Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Riscos e oportunidades no debate sobre violência

A morte brutal do menino João Hélio, no Rio, chocou o país, mas serviu, ao menos até o momento, para mostrar que ainda nos resta algum pingo de indignação, especialmente quando se trata de uma agressão tão desmedida à infância.

Foi por causa da intensa reação da sociedade que o Congresso acelerou a tramitação de alguns projetos que, há séculos, arrastavam-se nos trâmites burocráticos da Câmara e do Senado.

Tamanha comoção social traz, ao mesmo tempo, riscos e uma janela de oportunidades. O risco é de, movidos pela emoção, aplicarmos leis que somente satisfaçam nosso desejo de vingança, sem combater as causas da violência.

A oportunidade que o debate traz é pensar em mecanismos que, ao mesmo tempo que diminuam a sensação de impunidade, aumentem a eficácia do nosso sistema de proteção à infância e a adolescência.

Após o assassinato de João Hélio, boa parte da grande imprensa mirou quase que exclusivamente num ponto: a redução da maioridade penal. A discussão, em alguns veículos, ganhou contorno de campanha até mesmo nos textos jornalísticos, o que prejudica o debate público.

Suponhamos que a a maioridade penal, no Brasil, fosse já de 14 anos. O crime que catalisou a discussão teria deixado de ocorrer? Claro que não. Primeiro porque dos cinco suspeitos do assassinato, apenas um era menor. Mesmo assim, que garantia teríamos de que esse adolescente deixaria de participar do assalto que originou o assassinato? Os demais jovens têm mais de 18 e participaram do crime. Para eles, a pena já era mais rígida, e de nada adiantou.

Escolha do caminho

Rebaixar a maioridade penal, no momento, serviria somente para saciar a sede de vingança da sociedade. Seu efeito prático seria nulo. Basta lembrar que hoje menos de 1% dos homicídios dolosos são praticados por menores. A redução, se é que teria algum efeito, deixaria de fora, portanto, 99% dos casos.

Me parece razoável, no entanto, discutir o tempo máximo de internação de menores, em casos de crimes hediondos. O Estatuto da Criança e do Adolescente, afinal, deve ser também um instrumento de proteção da sociedade. Se há menores que colocam em risco à vida da população, é preciso cuidado antes de liberá-los para o convívio social.

A ampliação do tempo máximo de internação, no entanto, não pode, de maneira alguma, vir dissociada da discussão sobre como transformar – para além da mudança na terminologia – as atuais prisões de menores (é isso que elas são hoje, com raras exceções) em unidades realmente sócio-educativas.

Sem tocar nesse ponto, de que adiantará reduzir a maioridade ou aumentar o tempo máximo de internação? Vamos segurar menores de idade cada vez mais cedo e por mais tempo, mas como devolveremos eles à sociedade e, mais importante, o que estamos fazendo para evitar que os jovens escolham o caminho do crime?

Sem ter respostas a essas questões, estaremos condenados a uma discussão que produz mais calor que luz.

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Repórter da Folha de S.Paulo