Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Servidores públicos calados em todo o país

O artigo no Estatuto dos Funcionários Públicos que impede que professores e outros servidores dêem entrevistas não é exclusividade do Estado e do município de São Paulo. De acordo com um levantamento feito pelo Observatório da Educação, da ONG Ação Educativa, praticamente todos os estados brasileiros possuem, em seus estatutos, um artigo que impede que os servidores refiram-se ‘de modo depreciativo, em informação, parecer ou despacho, ou pela imprensa, ou qualquer meio de divulgação, às autoridades constituídas e aos atos da Administração’. A mesma regra existe, ainda, em diversos municípios.

O texto da lei varia, mas tem o mesmo teor: de forma vaga, proíbe que os funcionários públicos emitam publicamente opinião a respeito de atos da administração (leia abaixo). Na prática, o artigo permite que uma crítica a uma política pública de educação, por exemplo, seja punida como ‘referência depreciativa’.

Segundo o jurista Dalmo de Abreu Dallari, esse tipo de lei é inconstitucional, por ferir o artigo 5º da Constituição, que garante a liberdade de expressão. Paula Martins, advogada da Artigo 19, explica que, em tese, as leis anteriores a 1988 não teriam sido ‘recepcionadas pela Constituição’, ou seja, teriam deixado de estar em vigor.

Mas, de acordo com um dossiê elaborado pela Artigo 19, a Ação Educativa e a Apeoesp, a lei em São Paulo (lei 10.621, de 1968) funciona como instrumento de ameaça e ainda é evocada para intimidar professores da rede pública a dar entrevistas. No município de São Paulo, uma diretora de escola foi processada, em 2006, com base nesse artigo e, pressionada, pediu exoneração. ‘O problema é que com base nele outras normas foram feitas, ou são aplicadas no caso concreto’, afirma Paula Martins.

36 processos administrativos

Em outros casos, o estatuto foi promulgado após a Constituição – o que seria claramente inconstitucional. É o caso dos estados do Amapá (1993), Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Bahia, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Pará (1994) e Paraíba (2003).

Dos 25 estados pesquisados, apenas sete – Acre, Alagoas, Piauí, Rio Grande do Norte, Rondônia, Santa Catarina, Tocantins – não possuem, em seus estatutos, o artigo. O atual estatuto federal também não contém essa redação. A referência mais antiga à regra foi encontrada no estatuto federal dos servidores públicos (lei 1.711/52, hoje revogado), promulgada durante o governo de Getúlio Vargas.

Em Maringá (PR), o Sindicato dos Servidores Públicos (Sinmar) afirma que, entre 2005 e 2007, foram registrados 36 processos administrativos baseados no artigo que impede o funcionário de ‘referir-se de modo depreciativo (…) aos atos da administração’. No estatuto municipal de Maringá, o artigo é o 170, incisos V e VI.

Contrário à Constituição

De acordo com a presidente do Sinmar, Ana Pagamunici – ela mesma foi processada com base no artigo 170 –, 28 desses processos determinavam a demissão dos funcionários, mas todos conseguiram reverter a decisão na Justiça. ‘Criaram, aqui em Maringá, uma controladoria que arquiva fotos dos servidores e registra fichas sobre o que eles fazem, mesmo fora do horário de trabalho. Isso foi denunciado pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos em um relatório. É como se fosse um SNI’, relata Ana.

Em Tocantins, os artigos referentes à proibição de falar com a imprensa foram revogados em 2006. Antes, a lei proibia o funcionário de ‘divulgar, através da mídia, fatos ocorridos no órgão de trabalho ou propiciar-lhes a divulgação, salvo quando devidamente autorizado’ (lei 1.050, de 1999, revogada).

Segundo Cleiton Pinheiro, presidente do Sindicato dos Servidores do Estado, houve uma negociação com a administração e deputados para que essa lei fosse revogada, além de outras reivindicações de mudanças no texto. Em 2007, um novo estatuto foi criado, sem a regra: ‘Depois de analisar o estatuto, constatamos que esse artigo era contrário à Constituição e à liberdade de expressão dos servidores, então construímos um novo texto.’

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Projetos de lei complementar dos deputados Carlos Giannazi (54/2007) e Roberto Felício (81/2007), para revogação dos artigos em São Paulo.

Relator da ONU recebe dossiê sobre violação da liberdade de expressão de professores

Lei que restringe liberdade de expressão dos professores é inconstitucional.

Dossiê entregue às autoridades de São Paulo e ao Relator da ONU para o direito à Educação.

Leia mais sobre o depoimento de jornalistas.

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Da equipe do Observatório da Educação