Wednesday, 17 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Sanguessuga ao molho pardo

‘Bom apetite, Carumbé.’ Foi de um jornalismo profético o encerramento do programa Cadeia Neles (TV Gazeta/Record) daquele inesquecível dia qualquer, há menos de 10 anos. Carumbé é o presídio de Cuiabá. A refeição distribuída pelo então apresentador, Lino Rossi, foi devorada rapidamente. Um acusado de estupro seguido de morte, alcunhado como Índio, foi esfolado vivo. Sim, o criminoso teve toda a pele do corpo arrancada dentro da cela, pois a triagem de detentos jamais poderia imaginar que Índio correria risco de vida naquele dia. Índio foi amontoado numa cela qualquer e, oh, morreu.

De lá para cá, algumas coisas não mudaram. Índio continua morto da silva, é claro. A ferida dos pais daquela menina estuprada e morta, provavelmente, ainda não cicatrizou. O Cadeia Neles segue líder de audiência no horário do almoço (!!!). Desde 1993, Lino Rossi, o primeiro e mais célebre apresentador, comenta matérias policiais sobre uma maioria de suspeitos (muitos inocentes) no irresponsável Cadeia Neles – que, não raras vezes, também faz assistencialismo barato. Esse deve ser o lado ‘responsabilidade social’ de uma emissora de TV, decerto.

Mas Lino Rossi mudou. Fez carreira com seu carisma, popularidade e outros talentos. Ele se elegeu vereador em Cuiabá, em 1996, pelo PDT. Foi o segundo deputado federal mais votado em 1998, já pelo PSDB. Deixou a TV, foi para Brasília. Em 2000, tentou a prefeitura de Vázea Grande (cidade conurbada a Cuiabá). Nesse período, voltou a usar, descaradamente, o espaço do Cadeia Neles para a campanha eleitoral, mas perdeu aquela disputa. Em 2002, seu substituto oficial, Clóvis Roberto, elegeu-se deputado estadual, também pelo PSDB.

Abre parêntese. A cuiabana concorrência mondo cane não fica muito atrás no quesito eleitoral. O apresentador de TV Walter Rabelo elegeu-se vereador em Cuiabá pelo PMDB, 2004. Era o titular do Baixada 40 Graus, rebatizado como Olho Vivo (TV Cidade Verde/SBT). Ele disputa hoje uma vaga à Assembléia Legislativa, sob críticas à Justiça que o tirou da frente das câmeras nesse período eleitoral. Na linha assistencialismo e mentira deslavada, Sérgio Ricardo (PPS), Repórter do Povo (TV Rondon/RedeTV), elegeu-se vereador em 2000 e deputado estadual em 2002. É candidato à reeleição. Clóvis Roberto não é candidato e continua à frente do Cadeia Neles. Fecha parêntese.

Gabinete 808 do Anexo 4

Lino Rossi não teve sorte ao tentar se reeleger em 2002. Ficou na suplência. Conforme consta nos anais do Senado da República, ele ficou deprimido e foi ao gabinete do evangélico Magno Malta (PL-ES), onde ambos fizeram uma oração. Daí, o senador intercedeu junto à igualmente evangélica TV Record, em São Paulo. O bispo em pessoa ficou muito bem impressionado ao ver a intimidade de Lino Rossi com o ponto eletrônico. Foi uma festa no estúdio. Lino Rossi estava à frente do Cidade Alerta. Cadeia nacional neles!

Mas, em 2004, o deputado federal Wilson Santos (PSDB) elegeu-se prefeito de Cuiabá, de sorte que o suplente Lino Rossi assumiu a vaga. Nada de oposição, coisa que ele nunca fez. Filiou-se ao PSB. Cansou. Foi para o PMDB, onde cravou o recorde de permanecer apenas 24 horas filiado ao partido. No dia seguinte, migrou para o PP, também da base aliada de Lula.

Ele disputa, em outubro próximo, a reeleição a deputado federal pela coligação Mato Grosso Justo e Unido. Estava licenciado. A grande imprensa, que anda com um apetite danado por sanguessugas, nem se deu conta de que Lino Rossi reassumiu o mandato na quinta-feira (3/8). Está no gabinete 808 do Anexo 4.

Segurança e esfolamento

Lino Rossi e outros seis parlamentares federais de Mato Grosso estão envolvidos na máfia das sanguessugas. Além dos depoimentos da famiglia Vedoin vazados à imprensa e conversas telefônicas interceptadas (cujo segredo também se foi pelos ares), documentos ‘sigilosos’ dão conta de ligações perigosíssimas. Nesse caso, quebra de sigilo é transparência para a imprensa. Lino Rossi passou por uma redução de estômago à Roberto Jefferson, mas não é tão magrinho quanto Francenildo. Vai ver que é isso.

Nesses tempos de rebeliões do PCC, um comentarista habitué do OI sempre se insurge contra o que ele denominou ‘imprensa da ala Irmã Dulce’ quando jornalistas mencionam direitos humanos. Não sei por que esse comentarista escolheu a Irmã Dulce, que morreu de morte morrida, e não a Irmã Dorothy, que morreu de morte matada. Índio, o esfolado, era um criminoso que nem o carí$$imo criminalista Márcio Thomaz Bastos encontraria facilidade em defender, não há dúvida.

Lino Rossi e seu ‘bom apetite, Carumbé’, decerto, representam a outra ala da imprensa. Ele, aliás, tornou-se popular pregando o esfolamento, a incitação ao crime (contra o estuprador-matador pode). Em suas plataformas de campanha eleitoral, segurança era sempre um ponto de destaque, uma espécie de Jair Bolsonaro do Cerrado. Como deputado federal, ele freqüenta diversas comissões que discutem violência e segurança pública para o Brasil. Aliás, todos nós custeamos suas despesas para participar da Conferência Mundial contra o Crime Organizado em Roma, Itália, 2002, em missão oficial, segundo consta no site da Câmara. Vai saber o que ele aprendeu lá…

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Jornalista, Porto Alegre (RS)