado vier a alcançar em sucessivas instâncias, será ilusória: ‘Ao final do último round, digo, da última instância, o jornalista estará exausto, quebrado, não raro indisposto com sua família’.

Simone diz acreditar piamente ‘que só a imprensa livre poderá salvar este país’. Por isso, se dispõe, como advogada que é, ‘a defender os jornalistas engajados em passar a limpo as denúncia, os maus atos e malversações, os abusos do poder econômico e o cerceamento das liberdades civis no Brasil’.

Espero que seu exemplo gere frutos em todo país. Em especial, neste nosso cada vez mais silente e submisso Pará.

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Jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)