Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Sociedade aprova controle prévio

A pesquisa Sensus, divulgada na terça-feira (26/6), revela que a maioria dos brasileiros (57,9%) aprova um relativo controle prévio, por algum órgão, nas programações veiculadas na TV. Apenas 35,9% dizem ser a favor da total independência das redes para decidirem sobre suas transmissões. A pesquisa saiu um dia depois da TV Cultura de São Paulo, no programa Roda Viva, promover um debate com representantes de entidades da sociedade civil organizada, jornalistas e redes privadas, sobre a nova proposta de ‘classificação indicativa’ apresentada pelo governo, que será avaliada pelo Ministério da Justiça.

A forma pela qual os resultados da pesquisa da Sensus foram divulgados na grande mídia coincide com as principais falas dos defensores das redes privadas em relação ao tema, isto é, visivelmente contra qualquer tentativa de controle social (e a palavra é esta), sobre suas programações. As manchetes dos principais meios de comunicação utilizaram quase que invariavelmente a expressão ‘censura prévia’ para caracterizar a opção dos brasileiros comprovada pela estatística.

A utilização semântica de expressões convenientes a determinados pontos de vista está longe de caracterizar o chamado jornalismo objetivo e esbarra justamente na liberdade de expressão, a qual se julga defender. O fato do ‘povão’ entender que as televisões privadas não estão cumprindo com o papel de serem seus próprios órgãos reguladores, identifica que, ao contrário de censura, a população está pedindo ‘controle social’, ou seja, que o leque de decisões sobre as indicações de conteúdos seja ampliado. A maneira ‘elitista’ de considerar a opção popular como ‘retrógrada’ está implícita na expressão ‘censura prévia’.

Censura prévia é outra coisa completamente diferente e qualquer cidadão de bom senso, com um mínimo de cultura, sabe disso. Uma outra visão menos parcial sobre o resultado da pesquisa, por exemplo, pode deduzir que a população acredita, sim, em suas instituições, tanto as da sociedade civil organizada, quanto as do poder governamental e, por isso, delega-lhes o poder de ‘intermediar’ as ‘negociações’ sobre a classificação indicativa junto às televisões privadas.

Problema é dos pais

A arrogância dos defensores das teses ‘libertárias’, pró-redes grandes privadas, evoca o fantasma de censura sempre que lhe convém. Querem, desta forma, criar instituições e empresas sem país, sem povo, sem sociedade, sem governo, enfim, sem qualquer espécie de controle a não ser o do capital financeiro, este, sim, bem-vindo para definir conteúdos, programações e tudo o mais. Julgam-se acima das próprias leis e quaisquer questionamentos.

E para defenderem este princípio, alegam o quê? Alegam o princípio da ‘liberdade de expressão’. E a liberdade de expressão da maioria, que é a favor do controle social, fica onde? É previamente classificada de retrógrada, aí, sim, censurada, e por isso deve ser varrida para baixo do tapete e para os rodapés dos grandes jornais, quando não deturpada por expressões que distorcem o conteúdo e o significado das opiniões.

Com isso pensam resolver a complexidade das relações sociais que estão a exigir novas formulações: é justamente porque a sociedade tornou-se democrática que se exige das grandes redes um compromisso à altura desta democracia, e não o contrário (o hermetismo das poucas famílias que mantêm, aqui no Brasil, um rígido controle sobre os monopólios de comunicação). O que a pesquisa diz, lato senso, é que a sociedade brasileira é muito maior do que meia dúzia de TVs privadas.

O diálogo estabelecido pelo governo com as grandes redes deixa claro que estas preferem o monólogo, direto com o público, claro. Para este fim, as grandes empresas de comunicação utilizam-se de seus próprios meios para defenderem aquilo que julgam ser ‘o melhor para a população’, mas que ao final é apenas ‘melhor para elas mesmas’. De pouco vale o argumento de que milhares de crianças são expostas diariamente a conteúdos impróprios, cenas de sexo, violência e publicidade irresponsável. É irrelevante. Se consomem, se não têm opção, se não têm cultura suficiente, é problema dos pais e do governo.

Porta-vozes únicos

Mas isto, entendeu a população através da pesquisa da Sensus, não é democracia. Democracia é quando os grandes meios de comunicação utilizam, nos mesmos espaços, os vários discursos para levarem a amplitude do debate ao conhecimento da sociedade para que esta possa ter uma decisão madura sobre o assunto. Coisa que a TV Cultura fez, e fez muito bem, mostrando que jornalismo brasileiro não perde nada quando aprofunda as questões e amplia o seu espectro de discussão. Ainda bem, porque nenhuma outra ‘televisão aberta e gratuita’ se dispôs, neste nível, a realizar este debate, que é de grande importância para a democracia.

Assim como não propiciam o debate de outros temas de igual relevância para a elevação do conteúdo crítico da sociedade. Ou isto é dever apenas da TV Cultura, e não de todas as TVs que estão no território brasileiro? Ou a liberdade de expressão que defendem é a liberdade de não termos acesso aos conteúdos que nos permitem decidir de forma soberana sobre nosso destino?

Resta ao final, na mesma linha de raciocínio que considera ‘retrógrada’ a opção pelo controle social e chama de ‘brasileiro médio’ (em contraposição, talvez, a brasileiro culto, subliminarmente) a quem respondeu à pesquisa, a seguinte pergunta: se o brasileiro não é capaz, em quase vinte anos de democracia, de saber o que é melhor para si mesmo, a imprensa, como formadora de opinião, não deixou de cumprir seu papel democrático na dimensão que dela se esperava?

Por esta hipótese, a opinião ‘retrógrada’ dos brasileiros derivaria justamente dos meios de comunicação ‘retrógrados’ aos quais tem acesso para formar sua opinião. E este é o mesmo modelo de comunicação que estão agora defendendo sob alegação de interferência na liberdade de expressão? Pelo próprio raciocínio que utilizam, não deixam de ser fragorosamente derrotados pela opinião pública. Derradeiramente, se os brasileiros julgam (57,9%, e repito, 57,9%, para os que não respeitam a opinião pública) que os meios de comunicação não estão interagindo de forma suficientemente democrática com os principais representantes eleitos ou da sociedade civil organizada, não é um claro indício de que as redes privadas de comunicação devem tentar adequar-se de forma mais democrática aos anseios da população, ao invés de portarem-se como os únicos porta-vozes daquilo que chamam de liberdade de expressão?

Liberdade de expressão é tão boa… que todos a querem, só falta os grandes meios de comunicação entenderem isso.

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Escritor e jornalista, Curitiba, PR