Friday, 10 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Sequestro e autocensura, mistura perigosa

Na noite de quinta-feira (20/5), milhões de fiéis telespectadores da rede mexicana Televisa viram e ouviram por um dos jornalistas estrelas da casa, Joaquín López Dóriga, no noticiário das 22h30, no espaço ultimamente dado aos horrores causados ao país pelo narcotráfico, que a empresa, ‘por respeito à vida de tão importante figura e enquanto decorrem as investigações’, não mais divulgaria informações sobre o sequestro, até agora cercado de mistérios, de Diego Fernández de Cevallos, político e advogado de relevante trajetória, integrante de alto nível do partido do atual governo, presidido por Felipe Calderón, o PAN – Partido de Acción Nacional.

Voz formal, expressão compungida, Dóriga mais não disse e continuou o programa com outras notícias, provocando, no dia seguinte – perplexas, umas; indignadas, outras – reações entre políticos, jornalistas, acadêmicos e gente graduada do governo.

Diante do laconismo habitual de Televisa que, hermética, não costuma justificar publicamente sua política editorial, tudo indica que se trata de uma constrangedora iniciativa de autocensura, pois as outras emissoras de TV (Azteca, Cadenatres, Milenio Televisión e MSV Televisión) deram ampla cobertura ao fato, ocorrido há pouco mais de dez dias, sem nenhuma pressão oficial aparente. Um pedido da família de Cevallos à Televisa para não aumentar ainda mais a exploração midiática do caso não foi confirmado pela emissora.

Barulho na imprensa

Qualquer iniciativa nesse sentido, aliás, teria, hoje em dia, péssima repercussão na opinião pública, considerando a ampla liberdade de expressão no país, sobretudo na mídia impressa, depois que o PAN chegou ao poder, em 2000, liquidando com os 70 anos de liderança repressiva do PRI – Partido Revolucionario Institucional, que sempre manteve os meios de comunicação ferreamente controlados.

Seja como for, a postura da Televisa intriga os analistas da cena mexicana e reacende as críticas aos seus métodos, digamos, algo peculiares dentro do sistema político, pois a rede, a maior da América Latina, sempre foi uma dócil e dedicada servidora dos interesses maiores do Estado. E por essa mesma razão, como acontece com a Globo no Brasil, sempre teve, nos chamados setores progressistas, uma credibilidade oscilante e discutível em matéria de informação.

Não precisaria, contudo, dada sua posição confortável de audiência popular, fantásticos lucros publicitários e alto prestigio nos escalões superiores, baixar a nível tão embaraçoso. ‘O que eles querem?’, pergunta, irritado, editorial do jornal Milenio. ‘Humilhar a concorrência, mostrando que Televisa é uma empresa de comunicação responsável e as concorrentes, não?’ Outro analista, no El Universal, não vê nada incomum no fato e argumenta que cada veículo de comunicação tem o direito de exercer sua própria linha editorial, publicando ou não determinada informação.

Além do mais, é seguro que os próprios seqüestradores sabiam de antemão que sua façanha provocaria grande barulho na imprensa, coisa que, prevista, não atrapalharia as negociações com a família e as autoridades. (O dado curioso, aqui, é que os jornalões mais respeitados, Reforma e El Universal, têm se limitado a uma cobertura sóbria, com chamadas na primeira página sobre o assunto.)

El jefe Diego

Mistério maior, então, é o próprio seqüestro do advogado Cevallos, el jefe Diego, 69 anos, ex-deputado federal, senador e candidato à presidência em 1994, homem de personalidade vigorosa, combativo, polemista de carteirinha, sempre pronto para um bom bate-boca, tão à vontade nos tribunais como no plenário do Congresso.

Mais ainda, como amigo particular e advogado do ex-presidente Carlos Salinas de Gortari, personagem execrado por muita gente no mundo político mexicano, Cevallos também teria sua quota de desafetos. Nos últimos anos, gastou boa parte de suas energias desmentindo acusações de enriquecimento ilícito e envolvimento em negócios escusos, associado a outras altas figuras do poder.

Segundo a polícia mexicana, ele foi seqüestrado a caminho de uma de suas fazendas, no estado de Querétaro, vizinho à Cidade do México, e até agora não houve sinal dos seqüestradores, exigindo dinheiro de resgate ou qualquer outra condição. As hipóteses são várias: seriam os capi do narcotráfico? Inimigos políticos? Delinqüentes comuns, mas bem articulados?

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Jornalista e escritor, ex-correspondente de Veja no México e América Central