Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Rompido o silêncio, enfim um barulho no CCS

Previsto na Carta Magna de 1988 (Capítulo V, Art.224), o Conselho de Comunicação Social só foi criado em 30/12/1991 durante o brevíssimo mandato de Collor de Melo na presidência da República mas só instalado em 2002, quatorze anos depois.

Por que a demora? Por que José Sarney, dono do Senado, jamais simpatizou com a ideia. Mesmo assim, a exigência constitucional só conseguiu ser regulada, montada e instalada durante a providencial ausência do dito Sarney em 2002, no mandato do senador Remez Tebet (PMDB –MS) e graças à tabelinha entre dois jovens senadores inovadores e idealistas – o falecido Artur da Távola (PSDB-RJ) e Eduardo Suplicy (PT-SP).

O histórico primeiro mandato do CCS (2002-2004), sob a presidência do jurista José Paulo Cavalcanti Filho, um dos mais experientes na matéria, estabeleceu o regimento interno e, principalmente, deu ao órgão a seriedade, credibilidade e a visibilidade que necessitava e ao mesmo tempo lhe seriam fatais.

Na sombra, o despeitado Sarney decidiu que o CCS deveria ser desativado o que facilmente consumou-se com o apoio das entidades que reúnem os empresários de rádio, TV, jornais e revistas (a Família Sarney faz parte deste lobby). Para isso escolheu a dedo os novos conselheiros e indicou seu colega “imortal”, Arnaldo Niskier, para ocupar a presidência e desincumbir-se da tarefa prioritária: desativar o CCS.

Mandante e mandado são craques: o Conselho foi rapidamente “suicidado” (em 2006). O lobby midiático ainda não tinha este nome, mas já sabia operar barulhos e silêncios: a desativação ilegal de um órgão instituído pela Constituição foi rápida e eficazmente sepultada pela imprensa. O único a espernear foi o Observatório da Imprensa (veja aqui links para o programa e site ).

A ressureição do CCS deu-se em 2013 sob a égide do sempiterno Sarney com o irrestrito apoio do lobby midiático e as bênçãos da Igreja: o presidente seria o D. Orani João Tempesta, eminentíssimo cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro. Entre os conselheiros, Fernando Cesar Mesquita, acólito da família Sarney há décadas, funcionário graduado do Senado.

Ninguém estranhou que uma autoridade eclesiástica ocupasse a presidência de um órgão do Legislativo de uma república formalmente laica e secular. O lobby mediático sequer noticiou a composição e posse do novo CCS e ao sacramenta-lo como “não-notícia” ofereceu-lhe um futuro silencioso, anônimo, sem trepidações.

De fato, nos dois anos do seu mandato dom Orani – estudioso dos meios de comunicação – jamais apareceu na função civil, nem mesmo agora quando termina o seu mandato e caberia uma prestação de contas à sociedade.

O rompimento de cortina de silêncio

A cortina de silêncio rompeu-se inadvertidamente quando o “Globo”, carro-chefe do lobby midiático, na sua edição de 16 de Julho resolveu noticiar a nova composição do CCS revelando que dele agora fazem parte dois ministros de Estado, Henrique Alves (Turismo) e Aldo Rebello (Ciência & Tecnologia). O inédito artifício provocou protestos do FNDC (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação) e da FENAJ (Federação Nacional de Jornalistas, que tem representante no Conselho).

Cabíveis, pertinentes e legítimos, os protestos não focam a questão mais grave: os ministros não apenas ocupam indevidamente duas vagas entre as cinco que cabem à sociedade civil, mas na condição de membros do primeiro escalão do Executivo criam um claro conflito de interesses e inequívoca afronta ao princípio da independência entre os poderes.

O Conselho é um órgão técnico do Legislativo e este tem deveres e interesses nem sempre coincidentes com os do Executivo. Geralmente antagônicos.

O lapso é inaceitável e ganha relevância quando se sabe que o novo presidente do CCS, Miguel Ângelo Cançado, ilustre advogado indicado pela OAB de Goiás (OAB 8010/GO), por dever de ofício, deveria estar atento à legalidade de um órgão que, em breve, poderá ser  convocado a manifestar-se sobre questões legais da maior gravidade.

Enfim: acabaram a mágica, a prepotência e o claustro monástico no qual foi trancafiado aquele que deveria ser o mais arejado e ruidoso órgão de uma república afinada com o seu tempo.