Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Turismo de formatura ou ressaca para a vida toda

O assunto “turismo de formatura” chegou até mim porque um de meus filhos vai concluir neste ano o Ensino Médio e a viagem escolhida pela maioria tem como destino a cidade de Porto Seguro (BA), que parece ter sido escolhida a cidade oficial das viagens de formatura do Ensino Médio no Brasil. Recebe nos meses de pico (setembro e outubro) cerca de 15 mil estudantes, sendo 90% deles do estado de São Paulo.


Tradicionalmente, a viagem tem duração de oito dias e inclui hospedagem, alimentação, traslado, passeios e uma extensa programação de baladas. No passado uma menina de um colégio de classe média de São Paulo foi estuprada em Porto Seguro por três rapazes. A cena foi filmada e os jovens foram espancados por seus colegas de classe. Outra jovem paulistana embarcou em Porto Seguro com problemas de saúde. Após uma semana exposta a poucas horas de sono e alimentação irregular, desembarcou em São Paulo gravemente doente, morrendo em seguida. Os médicos diagnosticaram meningite.


Verdadeira confraternização?


Um segurança, que trabalhou temporariamente em Porto Seguro, relata ter visto várias jovens embriagadas – que costumam dormir na praia após as baladas – serem bolinadas por seguranças que cuidam do local. Todos os anos jovens entre 17 e 19 anos morrem em acidentes em Porto Seguro, afogados em praias e piscinas, de ataque do coração em baladas, sob o efeito de bebidas e drogas. Em 2002 um garçom que trabalhava na Passarela do Álcool (!!!) foi espancado até a morte por estudantes.


O objetivo deste texto não é apenas chamar a atenção da mídia para essas histórias trágicas, mas lançar algumas perguntas às famílias (pais, mães e responsáveis), às escolas e à sociedade. Em que momento as “viagens de estudo do meio” realizadas pelas escolas em que nossos filhos estão matriculados foram substituídas pelas viagens de lazer? O que dizem as escolas sobre o assunto? Por que cederam às empresas de viagem de lazer? O que nos fez substituir uma “viagem escolar” por uma viagem em que predominam festas e uso indiscriminado de bebidas, sem falar das drogas? Porto Seguro é o que de melhor podemos oferecer a nossos filhos, com nosso dinheiro? Por que expor nossos filhos a essas experiências, conscientemente? Estaríamos desta forma contribuindo para o seu amadurecimento? Não sentimos medo do que possa acontecer a eles nestas viagens?


E mais: o que é uma verdadeira confraternização? Expor nossos filhos a uma semana sem dormir, convivendo com bebidas e drogas, é prepará-los para as adversidades da vida? Estariam eles preparados para essa experiência? O que dizem as outras empresas de turismo estudantil que se recusam a levar jovens para Porto Seguro? Que precedentes estaríamos abrindo com essa viagem para a vida de nossos filhos? Que tipo de jovens estamos formando?


Aniquilamento de uma raça


O álcool é a droga, entre as lícitas e as ilícitas, que mais avança entre os jovens no Brasil. A faixa etária para o consumo de álcool caiu. Hoje se bebe a partir dos 12/13 anos e as moças já alcançaram os rapazes. Os estudos relevam que o uso do álcool provoca acidentes de carro, homicídios, queda do rendimento escolar, sexo inseguro etc. A Divisão de Prevenção do Programa Estadual DST/Aids afirma: “Sob o efeito do álcool, as pessoas relatam que esquecem de se proteger, pois o senso crítico diminui e, assim, passam a ter comportamento de risco”.


A esmagadora maioria dos jovens drogados atendidos pelo Hospital Albert Einstein, em São Paulo, começou pelo vício da bebida. Entre adolescentes, a bebida é um risco peculiar, uma vez que estão na fase de experimentar limites e passam a se guiar pelas atitudes dos amigos. Pablo Neruda, em seu excepcional livro Confesso de vivi, descreve os meios que os conquistadores espanhóis costumavam empregar para dominar os índios araucanos:




Contra os índios todas as armas foram usadas com generosidade. Disparos de carabina, incêndio de suas choças, e depois de forma mais paternal, empregou-se a lei e o álcool. O advogado se tornou especialista também na espoliação de seus campos, os juiz os condenou quando protestaram, o sacerdote os ameaçou com o fogo eterno. E por fim, a aguardente consumou o aniquilamento de uma raça soberba cujas proezas, valentia e beleza Alonso de Ercilla, em seu Araucana, deixou gravadas em estrofes de ferro e jaspe.

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Escritora e jornalista