Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Redes sociais inflamam a revolução

Ali tem 29 anos. Sua melhor amiga, uma xiita que anda de saia e não usa véu, chama-se Adawiyah e tem 28 anos. Ambos não revelam sobrenomes por medo da repressão que ronda o Bahrein e já levou dezenas de ativistas e blogueiros à prisão sob diversas acusações. Alguns de seus conhecidos foram torturados. Ambos já receberam ameaças pelos perfis na rede Twitter, usada para divulgar o que presenciam durante os protestos que ocorrem desde fevereiro.

Tanto Ali como Adawiyah fazem parte de uma elite jovem e liberal, educada em universidades da Europa e dos EUA, com trabalhos em multinacionais e bons salários. Ambos têm plena consciência dos riscos que correm ao blogarem ou tuitarem sobre o que vem ocorrendo no país e contradizendo a mídia oficial.

“O que quer que aconteça aqui nos afeta diretamente. Somos um país muito pequeno, mas a nossa riqueza anual é na casa dos bilhões e bilhões de dólares. Esse é um dinheiro que deveria ser investido e entregue ao povo, mas ele míngua e a maior parte da população não vê absolutamente nada. Não temos transparência”, diz Ali, inconformado.

“Um amigo me perguntou porque eu me importo tanto com essa revolução se eu tenho uma vida boa e não me falta nada. Minha resposta é que eu tenho sorte – e isso não é justo, pois muitas pessoas aqui não possuem essa mesma sorte e, apesar de trabalharem muito duro, serem inteligentes, não conseguem progredir, não têm chances – eu poderia muito bem ser uma dessas pessoas”, diz Adawaiyah.

Ambos concordam que as principais vantagens das mídias sociais e da internet móvel durante mais um embate no Bahrein são a velocidade com que as notícias se espalham, a habilidade de contradizer a versão oficial do governo e a mobilização de mais pessoas revoltadas, que agora se sentem parte de algo maior e não mais lutando individualmente por aquilo em que acreditam.

Confrontar o governo

“As pessoas não ficam mais isoladas. A mídia social mudou completamente a mentalidade das pessoas e fez elas perceberem que têm uma voz. Você não consegue mais ser um alienado nos dias de hoje, quando o país está em chamas”, diz Adawiyah.

“Comecei a tuitar o que estava vendo nos primeiros dias de protesto, quando nada muito pesado estava acontecendo ainda. Eu tinha amigos completamente desligados do que estava ocorrendo e queria mostrar para eles que a situação era muito séria. Meu primeiro tuíte foi quando acordei na madrugada ouvindo tiros”, conta Ali. No dia seguinte, ele buscou informações sobre o assunto e não encontrou na imprensa local. “Não podia mais ficar sentado esperando para ler as histórias – tinha de ir ver por mim mesmo”, diz.

Segundo os dois jovens, os grandes feitos obtidos pelos blogueiros e tuiteiros que tiveram a mesma atitude foram organizar melhor os protestos e, principalmente, desmentir as informações que o governo divulgava localmente e para o mundo.

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Governo do Bahrein reage com contrainformação à revolução na web

A mobilização de jovens como Ali e Adawivah contra o governo do Bahrein resultou em uma reação de contrainformação. “O Ministério do Interior, por exemplo, divulgou um tweet após um confronto no qual três pessoas morreram dizendo que a polícia havia sido atacada por 50 pessoas com espadas”, conta Ali. O momento do choque, no entanto, havia sido filmado e foi parar no YouTube. “Viu-se claramente que os manifestantes estavam desarmados.”

Outra tentativa veio do ministro das Relações Exteriores, Khalid bin Ahmed bin Mohammed Al Khalifa, que divulgou uma foto de um manifestante atacando um policial. Em poucos minutos, a mobilização online provou que a imagem era de 2008. “O governo divulgou que não estava usando artilharia pesada para conter os manifestantes, só que eu mesmo filmei helicópteros sobrevoando meu prédio.”

Ambos reconhecem, entretanto, que o auxílio da internet fica quase limitado à capital. “Nas vilas, o Exército é brutal e ninguém faz nada”, diz Adawiyah.

Outro ponto importante é que o governo do Bahrein não poderia, simplesmente, desligar todas as conexões, como fizeram Egito e Líbia. O país possui diversas multinacionais instaladas que dependem da rede para seus negócios. No entanto, fontes ligadas ao governo local confirmam uma nova divisão do Exército que monitora os tuiteiros e blogueiros locais e tenta intimidá-los a parar de propagar o que chamam de “atos revolucionários contra a segurança nacional, promovidos por setores religiosos da população”.

“Isso é um absurdo. Nenhuma das demandas dos manifestantes tem a ver com privilégios para uma ou outra divisão religiosa. Todas as demandas são políticas, mas mesmo em tempos de internet há ainda muito tabu e medo em se discutir as reformas ou criticar a realeza abertamente”, diz Ali.

Para dar um exemplo, ele, que tem mais de 800 seguidores no Twitter, conta que, cada vez que postava qualquer coisa, por mais irrelevante que fosse, recebia entre 80 e 120 respostas ou reenvios de mensagens. “Resolvi jogar um tema forte na rede e tuitei: “Eleições diretas para premiê. Discutam”. Não obtive sequer uma resposta ou reenvio de mensagem.” (Solly Boussidan)