Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Resistência à censura judicial é uma causa de todos

Quando se afirma que esta é a Era da Comunicação colocamos a Comunicação como prioridade na agenda de debates. Acontece que raramente a mídia e a imprensa estão na pauta da mídia e da imprensa, contradição difícil de ser explicada e mantida por mais tempo. Neste sentido, a própria realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação, a Confecom, constitui um salutar avanço.


Algumas das propostas aprovadas pelo plenário, se implementadas, poderão corrigir graves disfunções do nosso sistema midiático. Uma delas é a restrição a concessão de canais de rádio e televisão a parlamentares e governadores. Outra proposta que poderá corrigir e contornar o lamentável erro do STF ao extinguir a obrigatoriedade do diploma é a criação do Conselho Nacional de Jornalistas, uma espécie de Ordem dos Jornalistas. Certamente aparecerão outras quando for publicado relato final e formal do evento.


A Confecom porém equivocou-se ao ignorar de forma ostensiva a censura imposta ao Estado de S.Paulo‘ há 140 dias pelo Tribunal de Justiça de Brasília a pedido de Fernando Sarney gestor, dos negócios da família do presidente do Senado.


A única moção de protesto contra José Sarney aprovada na sessão final foi vaga e imprecisa (‘por patrocinar o cerceamento da liberdade de expressão’). Não se referia especificamente ao caso da censura ao Estadão e poderia valer para o caso de uma blogueira do Amapá, vítima de dezenas de processos movidos pelo presidente do Senado.


Novo modelo


A desistência do clã Sarney de prosseguir na calamitosa censura prévia ao jornal agrava o lapso cometido pelos organizadores da Confecom. Perderam uma maravilhosa oportunidade de retirar das mãos das entidades empresariais o bastão da luta pela liberdade de expressão.


Abdicar da luta contra a censura porque ela só interessa ao patronato é um grave erro político combinado com uma vocação profissional suicida. Além de constituir-se numa arrevesada forma de reviver a luta de classes.


A censura judicial que ora se implanta no país prejudica mais os jornalistas do que os empresários. Veja-se o caso da decisão divulgada na quinta-feira (17/12, pág. A-13) condenando a Folha de S.Paulo e seu repórter investigativo, Frederico Vasconcelos, pela revelação das irregularidades cometidas pelo juiz Ali Mazloum. O jornal terá que pagar 1,2 milhão de reais como indenização por ofensas morais, mas o repórter foi enquadrado, intimidado, cerceado no seu direito e no seu dever de informar a sociedade.


O fato da censura imposta ao Estadão beneficiar os negócios da família Sarney, principal aliado do governo, não deveria comprometer ou mitigar o engajamento dos profissionais na luta pela liberdade de imprensa. A resistência à censura togada é uma causa que deve reunir com igual empenho todos os segmentos da atividade jornalística.


Ignorar o novo modelo de mordaça é uma forma de partidarizar e relativizar as lutas pelo Estado de Direito. Se a defesa da democracia não consegue mobilizar todas as tendências políticas do país algo, está errado com elas.


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Fernando Sarney anuncia desistência de ação contra o Estado


Reproduzido do portal estadao.com.br, 18/12/2009 (16h52)


O empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), anunciou nesta sexta-feira, 18, ter desistido da ação que move contra O Estado de S.Paulo. Liminar aceita em 31 de julho pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF) impede o jornal de publicar reportagens sobre a Operação Faktor, antes conhecida por Boi Barrica, da Polícia Federal. A censura o Estado e ao estadao.com.br perdura há 140 dias.


Até o momento o jornal não recebeu nenhum documento que confirme o pedido de desistência e seus termos. Enquanto não houver decisão judicial sobre o pedido a decisão que censurou o jornal continua em vigor. A análise do pedido só deve ser feita em janeiro, já que o TJ-DF entra em recesso nesta sexta-feira (18/12).


Um dos investigados na operação, que está sob segredo de Justiça, Fernando Sarney é suspeito de tráfico de influência, lavagem de dinheiro e remessa ilegal de divisas para o exterior. Por ‘cada ato de violação’ da decisão judicial, o TJ-DF determina aplicação de multa de R$ 150 mil – , isto é, para cada reportagem publicada.


Junto com a nota à imprensa, Fernando Sarney também encaminhou uma carta à Associação Nacional de Jornais (ANJ) justificando o que o levou a processar o jornal.


A liminar que proibiu a publicação de informações sobre a investigação da PF veio em meio às pressões para que José Sarney deixasse a presidência do Senado, e foi acatada pelo desembargador Dácio Vieira em 31 de julho. Para o magistrado, o jornal não poderia publicar qualquer informação que estivesse sob segredo de Justiça.


