Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Uma parceria ilegal

O governo do Estado do Rio Janeiro e a empresa Sky lançaram uma parceria no último dia 14 de setembro que inclui a disponibilização de TV por assinatura a preços mais baixos para moradores das comunidades atendidas pelas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). No entanto, mesmo usando a justificativa de ser uma política social, o serviço da Sky é considerado ilegal pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) por praticar preços discriminatórios.

O programa das UPPs é carro-chefe da gestão do governador Sérgio Cabral (PMDB) e deve contribuir para sua reeleição. Já foram selecionadas dez comunidades cariocas, que totalizam cerca de 200 mil habitantes. A maioria delas é próxima aos bairros glamourosos ou com algum reconhecimento midiático, a exemplo da Cidade de Deus, primeira UPP atendida com a parceria com a Sky.

As UPPs foram inseridas em áreas sob forte presença do crime organizado e a maior presença da polícia foi acompanhada pela retirada do "gatonet" (instalações clandestinas de TV paga). Devido aos altos preços, para a maioria dos moradores dos bairros populares nas grandes cidades brasileiras essa é a única opção para se ter o serviço. Na Cidade de Deus, o "gatonet" custava no máximo R$ 25. O governo diz que irá viabilizar o pacote da Sky por R$ 44,90, cerca de 80% mais caro que o pirata.

A secretaria de Assistência Social e Diretos Humanos confirmou que a cooperação, apenas com a Sky, não envolve contrapartidas.O Observatório do Direito à Comunicação não obteve informações sobre a forma como se deu a parceria, que aumentou o oligopólio na área de TV paga. A Net e a Sky juntas detém 82% do mercado brasileiro.

Por meio de sua assessoria, a Sky explicou que vai expandir a promoção apenas às comunidades onde existam as UPP’s e confirmou que o pacote promocional trará retorno financeiro. Serão disponibilizados a população da Cidade de Deus 89 canais, 13 opções a menos que o pacote mais barato no site da empresa, que fica por R$ 69,90, sem equipamento. A assessoria também negou que a falta de segurança seja o principal motivo para não disponibilizar sua equipe técnica em bairros de baixa renda, mas admitiu que a questão influencia sua atitude.

Ilegalidade

A Anatel alega que não foi notificada oficialmente pela Sky, mas já avisou que a legislação tem de ser cumprida. Nesse caso, os Artigos 3º e 5º do Regulamento de Proteção e Defesa dos Direitos dos Assinantes destacam ser dever da prestadora não praticar discriminação de qualquer tipo aos consumidores localizados na Área de Prestação do Serviço.

A menos que haja alguma justificativa de ordem técnica, a agência reguladora ressalta que os diferentes planos de serviços disponibilizados pela prestadora devem ser oferecidos nas mesmas condições em todo território nacional onde ela chega.

Já o Plano Geral de Metas e Qualidade (PGMQ) de 2005 focaliza os argumentos do Regulamento de Proteção e Defesa dos Assinantes para locais específicos com infraestrutura urbanas deficiente, como as comunidades UPP’s. No Art 6º do PGMQ consta como aspecto discriminatório não oferecer o serviço para todos aqueles que tenham interesse na TV por assinatura, mesmo em áreas urbanas deficientes sob parâmetro do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Outros argumentos legais que enfraquecem a parceria do governo do Rio de Janeiro com a Sky são a Lei do Cabo e a Lei Geral de Telecomunicações (LGT). Ambas não consideram a TV por assinatura como serviço passível de universalização, o que significa a não adoção de subsídios dos governos para ser incorporado a maiores parcelas da população como justificativa de política social. As últimas ações do governo federal para as teles também não incluem o segmento nas metas de massificação, a exemplo da banda larga.

Especulação

O lançamento do pacote contou com a presença do diretor-executivo do Flamengo, Zico, a apresentadora Hebe Camargo e o cantor Mv Bill. A sede da UPP na Cidade de Deus foi bancada pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e custou mais de R$ 1,5 milhão. A escolha do local via que o programa se consolide como ícone para diminuição da violência carioca para a Copa do Mundo de 2014 e, por tabela, as Olimpíadas de 2016.

Enquanto a parceria da Sky com o governo era anunciada com festa, o Conselho Regional de Corretores de Imóveis do Estado do Rio (Creci/RJ) promovia debate sobre a importância das UPPs no mercado imobiliário. O setor da construção civil constatou valorização imediata nas áreas no entorno de UPP’s, como Botafogo e Tijuca.

TV Vidigal

A dificuldade no acesso à televisão também atinge os canais abertos no Rio de Janeiro. Na comunidade do Vidigal, a população não é atendida pelo serviço e estimulou o crescimento dos antenistas, que instalaram redes de cabos por toda comunidade e ofertam TV aberta e até canais fechados a preços populares (Sem cobertura legal, antenistas têm de buscar acordos com as operadoras).

O presidente da Associação Brasileira das Empresas de Telecomunicações, Melhoramentos de Imagens e Atividades Afins (Abetelmim), Givander Silveira, ainda espera a legalização do serviço pela Anatel: "Tem que abrir o mercado para as pequenas competirem também. Só as grandes podem fazer tudo e nós não podemos fazer nada". Silveira entende que enquanto a Anatel não abrir o mercado, a pirataria irá continuar a se perpetuar pelo país.

Em resposta, a Anatel confirmou não haver legislação específica para os antenistas, o que torna a regulamentação do serviço inviável, e, com base na Lei do Cabo de 1995, citou: "V – Como consequência da lei de criação do serviço de TV a Cabo, novos sistemas de … DISTV, independentemente do tipo de comunidade a ser servida, não poderão ser instalados."