Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Um retrato do jornalismo pernambucano

Confesso que não sou a idealista que um dia sonhei em ser, já desisti de mudar o mundo há alguns anos, mas algumas coisas enojam e me fazem não querer ficar parada, passiva.

Na terça-feira (21/6), Cícero Belmar, diretor-executivo do Jornal do Commercio, do Recife, foi demitido por ter autorizado a publicação de uma reportagem sobre a liberação de 1.200 agricultores que trabalhavam como escravos na destilaria Gameleira, no interior do Mato Grosso. O motivo? Um dos donos da destilaria, Eduardo de Queiroz Monteiro, também é dono do jornal Folha de Pernambuco.

A subeditora do caderno de Brasil, Betania Santana, não se restringiu a copiar a matéria mandada pela Agência Globo, cujos serviços seu jornal assina. Ela fez o que o manual do bom jornalismo manda: procurou o empresário Eduardo Queiroz Monteiro para ouvir o outro lado. E depois de várias tentativas sem sucesso, ela incluiu essa informação na matéria. A reportagem foi publicada na edição do sábado anterior (18/6).

Pacto de não-agressão

Do ponto de vista jornalístico, a posição dos dois – Belmar e Betania – não pode ser questionada. A matéria é relevante, a denúncia partiu de um órgão sério, o Ministério Público Federal, e o ‘outro lado’ foi procurado.

Não sou ingênua ao ponto de acreditar em isenção jornalista – até porque eu não a defendo, acho que todos temos o direito a ter uma opinião formada –, nem tenho a ilusão de que os donos de jornais permitem que seus veículos seja independentes e que possam falar do que quiserem.

O que me revolta é que um profissional sério, e leal a empresa em que trabalhava há mais de 15 anos, seja demitido por tomado uma única decisão que o dono da empresa não gostou.

Trabalhei com Belmar por quase 7 anos, já fui subordinada direta dele, e já presenciei este jornalista tomar decisões editorais das quais eu discordava, e por defender numerosas vezes a posição de João Carlos Paes Mendonça, proprietário do Jornal do Commercio. Já o vi mandar retirar matérias já desenhadas e editadas na página para evitar problemas futuros. Ao falar com ele hoje (sexta, 24/6), por telefone, ele me disse: ‘É filha, é isso mesmo. Eu ocupava um cargo de confiança’.

Ele foi demitido porque não cumpriu um acordo do qual não tinha conhecimento: um pacto de não-agressão entre os dois donos de jornal.

Belmar não foi demitido por cometido mau jornalismo, Belmar foi demitido como um gesto de cortesia entre dois empresários.

E ver que o histórico profissional de um jornalista como Cícero Belmar vale tão pouco, mais do que me revolta – me enoja.

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Jornalista