Convívio social


Ex-consultor jurídico do Senado, o desembargador é do convívio social da família Sarney e do ex-diretor-geral do Senado Agaciel Maia. Vieira foi um dos convidados presentes ao luxuoso casamento de Mayanna Maia, filha de Agaciel, da qual Sarney foi padrinho. Ele foi fotografado ao lado do senador. Na mesma data, o Estado revelou a existência de atos secretos na Casa.


Em fevereiro, Sarney já havia comparecido à posse de Dácio Vieira na presidência do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Distrito Federal. Antes de se tornar magistrado, Dácio Vieira fez carreira no Senado.


O pedido de Fernando Sarney vem oito dias depois de decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que deixou de analisar o mérito de uma reclamação do Estado, mantendo a censura ao jornal. A Corte entendeu que este não era o meio correto de discutir a questão.


O recurso foi ajuizado com base em decisão do Supremo que revogou a Lei de Impresa. Neste acórdão, o tribunal concluiu que ‘não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, inclusive a procedente do Poder Judiciário’. A Lei de Imprensa que vigorou até o julgamento de abril era um documento legal do tempo do regime militar (1964-1985).


A íntegra da nota


‘Nota à Imprensa


Encaminhei à Justiça de Brasília desistência da ação que movo contra o Jornal O Estado de São Paulo.


A ação foi necessária para defesa de meus direitos individuais protegidos pela Constituição e sob tutela do segredo de Justiça, reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal. Infelizmente este meu gesto individual de cidadão teve, independente de minha vontade, interpretação equívoca de restringir a liberdade de imprensa, o que jamais poderia ser meu objetivo. Para reafirmar esta minha convicção e jamais restar qualquer dúvida sobre ela, resolvi tomar esta atitude, considerando que a Liberdade de Imprensa é um patrimônio da democracia e que jamais tive desejo de fazer qualquer censura a seu exercício.


Fernando Sarney, São Luis, 18 de dezembro, 2009′


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Filho de Sarney desiste de ação contra jornal O Estado de S. Paulo


Reproduzido da Folha Online, 18/12/2009 (16h50)


O empresário Fernando Sarney desistiu da ação que movia contra o jornal O Estado de S. Paulo. Filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), Fernando conseguiu uma liminar que impedia o jornal de publicar reportagens sobre as investigações que vinculam seu nome à Operação Boi Barrica (rebatizada de Faktor), da Polícia Federal.


A operação investiga suspeitas de ilegalidades em movimentações financeiras feitas por empresas da família Sarney na campanha eleitoral de 2006 no Maranhão.


Fernando Sarney foi indiciado no dia 15 de julho deste ano por formação de quadrilha, gestão de instituição financeira irregular, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica. O empresário nega as acusações.


O jornal O Estado de S. Paulo está sob censura desde 31 de julho. A censura ao jornal – que durou 140 dias – foi determinada pelo desembargador Dácio Vieira, do TJ do Distrito Federal e Territórios.


Ao justificar o motivo de ter recorrido à Justiça contra o jornal, Fernando Sarney disse que tentou proteger seus direitos individuais. ‘Infelizmente, este gesto cidadão teve, independente de minha vontade, interpretação equívoca de restringir a liberdade de imprensa, o que jamais poderia ser meu objetivo’, afirmou ele em nota.


O empresário afirma que desistiu da ação para reafirmar sua defesa da liberdade de imprensa. ‘Para reafirmar minha convicção e jamais restar qualquer dúvida sobre ela, resolvi tomar esta atitude, considerando que a liberdade de imprensa é um patrimônio da democracia e que jamais tive desejo de fazer qualquer censura a seu exercício.’


Ele enviou carta para a ANJ (Associação Nacional de Jornais) informando sobre a decisão. ‘Desisto da ação. Não dos meus direitos.’


A disputa judicial


Após a decisão do TJ-DF, o jornal tentou derrubar a censura em outras instâncias. O caso chegou ao STF em 17 de novembro, quando o jornal entrou com recurso contra a decisão do tribunal tomada em setembro. Na ocasião, o tribunal determinou que a competência para julgar o processo é da Justiça Federal do Maranhão, onde corre o processo sobre a operação da Polícia Federal, e manteve a censura.


Ainda em setembro, o Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal decidiu afastar, por suspeição, o desembargador Dácio Vieira, que censurou o jornal. Na ocasião, foram julgados dois pedidos do jornal que tentavam afastar o juiz.


O primeiro argumentava que ele é amigo do ex-diretor-geral do Senado Agaciel Maia, ligado a Sarney, e que Vieira ocupava cargo de confiança na Casa antes de ser nomeado para o TJ-DF. Para os desembargadores do conselho, isso não acarretava suspeição.


O segundo argumentava que Vieira havia criticado o jornal ao se defender, por escrito, do primeiro pedido de afastamento. Por 10 votos a 2, decidiram afastá-lo. O afastamento, no entanto, não anula as decisões de Vieira no caso.


Leia também


A íntegra do comunicado de Fernando Sarney


A íntegra da carta enviada para a ANJ